Antes de começar a falar sobre o show, preciso confessar que não era a minha primeira apresentação do Judas Priest, mas certamente foi a primeira em que realmente prestei muita atenção. No longínquo ano de 2010, fui ver a banda, mas apenas por causa do grupo de abertura (Whitesnake), e em 2023 assisti pelo telão no Knotfest, já que os dois palcos estavam bastante distantes. Essa foi a primeira vez que estive, de fato, por causa do Priest.
TS & Friends – Uma grata surpresa
Quem chegou cedo ao Vibra pôde acompanhar uma baita banda abrindo os trabalhos do dia. O Torture Squad, grupo de thrash metal paulista formado por Mayara Puertas (vocal), Castor (baixo), Rene Simionato (violão) e Amílcar Christófaro (bateria), foi convidado pela Jack Daniels (que possui um bar na parte externa da casa) para um show acústico que animasse quem aguardava a abertura dos portões. Com convidados do calibre de Nando Machado e Marcelo Pompeu, o quarteto desfilou clássicos por quase duas horas. De Kiss a Slayer, passando por Quiet Riot, Queen e Iron Maiden, fica a dica para você, nobre leitor: o projeto TS & Friends costuma se reunir com certa frequência, então trate de seguir a banda e seus integrantes para não perder a próxima!
A entrada na casa foi relativamente tranquila. Tirando os fãs que estavam desde o começo da tarde esperando para garantir um lugar na grade, não se viam filas nas duas entradas distintas da casa, ambas com funcionários bem preparados e atenciosos. O ponto negativo, mais uma vez, ficou por conta das tendas de merchandising oficial. Entendo que o lucro seja necessário, e talvez pareça que estou dizendo como as pessoas devem gastar seu dinheiro, mas não dá para normalizar uma camiseta custar R$ 200 e uma blusa R$ 500. A ausência de um souvenir mais acessível, como os famosos copos que há tempos caíram nas graças dos brasileiros, também chamou a atenção.
Queensrÿche – Sem Geoff? Sem hit? Sem problema!
A última passagem do Queensrÿche pelo Brasil, em 2012, foi o ápice da crise da formação original com o vocalista Geoff Tate. Relatos graves de agressão, troca de farpas, processos judiciais, bandas com o nome duplicado (inclusive com Geoff retornando ao Brasil com o “novo” Queensrÿche em 2013). Tudo isso superado, ficou a expectativa para ver a estreia de Todd La Torre, que há mais de dez anos é a voz à frente da banda americana.
Com cinco minutos de antecedência em relação ao horário previsto, “Mob Rules” (Black Sabbath) começou a ecoar pelo Vibra, e os fãs já sabiam que o espetáculo estava prestes a começar. Todd, Michael Wilton e Mike Stone (guitarras), Eddie Jackson (baixo) e Casey Grillo (bateria) chegaram com tudo. Um “Are you fuckin’ ready, São Paulo?” e a pesada “Queen of the Reich” deu início ao show. A banda aparentava muita alegria em tocar novamente no Brasil. Tendo se apresentado no dia anterior no Monsters of Rock, parecia ainda mais confortável no Vibra. Em um ambiente fechado e mais íntimo, os detalhes da performance puderam ser melhor apreciados.
Todd destacou que a banda não se apresentava no Brasil há 12 anos e prometeu uma noite de muita diversão. Com um setlist repleto de músicas do maior álbum da banda, Operation: Mindcrime (1988), o que se viu foi um show extremamente pesado, técnico e visceral. No mundo conectado de hoje, o repertório — que tem se repetido ao longo da turnê — não foi surpresa, mas chama atenção a ausência de superhits como “Silent Lucidity” e “Jet City Woman”, ambas do álbum Empire, que não teve nenhuma outra faixa executada além da que dá nome ao disco de 1990. Apesar disso, a qualidade do espetáculo em nada foi comprometida. Após encerrar com a icônica “Eyes of a Stranger”, a banda deixou o palco com a certeza de ter sido muito mais do que um aquecimento para a atração principal da noite.
Queensryche
Todd La Torre – Vocais
Michael Wilton – Guitarra, Voz
Mike Stone – Guitarra
Eddie Jackson – Baixo, voz
Casey Grillo – Bateria
Judas Priest – Deuses não envelhecem
Quando o palco começou a ser preparado para a principal atração, era visível um mar de ansiedade. Crianças entre 10 e 90 anos aguardavam ansiosamente pela tradicional banda de heavy metal. Com cinco minutos de antecedência, um trecho de “War Pigs”, cantado em uníssono pelo público, anunciou o início de algo apoteótico.
Quando os primeiros acordes de “Panic Attack” soaram, a casa foi ao delírio. Richie Faulkner e Andy Sneap (guitarras), Scott Travis (bateria) e Ian Hill (baixo) iniciaram a festa alguns segundos antes da entrada triunfal dele: o “Metal God”, Rob Halford. Com um sobretudo brilhante e óculos escuros, Rob surgiu com seus agudos impressionantes e mostrou que aquela noite, que já era ótima, estava prestes a se tornar histórica.
