ACEITARÁS TUDO O QUE TEU PAI TE ENSINAR A AMAR, PORQUE ELE VIU O MELHOR ANTES DE VOCÊ”. O Fã Mais Velho

O Fã do Iron Maiden tem um capítulo a parte na história do heavy metal. Apaixonado e dedicado como nunca se viu, é capaz de defender o pior absurdo da banda, enquanto discute com ela. Afinal, só eu posso “falar mal” da minha família, você não. E todo esse amor desmedido vem de um senhor que está comemorando 69 anos hoje, 12 de março: Steve Harris.

Nascido Stephen Percy Harris, nesta data, em 1956, em Leytonstone, sub-distrito de Londres, passou por muitas histórias até chegar a cogitar o Iron Maiden: jogador de futebol juvenil no Manchester United, varredor de rua, ajudante de almoxarifado numa fábrica (a região onde ele nasceu é repleta delas), até chegar a ser músico 

 

O PERÍODO JURÁSSICO 

Steve Harris com o Smiler em 1974 – Reprodução Internet

Arry, como é conhecido pelos amigos (e companheiros de banda), é formado em arquitetura, mas nunca chegou a exercer a função. Seu primeiro instrumento foi bateria, mas por não ter um lugar adequado para seus treinos e ensaios, abandonou-a e adotou o baixo, assim permaneceria comandando o ritmo.

É muito difícil reconhecer “O Chefe” antes do Iron Maiden, já que a banda existe desde o natal de 1975, mas, compositor nato, existem muitos “pitacos” dele por aí, na história da música, entre eles Gypsy’s Kiss e, em seguida, Smiler

Desse tempo de pré – Donzela temos Burning Ambition (que foi lançado como Lado B do single Running Free, de 1980), primeira composição do menino Harris, datada de meados de 1972 e Innocent Exile, de 1974. Aliás, uma das (intermináveis) discussões entre Steve e o Smiler foi, justamente, a banda não acreditar em Burning Ambition. Disseram “não ser um som digno de ser gravado”. Agora, imagina você dizer isso na cara do autor… e imagina esse autor ser Steve Harris… e imagina o Smiler vendo onde o Iron Maiden chegou. 

Mas lembra que eu disse lá no começo, que o fã aceita o que pai mandar para ele? É simplesmente porque Steve Harris se empolga e tem tanto orgulho do que faz, que a gente entra na onda! Ele tem orgulho de Phantom of the Opera, Rime of the Ancient Mariner, Seventh Son of a Seventh Son e The Red and the Black, igualmente. Como é que o fã se comportaria diferente? Óbvio que temos nossas favoritas, mas se é para curtir um lançamento, Senjutsu será aplaudido de pé, assim como The Number of the Beast e Piece of Mind foram! 

 

OS PRIMEIROS PASSOS

Decidido a não ter mais que submeter suas ideias e, muitas vezes, se frustrar com a negativa, nasce o Iron Maiden que, segundo seu criador disse à Rolling Stone de 2019, “Todo mundo sabe que o nome [da banda] veio de um instrumento de tortura citado no clássico O Homem da Máscara de Ferro [do romancista francês Alexandre Dumas]” ainda na mesma entrevista “[a escolha do nome teve a ver com o fato de que aquela] era mais ou menos a atitude que a gente tinha na época. Estávamos dando a cara a tapa e, basicamente, íamos com tudo. É claro que éramos jovens, ambiciosos e cheios de adrenalina. O que a gente queria era ir lá e tocar músicas rápidas e pesadas, mas com muita melodia. Não tinha ninguém fazendo o que a gente fazia. Fomos muito influenciados por nomes como o Wishbone Ash, com suas guitarras muito melódicas, mas a gente botava fogo naquilo”. E com esse mote todo na cabeça, Steve começa a escrever como nunca antes, tanto que, para o primeiro álbum, o debut homônimo de 1980, Iron Maiden, ao contratar o guitarrista Dennis Stratton, deixou claro que, por hora, não precisaria de mais composições. Fato confirmado pelo próprio guitarrista, durante sua turnê pelo Brasil em 2023

 

UM ÉPICO PARA CADA HISTÓRIA 

Compositor de, simplesmente, quase todos os épicos da Donzela (Empire of the Clouds é a única epopéia nascida da cabeça imparável de Bruce Dickinson), Steve Harris pode não ser sucinto, mas é um ótimo contador de histórias.  

Phantom of the Opera: conta a história clássica de terror de Gaston Leroux, onde um gênio da música, deformado por conta de um incêndio assombra o teatro Ópera de Paris e mata cada um que se atreve a cruzar seu caminho. São os 7 minutos assombrosos do primeiro disco. Perseguição, morte e galopadas insanas determinam o andamento, mas confesso que sua introdução dá um gelo na espinha. Steve conta que sua “intenção foi contar uma história clássica, com ares de terror dos anos 1970 misturando o instrumental de trilha sonora de cinema”. 

