Sofisticação, elegância e classe. Esse trinômio descreve bem o estilo de Jorge Shy, o cara por trás das guitarras precisas do Heróis da Resistência. Que nos anos 80 o rock nacional teve um boom considerável e atingiu seu auge de popularidade pouca gente duvida. Várias bandas se destacavam no cenário, às vezes uma única banda dava origem a outras, como o Aborto Elétrico deu origem ao Capital Inicial e Legião Urbana por exemplo. O público que viveu essa época lembra com carinho dos medalhões citados e outros menos comentados, mas de igual importância como Hojerizah, Tokyo, entre outros. Um grupo em especial, o Kid Abelha, caiu nas graças do público roqueiro, mesmo com um som mais leve e palatável, em parte por causa de sua vocalista Paula Toller, aliado ao bom gosto de Leoni ao escrever letras e criar suas linhas de baixo e o sax de George Israel, outra marca registrada do grupo, que surfava com força na New Wave e Synth Pop da época. Quando Leoni resolveu pular fora, recrutou Jorge Shy para as guitarras.
Com o sugestivo nome de Heróis da Resistência, nadou contra a corrente musical predominante na época, quando em vez de mergulhar no punk rock britânico, resolveram calcar o seu som em experimentalismos, sintetizadores, ambiências, produção refinada e riqueza harmônica. Ficou claro que era um grupo diferente, e com o passar do tempo alcançou um status cult ainda maior entre roqueiros e fãs de música brasileira. A mente por trás dessa sofisiticação harmônica era Jorge Shy, um guitarrista tão discreto quanto estupendo, capaz de criar linhas guitarrísticas deliciosas, dançantes e ao mesmo tempo sutis e belas. Quer um exemplo? Ouça Sinal dos Tempos, Silêncio, a rainha dos barzinhos Doublê de Corpo, e a “arroz de festa” Só Pro Meu Prazer (gravada até por grupos de pagode), e tire suas próprias conclusões. O Heróis não foi exatamente uma banda gigante como um Legião, Paralamas, Barão ou outros, o que não dizer que não seja grandioso em sua concepção sonora. Se você ouvir com atenção perceberá um pezinho no AOR em alguns casos, especialmente na melancolia da voz e das letras de Leoni. E somente um guitarrista com extremo bom gosto na escolha de timbres e sons poderia traduzir tudo isso em acordes. Suas influências vão de Rush e Yes (fase Trevor Rabin) e Deep Purple a Toto, Paralamas e Radio Taxi. Simpático ao extremo (recebi de presente os seus 2 discos solo), Jorge Shy nos concedeu uma entrevista reveladora sobre sua maneira de abordar o instrumentos, influências, rock dos anos 80 e principalmente, sua carreira, hoje mais direcionada a música instrumental. Aproveitem o papo. Com vocês, uma das figuras mais bacanas do meio meio musical, Mr. Jorge Shy!!
1 – Como foi seu início musical?
JS: Meu início musical se deu através da paixão pela música dos Beatles, foi o que me fez tocar um instrumento.
2 – Fale um pouco sobre suas primeiras bandas, o Tokyo e o Heróis da Resistência.
JS: O Tokyo que se chamava “ZIG” anteriormente foi formado num festival de colégio e quando começou a ficar sério virou o Tokyo , mas eu sai antes da transição do nome por motivos pessoais . Os Heróis, como todos já sabem, foi uma indicação dos colegas do Tokyo para o Leoni e que acabou no que todos já sabem, sucesso de porte médio no rock nacional e 3 discos gravados pela WEA Brasil ,
3 – Como era trabalhar com Leoni?
JS: Sempre gostei muito de trabalhar com ele, muito tranquilo e me deixava a vontade para criar as guitarras e estava sempre me apoiando para que eu pudesse me sentir à vontade na banda.
4 – Você tem um estilo sofisticado que casou perfeitamente com o estilo das bandas em que tocou. Até que ponto existia liberdade para criar os arranjos no Heróis? Houve algum tipo de pressão para se tocar de maneira mais técnica ou para soar mais pop, já que o Heróis era digamos, mais suave musicalmente falando, do que os grupos da época?
