Durante muito tempo nos fizeram acreditar que tínhamos nascido para sermos apenas um troféu colocado na sua estante, ou pior, uma caixa de coisas velhas jogada em cima do armário. Mas não é bem por aí. Gostamos de atuar, e fazemos isso muito bem!
Saímos da sua gavetinha de inspiração e passamos para ação. Claro que vocês podem continuar dedicando verso, prosa, estrofe e melodia a todas nós, afinal, somos obras especiais. Mas entendam: chegamos pra ficar!
Se Tony Iommi, do Black Sabbath, é o pai do que conhecemos como heavy metal, Jinx Dawson, do Coven, com certeza é a mãe. Em 1969 os americanos de Chicago começam a fazer pequenos shows com versões de algumas músicas dos Rolling Stones e Cream, mesclando com seu som ácido e pesado, totalmente autoral.
Jinx subia no palco como aquelas bruxas de antigos clássicos da Hammer Studios. Dawson se encaixaria facilmente em uma das vampiras de Karnstein, junto com Carmilla. Aliás, seria épico!

E você gosta de fazer chifrinhos em shows e fotos? “The Witch” (como era conhecida) começou com essa tradição. Não, banger, não foi Dio, embora a história dele sobre o gesto para afastar maus espíritos seja totalmente real, ele não encabeçou essa tradição.
Jinx Dawson foi só uma das bandeirantes que abriram a estrada para todas nós fãs, adeptas, cantoras, guitarristas, baixistas, bateristas… seguidoras do estilo. E depois que a cena foi consolidada, estivemos sempre presente. Não só como motivações, mas compositoras e membros de banda.

O Heavy Metal tem uma presença feminina forte e marcante, mesmo em um cenário dominado majoritariamente por homens. Seja nos vocais rasgados, na guitarra afiada ou na presença de palco avassaladora, algumas mulheres conseguiram quebrar barreiras e deixar sua marca na história do metal.
Depois de falar da mãe, como não mencionar “The Queen”? Claro que estou falando de Doro Pesch, a alemã que foi voz e cara do Warlock na década de 1980 e vem trilhando seu caminho até hoje com sua carreira solo. Com milhões de discos vendidos no mundo todo e diversos discos de ouro, a metal queen continua com seus shows lotados, inclusive vem para o Brasil para o aquecimento do Bangers Open Air, mostrando a força de clássicos como All We Are, além de suas composições mais atuais, como Strong And Proud.
Com sua guitarra afiada e hits como Kiss Me Deadly, Lita Ford mostrou que mulheres podem tocar e comandar o palco com a mesma intensidade que qualquer homem. Lita se mostrou uma força da natureza, quando saiu de sua antiga banda, a Runaways (berço também do ícone Joan Jett). Mostrou-se sensual, sarcástica, romântica… tudo de uma vez. Basta ouvir seu debut de 1983, Out For Blood, embora seu auge esteja em Lita, seu lançamento de 1988, casa da já mencionada Kiss Meu Deadly (que tem um refrão que gruda no cérebro eternamente) e sua parceria com Ozzy Osbourne, a balada Close My Eyes Forever.
E Hollywood já disse que para cada loira de sucesso, existe uma morena genial, e com o fenômeno The Runaways não seria diferente. Afinal, como não falar do espírito e da rebeldia de Joan Larkin, mais conhecida como Joan Jett? Essa multi-instrumentista de Oklahoma mostrou o que queria desde seu primeiro sucesso, Cherry Bomb, de 1976: tocar sua guitarra de forma ácida, distorcida e muito precisa. Assim como nós, já declarou seu amor pelo movimento em 1981, junto com o Blackhearts, lançando o hino I Love Rock N’ Roll. Daí para frente foi um caminhão de sucessos, como Bad Reputation (que foi regravada e relançada depois do sucesso de I Love RNR), I Hate Myself For Lovin’ You, o cover Crimson And Clover… Joan estourou a bolha e hoje é ídolo de fãs de Miley Cyrus, Demi Lovato e Lady Gaga.
Dentro do sucesso que foi o Glam Hard dos anos 80, muitas mulheres deixaram sua marca na história, e algumas sobem ao palco até hoje. É o caso das meninas do Vixen, uma banda 100% feminina, capitaneada (hoje em dia) pela baterista Roxy Petrucci, que é o membro mais antigo da formação. Atualmente elas fazem shows ao redor do mundo, e também em cruzeiros temáticos. A baixista brasileira Júlia Lage também faz parte do time, além de tocar na banda do projeto Smith-Kotzen.