Killers: traz à tona o assassino que anseia pela caçada. A morte de sua vítima é apenas o desfecho ideal. Em 1981 (ano de lançamento do segundo álbum da Donzela, Killers) os slashers estavam dando às caras nas telas e, como bom cinéfilo, Harris se sentiu inspirado. Mas como ama um clássico, outra inspiração para a descrição da caçada nessa música e em Murders in the Rue Morgue, foi o livro homônimo de Edgard Allan Poe.

O dono da metralhadora de quatro cordas já mencionou que tudo pode ser uma inspiração, por isso tem o hábito de anotar seus sonhos (e pesadelos) quando acorda no meio da noite. E ainda fez piada quando, lá em 1986, Bruce Dickinson disse que Arry só compunha com base no que sonhava.

Hallowed Be Thy Name: como contar a dor da última refeição? E a dor do último suspiro? O prisioneiro em seu último dia de vida, caminhando pelos corredores da masmorra, vendo sua forca ao fim da paisagem. O quanto foi longo esse caminho? Steve Harris teve a ideia de acordo com uma música do Beckett, e, durante uma audição no estúdio, Harris perguntou se podia usar numa composição sua. Por conta da proximidade dos artistas (além de ambos serem agenciados por Rod Smallwood), Beckett aceitou. Depois de anos, em 2015, o Iron Maiden é acusado de plágio, por conta de Hallowed Be Thy Name e, um acordo foi feito em segredo de justiça, mas a música ficou fora do setlist da The Book of Souls World Tour.

Uma curiosidade, é que todas as vezes em que os fãs e as revistas se uniram para debater e listar as melhores músicas do Iron Maiden, Hallowed Be Thy Name venceu. Steve Harris diz “não saber escolher, que adora todas as suas composições por igual, mas que se sente muito orgulhoso” de uma história que foi praticamente toda criada por ele (já que o tema é genérico e não foi baseado num livro) ser tão considerada por todos.

To Tame a Land: a classica história de Duna conta as batalhas imperiais de uma terra distante. Steve Harris entrou em contato com Frank Herbert, autor da história, pedindo permissão para usar a história e o nome Duna na música, deixando claro a inspiração. Frank negou descaradamente. O Chefe conta: “ele negou na minha cara, dizendo que não autorizaria porque não gostava de heavy metal, e com certeza estrgaríamos a história dele”. Resultado: Steve deu uma banana para o autor, que deixou de ser homenageado com uma dedicatória a ele no encarte de Piece of Mind, de 1983.

Rime of the Ancient Mariner: então você está no meio do oceano gélido, num barco de pesca, e durante a fria e nebulosa noite, um albatroz é morto pela tripulação. Começa aí a narração do poema inglês mais famoso da história do heavy metal. Samuel Taylor Coleridge não tinha ideia de que 186 anos depois, em 3 de setembro de 1984, Steve Harris lançaria essa maravilha em Powerslave. O baixista relata que sempre gostou desse poema, desde a época da escola, e que sempre imaginou contar essa história a seu modo, a princípio, em ilustrações. Como sempre gostou de desenhar, o Chefe tem alguns esboços em seu caderno de rascunhos. Mais tarde, já em 2008, Bruce Dickinson declarou ser essa, a música mais aguardada da turnê Somewhere Back in Time, pelo menos por ele.

Alexander The Great; Seventh Son of a Seventh Son; a controversa Mother Russia; Fear of the Dark, que é tão popular que acabou perdendo seu status de epopéia; Sign of the Cross; The Clansman… e tantas outras que merecem capítulos individuais, foram eternizadas por seus versos e galopadas. 

 

O FILHO PREFERIDO

Durante o Monsters of Rock, 1988, Donington Park. Reprodução internet.

Quando você cria um universo de possibilidades, chega a ser quase impossível definir algo favorito. E a história se repete com Steve Harris. Ele criou o que conhecemos com o Iron Maiden. Criou “tudo aquilo que o sol toca”, inclusive os lugares mais escuros. Mas foi em Seventh Son of a Seventh Son, que o baixista se encontrou. Ele mesmo disse em entrevista à Kerrang de 2012 que graças à sua insistência que a turnê Maiden England (7th Tour of a 7th Tour) foi revisitada

Embora o disco tenha saído um pouco distante da ideia original, Harris se manteve satisfeito. Falou sobre o lado oculto das pessoas e do caráter, que é um tema que ele gosta de desenvolver; a lenda do sétimo filho, de um sétimo filho, que é tratada em diversas culturas (aqui no Brasil é uma das combinações possíveis para se nascer lobisomem), no caso da Inglaterra, essa criança nasceria com dons clarividentes incontestáveis, sendo disputada por anjos e demônios.

Esse disco é o berço de The Clairvoyant, música dona da introdução de baixo mais famosa da carreira da Donzela, onde podemos ver Arry ao centro do palco, com o foco unicamente nele, hipnotizando todos seus filhos fiéis com o transe de suas cordas. Assistir a essa apresentação ao vivo, é algo indescritível.

 

E O TROVÃO ENSURDECEDOR NASCE NA TERRA DA RAINHA

Foto por: One Photography Media

British Lion surgiu em 2012 e pegou todo mundo de surpresa, afinal, como que a principal linha criativa do Iron Maiden faria algo diferente? Ou melhor, por que precisaria? 

