Desde que nos reconhecemos como fãs de rock e/ou heavy metal, independentemente da vertente ou subgênero, certos costumes, posturas e até mesmo “regras” acabam se impondo aos consumidores, músicos e entusiastas. Regras essas que não estão escritas em lugar algum, mas nos são apresentadas como um conjunto de ditames: afirmações de que apenas um estilo é válido, que ouvir tal banda é “errado”, ou ainda que “o heavy metal morreu” em determinado período. São comportamentos típicos de reuniões tribais, nas quais pessoas desajustadas — e, muitas vezes, rejeitadas pelo status quo considerado “normal” — se encontram.

Eddie e Steve Harris na World Slavery Tour

Eu fui um desses “rejeitados”. Mas prefiro dizer que fui encontrado, acolhido pelos memoráveis riffs de “Aces High”, faixa de abertura do icônico Powerslave, do Iron Maiden. Imagino que muitos se identificarão com isso: um amigo, ou parente, te vê ouvindo algo que ele não curte, questiona, vocês conversam, ele te apresenta outro som — e, dali em diante, sua vida muda. Nada fora do padrão.

O que quero propor aqui é uma reflexão sobre essas regras não escritas do rock e do metal. Uma, em especial, sempre me chama a atenção:

“JAMAIS MACULARÁS O SOM PESADO COM A ENTRADA DE OUTRO ESTILO.”

Essa é uma das chamadas “regras de ouro” que precisamos discutir. Mesmo em pleno 2025, ainda há debates infundados sobre a tal “pureza” do metal. O que é — ou não é — heavy metal? Essa conversa sempre retorna, gerando profunda mágoa em uns, celebração em outros, e indiferença para o restante.

Abaixo, segue um vídeo do camarada Raphael Casotto, onde o Nu Metal é citado como o pior gênero por Terry Painkiller. Deixamos claro aqui nosso respeito pela opinião do citado, mas usaremos esse ponto como ponto de partida.

Afinal, muitas dessas misturas são vistas como quebra de paradigmas — e é exatamente nessas quebras que vamos “morar”.

Estamos cada vez mais vendo bandas investirem em sonoridades modernas, com influências diversas e, até há pouco tempo, impensadas dentro do nosso gênero. Um ótimo exemplo é o lançamento de Babylons P & João Gordo, com o disco Shadows Loom, que une Dub e Doom Metal, gerando uma sonoridade caótica, que pode agradar muitos e causar estranhamento em tantos outros. Ouçam o disco abaixo:

Quebrando Barreiras

Para começar, cito rapidamente duas bandas internacionais:

    • Babymetal: com som altamente pesado e um visual “fofo”, quebram expectativas. Mesmo com participações de nomes como Rob Halford (o Metal God) e shows com o Metallica, muitos bangers mais tradicionalistas torcem o nariz, sempre prontos a destilar críticas.

    • Electric Callboy: banda alemã que mistura música eletrônica pesadíssima com guitarras do metal. Vamos usá-los como fio condutor aqui, pois a Alemanha tem um cenário eletrônico pulsante — vide Kraftwerk, precursores desse universo sonoro.

Certa vez, assistindo a um documentário sobre o Funk Carioca, o sábio do movimento, Mr. Catra, soltou uma frase que me marcou (confiram abaixo).

Esse tema já foi levantado também em uma discussão no Canal Amplifica, de Rafael Bittencourt, quando Lucas Inutilismo comentou sobre seu show Playlist de Funk. Em suas palavras: “são dois gêneros que parecem distintos, mas estão mais próximos do que as pessoas imaginam.” Vejam o corte no link abaixo.

Brasil: O Epicentro das Misturas

Dois artistas têm se destacado por quebrar abertamente paradigmas dentro da cena, ambos do Rio de Janeiro.

1. 808Punks

O coletivo lançou, este ano, o ótimo EP Bater Cabeça e Rebolar, produzido por Edu K. Em conversa com André Paumgartten, um dos integrantes, ele diz:

“Não existe nada que una mais qualquer subúrbio — seja onde for — do que a violência, que faz emergir nomes que, em espírito de insurgência, transformam precariedade em ruído de linguagem.”

André cita movimentos como o Heavy Metal, Punk 77 e New York Hardcore — todos nascidos da precariedade.

O 808Punks vem “da quebrada”, do subúrbio, e une referências que vão de Slayer a MC Carol, do punk clássico a Mr. Catra. Suas letras de protesto seguem a mesma lógica do funk de raiz. André ainda diz:

“Gostamos de fazer as duas coisas. O brasileiro tem essa capacidade única de usar o protesto com ironia — disfarçando revolta e raiva com festa. Usamos o poder popular como força para pular.”

O EP Bater Cabeça e Rebolar prova isso: dá pra banguear forte e ainda dançar. E, como bem lembra André, essa mistura não é nova: DeFalla, Funk Fuckers, Comunidade Nin-Jitsu, Bonde do Rolê e tantos outros já apontavam caminhos parecidos. Ele finaliza:

“O bumbo do Ministry poderia muito bem tocar num baile do Mackenzie há 30 anos.”

MC Taya – Reprodução: Internet

2. MC Taya

Carioca radicada em São Paulo, MC Taya vem mexendo profundamente nas estruturas do que é considerado “aceitável” no cenário. Com um som que mergulha ainda mais fundo na mistura entre Funk e Nu Metal (estilo que já carrega seu próprio estigma), a artista grava suas músicas sem pudor algum, unindo o peso das guitarras à força da cultura suburbana.

MC Taya usa e abusa da sensualidade à qual foi exposta desde criança por meio de registros audiovisuais do funk, mesclando isso com sua paixão pelo peso do nu metal — que inclusive a levou a aprender a tocar baixo.

Recentemente, ela gravou um clipe com a banda Eskröta, conhecida por sua sonoridade old school e letras de protesto. A união do rap de MC Taya com o som da banda foi certeira — e a faixa tem sido bem recebida onde quer que toque. Confiram abaixo o clipe de Mantra.

Nas letras, MC Taya não poupa palavras — e não tem medo de chocar os setores mais conservadores. Em Nerds & Nóias, um trecho é especialmente forte:

“Não importa o que eu escreva, eles vão achar uma merda / sou só uma neguinha querendo ser ousada / Espancaram Luana / Arrastaram a Cláudia / E é por isso que cada vez menos me importo / E acho graça que a minha existência te causa ódio.”

Esse trecho mostra que ela — como tantos outros — não está nem aí para as tais “regras” e quer quebrá-las, com a autoridade de quem vive no local onde esse som nasceu.

Confiram o clipe de Nerds & Nóias abaixo.

Conclusão

Após tudo isso, concluo dizendo que essas chamadas regras imutáveis precisam, sim, ser quebradas — para que o rock e o metal continuem evoluindo e chegando a mais pessoas. Muitos dirão que essa é uma visão simplista, mas é na liberdade que se constrói algo realmente belo, como o cenário do rock e do heavy metal.

Somos um conglomerado de “estranhos no ninho”, rejeitados pela normalidade vigente. Não nos encaixamos — e por isso escolhemos (ou fomos escolhidos) por essa cultura. O passado existe como referência — para aprendermos, evitarmos erros e também para subvertermos e melhorarmos o presente.

Vida longa à quebra de regras não escritas. E que mais bandas como essas surjam em nosso horizonte, abrindo ainda mais nossas mentes.