Phantom Blue, outra banda girl power da mesma época, fez pouco sucesso, embora tivesse qualidade. Why Call It Love, de 1989 chegou a fazer barulho, mas nada de especial. Aliás, para os fãs de Iron Maiden, essa é a banda da baterista Linda McDonald, líder das meninas do Iron Maidens, primeiro tributo feminino à Donzela.
Courtney Cox, ex-guitarrista das Donzelas, hoje toca power metal com o as suíças do Burning Witches, que também estarão no Brasil para o Bangers Open Air!
E como vocês podem reparar, depois que se coloca um filho no mundo, ele decide seu próprio caminho, afinal, ninguém define quantos galhos uma árvore pode ter, nem para qual lado eles crescerão. Assim é com a vida e assim foi com o rock. Depois de tantas experiências, surgem aqueles fãs de Beethoven, Mozart e Chopin e começam a fazer music clássica com guitarras pesadas e de repente aparece uma “prima donna”, cantando ópera, e aquilo é lindo.
Nightwish é o lar das mais famosas cantoras do estilo: a assombrosa Tarja Turunen, com agudos infinitos e uma presença de palco sem igual; Anette Olzon, que mostrou que o vocal poderia ser mais simples, beirando o pop; e a gigante (literalmente) Floor Jansen (que também atuou no After Forever, Northward e Revamp), que trouxe mais peso e um lírico moderado, dando uma nova roupagem ao monólito do metal sinfônico.
Mas ninguém sabe se transformar mais que a camaleoa Sharon Den Adel, com o Within Temptation. Quem conhece Ice Queen sabe do que eu estou falando. Uma música lírica, com o “peso” de um anjo, que hoje realmente traz mais consciência e política. Sharon cuida de seus fãs, tal qual uma mãe cuida de seus filhos. Prova disso foi a pausa que deu no show de 2024, no extinto Summer Breeze Brasil, para que uma menina fosse atendida pelos paramédicos, aliás, Sharon parou o show para poder avisar que a fã estava passando mal. E, para que o tempo de show fosse cumprido, uma música do set foi tirada: Ice Queen. Quando eu mencionei o poder de transformação dessa holandesa, é por conta de seus inúmeros estilos aplicados na banda. Ela começa como um metal sinfônico tradicional, soturno, quase gótico, hoje, com Rockoning, é quase um heavy metal tradicional. E o disco de covers? Uma brincadeira que a banda fazia durante os ensaios, que virou álbum: The Q Music Sessions, de 2013.
E se estamos falando desta seara, óbvio que a “Metal Princess” não pode ficar de fora. A ruiva mais amada do mundo, Simone Simons. Uma técnica vocal incrível, combinada com uma presença de palco magnética. Ela hipnotiza e não porque é linda, mas porque ela faz o show curtindo ele, é como se fosse um festa e não um trabalho. Difícil explicar. E o que ele faz com Skeleton Key é brincadeira. E Cry For The Moon? Inesquecível. E Simone soube ser assunto mesmo durante a pandemia da COVID-19, fazendo tutoriais de maquiagem nos stories do Instagram.
Ainda nesta área, a norueguesa Liv Kristine, voz do sensacional Theatre of Tragedy e Leave’s Eyes. Geralmente, quando se vê uma lista de vocalistas femininas, ela dificilmente é lembrada, talvez porque os trabalhos mais relevantes de sua carreira estejam ali, no final da década de 90 (exceto sua participação em Nymphetamine Fix, do Cradle Of Filth, de 2005) muito distante do que se tem hoje. O próprio Theatre of Tragedy já encerrou suas atividades há alguns anos. Mas, para nossa sorte essa deusa não parou de cantar e, embora seja atuante na internet, seu modo de vida é bem low profile. Há menos de duas semana lançou uma música “Amor Vincit Omnia” (O Amor Vence Tudo, em latim).
Mais obscuro que Theater of Tragedy, só Tristania. Os também noruegueses já encerraram as atividades, infelizmente. Duas das melhores vocalistas do estilo passaram por essa banda: Vibeke Stene (que se pronuncia Vibêka Stína) e Mariangela Dermutas. A banda veio ao Brasil duas vezes: em 2002 e 2005. Uma turnê extensa tinha sido agendada em 2022, com passagem por São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, mas foi cancelada, com o anúncio de encerramento da banda, após 26 anos de carreira. Vibeke parou cedo com os shows, porque não se adequou ao estilo de vida. Ela simplesmente largou a banda porque sonhava em lecionar piano. Enquanto ainda estava no Tristania, fez uma pequena participação no álbum “Journey To The End Of The Night”, da banda de metal progressivo Green Carnation.