Por compor demais, nem sempre suas músicas cabem dentro da “fórmula Iron Maiden”, o próprio Steve Harris menciona isso à Classic Rock de 2020 (durante o lançamento de The Burning, segundo álbum da banda). Esse é o motivo principal para o nascimento de seu projeto paralelo – já que Harris não gosta de chamá-lo de solo, porque ele não assume tudo e gosta que todos os membros da banda participem das composições. O outro é o fato da Donzela pegar mais leve com turnês hoje em dia. 

Steve não reclama da quantidade de trabalho com o Iron Maiden, até porque é totalmente diferente com British Lion. Ainda para a Classic Rock de 2020, Harris relata: “é muito semelhante ao Maiden quando começamos. Você tem alguns covers em seu set aqui ou ali, e assim que consegue uma nova música, você joga fora o cover”. Com a banda principal, ele não tem mais como trabalhar dessa forma, fora que o tipo de show é bem diferente também. 

Em dezembro de 2024, eu fiz uma resenha sobre o show dos Lions aqui em São Paulo e vocês podem ter uma noção boa de como foi e qual é o tipo de show que eles fazem. VEJA A RESENHA AQUI.

 

HISTÓRIAS TIRADAS DE UMA ALMA INQUIETA

Reprodução internet

Steve não escreve apenas sobre seus sonhos, ou livros e filmes que gosta, mas também sobre suas dores. Foi assim com Fear of the Dark, clássico de 1992. A música homônima guarda duas interpretações: o escuro como ausência de luz e o escuro como vazio na alma, ou tristeza. Durante a composição desse álbum, o Patrão estava passando por um período conturbado em sua vida, seu divórcio com Lorraine Harris (hoje Lorraine Jury), mãe de seus quatro primeiros filhos: Lauren, Faye, George e Kerry

Então, quando ouvimos “eu sou um homem que caminha sozinho”, ele realmente fala da solidão que sente com a dissolução de sua família

Blood Brothers, presente em Brave New World, de 2000, tem trechos que datam da era Blaze Bayley ainda. Mas, segundo Steveela não fazia sentido durante aquele período, e eu também não sentia que ela estava pronta”. Blaze refuta, dizendo que também tem parte na paternidade da música, mas o baixista nunca se manifestou sobre, ainda mais depois de dizer que ela foi terminada (ou até modificada). Blood Brothers tem versos que foram adicionados após o falecimento do pai de Steve, em meados de 1999

“Just for a second a glimpse of my father I see

And in a movement he beckons to me

And in a moment the memories are all that remain

And all the wounds are reopening again”

 Fala sobre o reflexo do pai que ele vê no espelho do rio, se referindo à memória do que foi vivido e de todos os aprendizados. À época de seu luto, Arry mencionou ter perdido seu melhor amigo e companheiro de estádio. E que nunca esqueceria todos os momentos e todos os brindes. 

 

O PATRÃO E SEU LEGADO

Perto de completar 50 anos de vida, o Iron Maiden, sob o comando de Steve Harris, não pensou em tirar o pé do acelerador, pelo menos não 100%. Muito material será lançado durante o ano, assim como o livro “Infinite Dreams – A História Visual Oficial do Iron Maiden”, que aqui no Brasil será lançado pela editora Belas Letras. Ele promete fotos de material inédito (garantido pelo próprio baixista) e grandes lembranças de toda a trajetória da banda, e, consequentemente de Steve Harris

Momento jabá: o livro está com o lançamento previsto para o segundo semestre e, comprando com o meu código AMANDABASSO você ganha 5% off. Mas se você não tiver paciência para esperar tanto, o incrível “Iron Maiden Álbum Por Álbumainda está em catálogo, por tempo limitado. Eu não esperaria tanto, blood brother!

Voltando ao legado de Steve Harris, seja com o Iron Maiden, com o British Lion, jams no Motoclube de Faro (Portugal), ou ainda durante as partidas do Iron Maiden Football Club, podemos absorver paixão, disciplina, diversão e muito “jogo honesto”!

Steve é uma estrela, um ídolo, mas é humilde. Transita pelo panteão sagrado dos deuses da música, mas bebe com a equipe. Jogou tênis com Peter Gabriel, mas não se apresentou, por medo de gaguejar e chorar pela emoção de ser fã. É tímido, é apaixonado pelo que faz, já confessou não querer parar para se aposentar, é dedicado à sua família (que agora conta com Stanley e Maise e sua esposa Emma Harris, além dos membros já citados), mesmo com uma agenda apertada. Steve Harris é mais humano que deus, embora os fãs não percebam. Eu nunca consegui perceber

Ao ver o Patrão tão de perto, conseguindo contar as rugas dos olhos, consegui notar há quanto tempo minha história existe, e como é bom viver e ser contemporânea de uma pessoa incrível e de uma banda lendária.

Longa vida a Steve Harris, ao Chefe, ao Pai, ao Criador da melhor banda de heavy metal de todos os tempos, a donzela mais temida e amada de todos os tempos… E do trovão mais barulhento que o mundo já viu! 

Texto por: Amanda Basso 

Foto de capa: Chris Walter para Metal Edge Magazine – 1987