JS: Meu estilo sempre foi forjado nos guitarristas que me influenciavam na época, nunca houve uma pressão, mas em alguns momentos fui encorajado pelo Liminha e pelo Leoni a conhecer outros estilos de guitarra como “ Funk , R&B e Soul e que faziam parte do caldo pop da época e houve um momento que fui convidado a voltar a estudar teoria e técnica , para poder acompanhar os músicos que eram mais velhos e mais experientes do que eu como Alfredo Dias Gomes e Lulu Martin .
5 – Muita gente pensou que por causa do Leoni, o Heróis seria uma continuação do Kid Abelha, o que definitivamente não aconteceu. Como foi pra você inserir suas guitarras numa banda com uma referência tão marcante na composição como o Leoni?
JS: Na Época o Leoni queria fazer uma alquimia e experimentar sonoridades diferentes: Jazz + Rock + pop, eu era o responsável de imprimir a sonoridade Rock na banda, tinha liberdade para criar e o Leoni viu em mim um estilo que agradou para ser utilizado pela nova banda.
6 – Quais suas principais influências guitarrísticas?
JS: Naquela época dos Heróis, gostava muito do: Gary Moore, Eric Johnson, David Gilmour, Andy Summers e Jeff Beck, Clapton, depois fui mudando de estilo e conhecendo outros estilos: Pat Metheny, John Scofield e Mike Stern foram influencias na transição para tocar Jazz , hoje gosto do Julian Lage , Kurt Rosenwinkel , Gilad Hekselman.
7 – Você é um conhecido admirador de jazz. Como viver tocando o que se ama num país que promove para a grande massa, apenas artistas mais populares e básicos?
JS: Uma pergunta muito difícil, pois a música mudou muito nas últimas décadas. O jazz / instrumental é uma musica improvisada e que vem da alma, nunca consegui produzir com foco no mercado, pois senão você mata a verdade do artista. Hoje, sei que não tem mercado e me conformo com isso, mas toco para alimentar a minha alma, fico triste e frustrado quando toco coisa que não gosto, então acaba não compensando.
8 – Como manter-se fiel a seu estilo mesmo com as mudanças no mercado musical?
JS: Cada musico tem uma forma para se manter conectado , no meu caso procuro manter uma conexão próxima ao instrumento e sempre conhecer coisas novas e quando possível assistir músicos que me inspiram a continuar na jornada .
9 – Que conselhos daria a um jovem guitarrista que deseja viver de sua arte?
JS: Diria que ele tente se situar na realidade do mercado de hoje que compreende forte trabalho nas redes sociais e tente encontrar alguém que possa ajuda-lo, acho que sozinho hoje em dia e tudo mais difícil, infelizmente. A música foi banalizada, virou produto gratuito e existem formas de músicas que competem fortemente no mercado como “música Eletrônica” e que é outra coisa.
10 – Qual a principal diferença que você enxerga ao gravar hoje em estúdio e gravar nos anos 80?
JS: Bom, nos anos 80 você não tinha tanta opção, realmente tinha que ir aos estúdios analógicos e cheios de magia, hoje em dia, o estúdio não é tão necessário, pois todos conseguem gravar de casa e os estúdios na sua maioria são todos digitais, mais práticos, com ferramentas que enganam o público que vai consumir bem diferente.
11 – Quais bandas te chamam atenção hoje em dia?
JS: Gosto de uma banda de Indiana chamada “The Cold Stares” no Jazz gosto de uma banda Norueguesa que se chama: “ Hvalfugi”.
12 – Se você pudesse escolher apenas um disco para ouvir por toda vida numa ilha deserta, qual seria?
JS: Muito difícil, talvez: “Dark Side Of The Moon”.
13 – Conte para os leitores um disco que pra você foi uma grande decepção?
JS: O disco Religio dos Heróis da Resistência. Que fique bem claro, o processo de gravação e a experiência de gravar em Los Angeles foi simplesmente maravilhoso, o resultado do disco que foi uma decepção para mim. Não gostei das mixagens e o disco não tem uma unidade, virou uma colcha de retalhos e de certa forma ajudou a afundar a carreira dos Heróis da Resistência. A música Sujeito Oculto, por exemplo, tem um solo de guitarra incrível e mal se ouve… Lá no fundo…
14 – Conte um pouco sobre seu processo de composição em Crossing Path, seu disco solo. Qual equipamento usou? Como foram as sessões de gravação?