Saindo dessa sinfonia melodramática e caindo no colo dos Draculas e Vampirellas que existem pelo mundo, Anne Nurmi a finlandesa do Lacrimosa. O duo diferentão dessa lista, têm músicas que expressam dores de amor, como Halt Mich, ou a sensualidade que beira o erotismo em Alleine Zu Zweit, até a objetificação do corpo em Copycat. Casada com Tilo Wolf, o poeta/escritor/compositor e cérebro por trás da banda, Anne faz backing vocals, teclado e harmonia das músicas, além de ser sempre uma das estrelas dos clipes. E é ela mesma quem faz seus adereços de cabeça. Essa mulher é puro talento! E, para quem quiser conferir esse casal fofo no palco, eles estarão no segundo dia de Bangers Open Air.
Ciao Italia! De lá vem a nossa “sorella” Cristina Scabbia, do Lacuna Coil. Uma gigante de menos de 1,60m, com um carisma que abraça o mundo. Na estrada desde 1994, Tina (para os íntimos) viu a cena nascer, crescer e mudar completamente. Tudo isso com vários sucessos nas mangas. Destaque para: “These Scars Don’t Define Us” (originalmente gravada com Machine Head e Unearth), “The Siege” e o cover do Depeche Mode, “Enjoy the Silence”. E, se você não quiser perder esse setlist que promete ser apocalíptico, Cristina e sua turma, vem para São Paulo em show único, no Carioca Club, no dia 15 de Março. Últimos ingressos!
E a brutalidade onde fica? Você acha que mulher é sempre princesa e fofa? Com vocês, Angela Gossow e a confirmação de que mulher faz gutural muito bem, obrigada!
Angela abriu a porta da bestialidade e fez do melodic death, uma nova casa para todas nós. E assim conhecemos Alissa White-Gluz, que assumiu o Arch Enemy, depois que Angela se aposentou dos palcos; Stefanie Stuber (que cantou Ghost Walking, do Lamb Of God na TV alemã), vocalista do Mission Black e do Voodoo Kiss; aqui no Brasil: May Puertas, com o Torture Squad; Fernanda Lira, do Crypta; Prika Amaral, do Nervosa; Angel Sberse… Apenas mulheres incrivelmente competentes.
A história das mulheres no hard & heavy aqui no Brasil, vai longe. Temos que agradecer a muita gente, Syang com o P.U.S (Porrada Ultra Suicida); as meninas do Volkana; do Ozone; e uma das precursoras, com os primeiros passos (quase engatinhando) lá em 1983, Vittoria do Carmo e o death de Belo Horizonte, do Placenta. Essas cortaram mato, chutaram e apanharam por nós. Uma pena que ainda tenhamos que apanhar, mas, como dizem os alcoólicos anônimos: “um dia de cada vez”.
Aos poucos nós vamos escrevendo a nossa história com o sangue e o suor do nosso corpo e trabalho árduo. Uma história com méritos e acontecimentos incríveis, mas que não caberiam em nenhum livro de contos de fadas.
Não somos princesas, não apenas. Somos as princesas, as bruxas, as rainhas, as salvadoras, as causadoras dos problemas, as gênias, as guerreiras, as sonhadoras, as românticas… Somos quem quisermos ser!
Créditos das fotos:
1. Jinx Dawson: Fonte: Instagram @jinxdawsonofcoven
2. Doro Pesch: Shannon Wilki
3. Lita Ford: Wikipedia
4. Joan Jett: Wikipedia
5. Banda Vixen: blabbermouth.net
6. Phantom Blue: theaudiodb.com
7. Burning Witches: Swisscommunity.org
8. Tarja Turunen: Wikipedia
9. Anette Olzon: darkdivas.com
10. Floor Jansen: ladybyboners ( Instagram)
11. Sharon den Adel: Metal-ways
12. Simone Simons: Wikipedia
13. Liv Kristine: matalimperium.com
14. Vibeke Stene: galerieuludagsozluk.vom
15. Mariangela Dermutas: spirit-of-metal.com
16. Anne Nurmi: discos.com
17. Cristina Scabbia: darkdivas.vom
18. Angela Gossow: shieldmaidensofmetal.net
19. Alissa White-Gluz: shieldmaidensofmetal.net
20. Stefanie Stuber: Facebook/ queensofmetal
21. May Puertas: abramus.org.br
22. Fernanda Lira: wiki metal.vom.br
23. Prika Amaral: revistafreak.com
24. Angel Sberse: metal-archives.com
25. Syang: Wikipedia
26. Volkana: last.fm
27. Ozone: whiplash.net
28. Vittoria do Carmo: rock dissidente.blogspot.net
“Rebel, rebel
Holy outlaw
Ride together, don’t try it
The power’s in one”
I, Black Sabbath.
Texto por: Amanda Basso e Cintia Coutinho