“E o Brasil descobre o death metal”

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E chegou aquele dia da semana que está reservado aqui no nosso espaço para falar sobre os grandes eventos que marcaram a década de 90. Como vocês se recordam semana passada falamos da passagem dos escoceses do Nazareth e sobre a expectativa que todos os amantes da música pesada estavam vivendo as vésperas da segunda edição do festival Rock in Rio, que ia se realizar em janeiro de 1991. E por falar nisso não custa reforçar, que o “…PRA FICAR!!!” vem desde sua primeira publicação seguindo uma sequencia cronológica e que dessa vez por um motivo especial, será interrompida.  Por causa do Rock in Rio 2 comemorar em janeiro próximo 30 anos, nós do HB resolvemos contar tudo sobre esse icônico evento na semana de seu aniversário no início do ano que vem. Vai valer a pena esperar, pois será um “…PRA FICAR!!!” super especial recheado de informações, curiosidades e lembranças.

Com tudo devidamente esclarecido vamos entrar no ano de 1991, com a passagem dos mestres do death metal mundial, o Morbid Angel, aqui na terrinha. Com a produção da Dynamo a princípio foram confirmadas sete datas: 11 de abril em Santos-SP, 12 em Belo Horizonte-MG, 13 e 14 em Sampa, dia 16 no Rio, 19 em Recife-PE e no feriado de 21 de abril em Manaus-AM. Um verdadeiro giro pelo Brasil, que só foi possível graças a coragem da promotora e de co-produtores locais. Mas não pense que tudo foi festa, pois sobraram espinhos pelo caminho conforme vamos ver mais adiante.

O Morbid Angel estava em uma grande fase com o sensacional álbum “Altars of Madness” embaixo do braço e esse trabalho acabava de ter sua versão nacional colocada nas lojas via Rock Brigade Records. O death metal começava a expandir seus tentáculos – inclusive abraçando um pequeno pedaço do seletivo e concorrido mercado norte-americano – e nós tivemos a sorte de receber David Vincent e companhia em um período que a confiança tinha voltado, após uma fase muito complicada economicamente falando. Não que os problemas tivessem acabado, muito longe disso, mas as coisas estavam um pouco melhores que em 1990.

A banda desembarcou em Sampa no dia 11 e já havia mudanças no cronograma inicial, com o show em Santos sendo substituído por uma apresentação em Jundiaí-SP marcada para o dia 20. Manaus ficou de fora também com Brasília pegando a vaga. Uma coletiva que tinha mais fãs do que a imprensa propriamente dita rolou no Dynamo, aquela casa de shows que nós já comentamos em outras vezes, no mesmo dia da chegada do Morbid Angel.

No dia seguinte eles deram uma corrida até BH onde as publicações da época informavam que o público esteve por volta de 1000 headbangers. No fim de semana de 13 e 14, era a vez de Sampa conferir os americanos, com um show sendo no próprio Dynamo e outro no Dama Xoc. Sobre apresentação que eu conferi de perto vou falar daqui a pouco, mas antes vamos relatar algumas coisas sobre os demais shows, que também foram publicadas naquela época.

Após as apresentações aqui em Sampa a trupe rumou para o Rio onde foram relatados problemas, pois o palco do local do show era muito pequeno e mal tinha espaço para os músicos. De lá se dirigiram para o Distrito Federal onde se apresentariam no dia 17. Você não leu errado não, é ‘se apresentariam’ mesmo. O show estava marcado para acontecer em um ‘barzinho’ chamado Casa do Piauí que não oferecia a menor condição técnica para o evento. Claro que os gringos vendo a situação e uma grande chance de levar um calote no cachê – só 50 ingressos tinham sido vendidos – resolveram não tocar. A coisa ficou tão feia que até a policia teve que ser chamada. Duas bandas deveriam abrir o show principal, mas só o P.U.S. tocou, pois o BSB-H também pulou fora. Felizmente no Recife, dia 19, tudo correu bem e em Jundiaí 700 fãs de death metal só tiveram motivos para comemorar no show de despedida do Morbid Angel no dia 20.

Agora vamos falar do show do dia 13 de abril no Dynamo, que era uma casa de eventos muito bacana e não muito grande. Ali você comia um lanche decente por um preço justo, podia comprar uma camiseta ou um LP, e como eu já disse em outras oportunidades, todo santo dia tinha alguma coisa acontecendo lá. Eu lamentei quando aquele espaço fechou as portas, de verdade. Mas como seria ver uma banda extrema em um lugar acanhado como aquele, você deve estar se perguntando, né?  Pois bem, dá para resumir em uma única palavra: Caos.