A enorme barba branca entrega a idade, mas no auge dos seus 73 anos é como se o tempo simplesmente não passasse quando ele está no palco. Após a excelente música de abertura — presente no mais recente álbum Invincible Shield (2024) — uma sequência de clássicos fez a casa tremer: “You’ve Got Another Thing Comin’”, “Rapid Fire”, “Breaking the Law” e “Riding on the Wind”. Aqui se percebe que dois dos maiores hinos da banda foram executados quase como abertura, uma estratégia arriscada para qualquer banda, menos para o Priest.
O grupo, com sua extensa discografia, percorreu nada menos que 10 álbuns no setlist, além de um cover. A maioria das faixas foi cantada a plenos pulmões por uma plateia que, embora não estivesse completamente lotada, compareceu em peso.
O show prosseguiu com a divertidíssima “Love Bites”, enquanto o telão exibia imagens do clássico do terror Nosferatu (1922), seguida de “Devil’s Child”, também muito bem recebida. Em relação ao set apresentado no Monsters of Rock na noite anterior, tivemos o acréscimo da excelente “Saints in Hell”, do álbum Stained Class (1978). “Crown of Horns” e “Sinner” mantiveram o ritmo acelerado do show. Hora de dançar com a mais leve e radiofônica “Turbo Lover”, que levou a casa à loucura.
Após mais um clássico, Rob ficou sozinho no palco e, sentado num dos amplificadores, agradeceu emocionado a todos os presentes pela fé no heavy metal. Falou também dos 50 anos da banda, citando nominalmente cada álbum lançado — todos ovacionados pelo público. Ao mencionar o último, a banda retornou ao palco com força total para tocar “Invincible Shield”, já nascida clássica. Nesta faixa, o maravilhoso logo do grupo, suspenso no teto do palco, se movimentou e virou o “frontman” por alguns segundos.
“Victim of Changes” veio em seguida, com uma singela homenagem a Glenn Tipton, impossibilitado de excursionar com a banda devido ao Parkinson. O cover de “The Green Manalishi (With the Two Prong Crown)”, da Fleetwood Mac, foi o momento de maior respiro do público, que curtiu a faixa de maneira mais contida, já aguardando o que viria a seguir.
Quando o baterista Scott Travis ajustou o microfone para interagir, o alvoroço já era evidente. Após lamentar que aquele era o último show da turnê no Brasil, perguntou o que queríamos ouvir. Foi assim que “Painkiller” ecoou dos pulmões de cada presente quase em desespero. Ao começar uma das introduções de bateria mais famosas de todos os tempos, o que impressionava era o sorriso de Scott, que parecia executar com facilidade aquele som que mais parecia uma metralhadora. A banda inteira entrou com força, e Rob cantou de maneira absolutamente impecável a música mais exigente de seu repertório. Parece redundante, mas é necessário repetir: o vocalista de 73 anos não deixou a peteca cair em nenhum momento. Assim se encerrou a primeira parte do show.
Após uma breve pausa, “Electric Eye” foi executada para o delírio geral, com uma performance impecável dos guitarristas Richie Faulkner e Andy Sneap. Mais um clássico para a conta.
Chegou então o momento mais aguardado. Quando o barulho de moto surgiu nos PA’s, um mar de celulares se ergueu para registrar o atemporal momento em que Rob Halford entra no palco com seu cavalo de aço — uma lendária Harley-Davidson — obviamente trajado com seu tradicional visual: roupa de couro, cap e óculos escuros. Sentado na moto, cantou com a maestria de sempre “Hell Bent for Leather”. Emocionante vê-lo com o mesmo figurino que o consagrou em Killing Machine (1978) e no ao vivo Unleashed in the East (1979).
Praticamente emendada ao final de “Hell Bent”, a magnífica “Living After Midnight” foi a escolha perfeita para encerrar o show. Um refrão de arena em uma música alegre, uma ode à celebração do rock n’ roll e da liberdade. O clima era de festa nas interações finais com a banda, que repetiu o refrão algumas vezes junto ao público.
Após uma hora e quarenta e cinco minutos de uma verdadeira AULA de heavy metal, a banda se despediu com uma promessa no telão: THE PRIEST WILL BE BACK!
Ainda houve tempo para um carismático e bem-humorado Rob Halford colocar um arquinho de coelho e divertir os presentes na noite de Páscoa.
Usando uma analogia com a data: se você acredita no conceito religioso, Rob renasceu em São Paulo como o Deus do Metal que é. Se é mais adepto ao aspecto comercial da celebração, dá para dizer que o show do Judas Priest foi aquele chocolate primoroso que poucos sabem fazer.
Agradecimentos à Mercury pelo credenciamento e ao Vibra pela excelente estrutura.
Judas Priest
Rob Halford – Vocal
Ian Hill – Baixo
Glenn Tipton – Guitarra
Scott Travis – Bateria
Richie Faulkner – Guitarra
TEXTO POR GABRIEL FURLANETO
FOTOS POR RICARDO MATSUKAWA – MERCURY CONCERTS