Neste trabalho, o processo foi através da guitarra e do violão, usando muito a técnica do “chord soloing” e depois pensado para um Trio com baixo acústico e bateria. As sessões foram no estúdio de um produtor e amigo que trabalhou na Inglaterra e com um senso sonoro apurado para a ocasião. A maioria das músicas foi gravada ao vivo como num ensaio.
15 – Qual a principal diferença entre o disco Crossing Path e o Somebody’s Waiting em sua opinião?
No Somebody´s Waiting eu resgatei algumas composições que havia feito nos tempos da faculdade nos EUA e tentei experimentar alguns instrumentos diferentes como Cello e Viola caipira, trouxe influencias de Piazzola e do blues. Fiquei mais feliz com o resultado do Crossing path.
16 – Você se sente injustiçado ou pouco reconhecido no cenário musical nacional?
JS: Acho que não, pois nunca me esforcei para continuar no cenário. Eu abandonei e fui pros Estados Unidos, muitos na época me chamaram de louco. Quando voltei pro Brasil estava muito mudado para ir atrás da turma do Rock que eu tinha contato. Poderia ter ficado e ter tido uma carreira parecida como a do meu amigo Billy Brandão, que tocou com todo mundo, mas foi outra escolha. Você sempre vai pagar um preço pelas suas escolhas e caminhos. Hoje eu me considero um artista independente e “underground”.
17 – Qual música você indicaria pra alguém que desejasse conhecer seu estilo hoje?
JS: Indicaria que ouvisse: Berlin Night ou Acasos, Farewell to Michael.
18 – Qual música você mais gostava de tocar com o Tokyo e com o Heróis?
JS: Conforme falei, não participei das musicas dos discos do Tokyo, na minha época era só Garota de Berlin. Com os Heróis adorava tocar “O Estrangeiro”.
19 – Como conseguiu aquele timbre em Silêncio (do disco Religio de 88)?
JS: Silêncio eu compartilho a guitarra com o Liminha que é o compositor da música. No final os solos sou eu mesmo. Timbre de Strato com EMG pick ups e gravava muito utilizando um Soldano.
20 – Que outras músicas você classificaria como seus melhores momentos guitarrísticos ao longo de sua carreira?
JS: Quando Universos colidem / Um Herói que mata / o Fim da estrada / Criação / Berlim Night / Farewell to Michael / Carneiros Alados / São Roque. Escolhi 4 dos Heróis e 4 da carreira solo.
21- Conte-nos um momento especial na sua carreira. E um momento constrangedor ou curioso na estrada.
JS: Momento especial talvez encontrar o Burt Bacharach na entrada do estúdio em L.A., sempre gostei deste grande compositor. O lado constrangedor foi um dia que saí do estúdio para buscar meu irmão na rodoviária no Rio e quando voltei para o estúdio a guitarra da música havia sido gravada pelo Liminha. A música era Incapacidade De Amar, parceria do Leoni com Cazuza. Chorei a noite a toda, (risos).
22 – Quais seus planos para o futuro?
JS: Não tenho um plano especifico, mas gostaria muito de trabalhar com uma cantora que pudesse entender minha concepção musical. Adoro a voz feminina, mais encorpada, timbre de veludo.
23 – Jorge, obrigado pelo papo. Deixe uma mensagem para os leitores do nosso site:
JS: nicialmente, gostaria de agradecer a oportunidade e deixar um grande abraço e lembranças para todos os leitores e que nunca deixem a companhia da música em suas vidas, pois é uma benção, seja você um profissional, amador ou apenas um amante da arte! Obrigado Diogo!
Abaixo, uma playlist pra relembrarmos toda a sofisticação e finesse dos fraseados de Jorge Shy em seu trabalho com o Heróis da Resistência.
Ouça seu mais recente disco Crossing Path, mais orientado ao Jazz.