Quando eu optei por assistir ao Morbid Angel no Dynamo e não no espaçoso Dama Xoc, eu tinha noção no que eu estava me metendo. Sabia que o local iria ficar lotado, que seria uma briga por centímetros na apertada pista e justamente por isso que fui. Com o risco devidamente calculado me dirigi ao local naquela sábado e chegando lá já encontrei um tumulto só. Fila para cá, fila para lá, som alto nos carros parados na rua tocando Morbid Angel é claro. Do lado de fora dava para ouvir o soundcheck e quando rolava algum rife mais conhecido o pessoal começava a berrar e bangear. Comprei meu ingresso na porta e ele se resumia a um carimbo no meu pulso. Difícil guardar um desses em qualquer coleção de entradas.

Quando eu consegui entrar já encontrei as proximidades do palco todas tomadas. As opções que restaram era ficar no fundão (nem pensar, para ficar ali era melhor ter ido no Dama Xoc); ou lateral do palco que estava bem menos concorrida, mas o risco de sair com o ouvido apitando era enorme, pois era bem ao lado das caixas de som e por último uma posição que parecia ser a melhor. Haviam algumas colunas vazadas onde o pessoal da técnica colocava alguns spots e pequenos canhões de luz. Parecia ser uma boa ideia me apoiar em uma delas e ganhar um metro em relação ao povo na minha frente na pista. Como o palco era muito baixo, qualquer coisa tava valendo, mas as tais colunas não eram muitos firmes e eu acabei mesmo indo para a lateral judiar um pouco dos meus ouvidos.

O som estava extremante alto quando “Fall from Grace” começou e não foi muito fácil até identifica-la a principio. Claro que o lugar virou um caos como eu já disse, mas que clima fantástico foi aquele. Todos os presentes gritavam para acompanhar David Vincent em “Immortal Rites” e a energia da banda parecia inesgotável tamanha a massa sonora que era produzida naquele pequeno palco. É óbvio que houve alguns arranca rabos entre bangers e os seguranças e em certa hora Vincent deu uma intimada em inglês mesmo em um dos seguranças mais ‘empolgados’ na realização do seu serviço. O sujeito pode não ter entendido uma única palavra, mas captou o recado. Tenho que destacar também a técnica do Pete Sandoval, muito, mas muito rápido.  

Que eu sai dali completamente surdo eu nem preciso dizer, mas valeu a pena. Hoje eu valorizo muito mais ter assistido a aquele show naquelas condições do que na época propriamente dita. Pense bem, o Morbid Angel estava perto do seu ápice, em minha opinião é claro, com um grande álbum sendo executado em um lugar pequeno e por simplesmente uma line-up matadora contando com Vincent, Azagthoth, Brunelle e Sandoval. Uma comunhão de fatos como esses não acontecem o tempo todo.

Uma coisa bem legal a respeito dessa visita do Morbid Angel é que a produtora Action Work lançou um documentário em VHS sobre o giro da banda pelo nosso país e felizmente ele se encontra disponível no You Tube – o link está no final dessa matéria. Nele podemos ver imagens das coletivas, das viagens e uns tecas dos shows. Esse VHS contou com uma boa divulgação nas páginas da revista Rock Brigade e por falar nela, a edição de maio de 1991 trouxe uma entrevista com David Vincent.

O show derradeiro do giro, o realizado na cidade de Jundiaí-SP, foi capturado pelo ‘método capitão gancho’ e rendeu um K7 que se tornou muito popular naquela época, e tempos depois era possível encontrar aquela gravação sendo comercializada também no formato CD. A qualidade não é das melhores, mas muitos fãs fizeram questão de possuir esse registro em suas coleções particulares.

O ano de 1991 tinha começado com o pé direito graças ao Rock in Rio 2 e seu dia metálico e a visita de uma banda tão promissora quanto era o Morbid Angel, e meio que nos dava a certeza que seria outro ano repleto de grandes atrações internacionais. Mas naquela altura do campeonato, o Brasil já tinha a sua banda camisa 10, que era capaz de fazer frente às estrelas gringas e que, em muito em breve, estaria jogando de igual para igual em qualquer local do planeta. E um conjunto com esse status merece sim ser tratado no mesmo patamar das atrações internacionais. Então dessa forma, semana que vem será a vez de contarmos como foi o icônico show gratuito do Sepultura na frente do Estádio do Pacaembu aqui em Sampa.

Mas só vamos continuar com  esse assunto na próxima semana, pois as lembranças dos shows mais importantes da década de 90 estão no HB “…PRA FICAR!!!

Morbid Angel Brazilian Tour ’91:

São Paulo: 13 e 14 de maio;

Jundiaí: 20 de maio;

Rio de Janeiro: 16 de maio;

Recife: 19 de maio;

Belo Horizante: 12 de maio.

Setlist básico das apresentações:

  1. Fall From Grace
  2. Immortal Rites
  3. Suffocation
  4. Visions Of The Dark Side
  5. Maze Of Torment
  6. Ancient Ones
  7. Blasphemy Of The Unholy Ghost
  8. Abominations
  9. Bleed For The Devil
  10. Chapel Of Ghouls
  11. Damnation
  12. Evil Spells

(Créditos das fotos: Paulo Márcio)