Após uma estréia promissora com seu auto intitulado disco, o Rush, decidido a evitar comparações com medalhões da época como o Led Zeppelin, colocou o pé no acelerador e lançou Fly By Night, um disco excelente que marcava a estréia do estupendo Neil Peart na bateria e como principal letrista da banda. Com a formação consolidada, a banda partiu para a gravação de seu terceiro disco, intitulado Caress Of Steel, lançado em 1975.

Ao arriscar seus primeiros passos na seara progressiva (algo que já havia sido experimentado no disco anterior, diga-se de passagem), o Rush agora queria ousar mais. Contendo canções que possuíam extensas sessões instrumentais, a estranhíssima The Necromancer (dividida em 3 partes) e The Fountain Of Lamneth (dividida em 6 sessões) juntas somavam mais de 20 minutos, o que gerou críticas por parte do público e de veículos especializados, que acusavam o grupo de soar pretensioso e desfocado. O próprio Geddy Lee já declarou que esse disco não é um dos melhores momentos de banda, enquanto Alex Lifeson afirmou que não seria possível compor o álbum seguinte, o magnífico 2112, sem o processo de transição musical iniciado com Caress.

Longe de ser unanimidade até mesmo dentro da própria banda, vamos descobrir a seguir se esse disco é bom ou se ele se trata de fato de uma bela bomba. Com vocês, Caress Of Steel, do Rush.

  • Bastille Day – Com riff tipicamente rock n’ roll, a faixa de abertura é uma das mais empolgantes da banda. Com letra contando a história da Queda Da Bastilha em 1789, é uma faixa cheia de energia, inspiradíssima e com instrumental poderoso com várias nuances em pouco mais de 4 minutos, sendo uma das preferidas dos fãs.
  • I Think I’m Going Bald – A segunda faixa do disco possui ritmo envolvente, bem zeppeliano, com instrumental tão divertido quanto sua letra. A letra em questão é uma crítica bem humorada à preocupação de Geddy e Alex com a calvície. Música perfeita pra inserir naquela playlist de classic rock já que não possui grandes mudanças de fórmula de compasso, sendo uma canção mais direta.
  • Lakeside Park – Com letra versando sobre as memórias de infância do baterista Neil Peart diante de um parque de diversões a beira de um lago no Canadá, musicalmente talvez seja a música mais fraca do disco, visto que não apresenta nada de tão espetacular em sua composição. Com uma guitarrinha mequetrefe e meio sem inspiração, parece ter sido incluída apenas pra encher linguiça no disco.
  • The Necromancer (Part I-II & III) – Com atmosfera pinkfloydiana, a música em questão foi inspirada no livro O Senhor Dos Anéis, e conta a história de um necromante que invade um reino e mantém 3 viajantes presos em uma masmorra. A primeira parte, intitulada Into The Darkness relata a chegada do necromante e dos viajantes, enquanto a segunda parte chamada Under The Shadow relata os viajantes sendo observados pelo necromante. Já a terceira parte, intitulada Return Of The Prince mostra a chegada do príncipe By-Tor, que vence o necromante, quebra o feitiço e liberta as pessoas. O instrumental é primoroso, com vários climas para embalar a história. A música termina com um belo solo de Alex Lifeson e uma inscrição em latim que diz “A hora termina o dia; o autor termina a obra”. Canção intrigante e sensacional.

The Fountain of Lamneth (Part I-II-III-IV-V-VI) – A Fonte de Lamneth simboliza a epifania, uma súbita compreensão da essência da vida, mas que se revela como a própria ideia de continuar procurando algo mais. A música começa refletindo a curiosidade e o ímpeto da juventude, com tudo parecendo novo e cheio de possibilidades. O protagonista enfrenta desafios e se sente perdido, buscando orientação em meio a uma “tempestade metafórica”. A “Panacea” oferece um momento de alívio, simbolizando o amor e a paz encontrados ao longo da vida. A jornada continua em busca da Fonte de Lamneth, que representa a realização e a sabedoria. No final, o protagonista percebe que a fonte não oferece respostas definitivas, mas sim a compreensão de que a vida é um ciclo eterno de começos e fins, e que a busca é a essência da existência. Todo esse conteúdo lírico embalado por um instrumental instigante, ora intenso e forte, ora mais introspectivo e denso, sempre explorando climas sombrios e andamentos diversos, o que com certeza causou estranheza a quem começava a acompanhar o grupo.

Verdade seja dita: não há como questionar a capacidade musical do Rush. Porém o que os fãs queriam (e normalmente querem) é que a banda não ouse, não mude a fórmula, não arrisque um passo no escuro. Há bandas que lançam discos quase sempre no mesmo estilo e está tudo bem, mas não é o caso do Rush. Inovadores, ousados, pioneiros e extremamente musicais, a banda nunca se prendeu a fórmulas e estilos pré definidos. Embora sempre definidos como ícones do rock progressivo, banda já flertou com o hard rock, o grunge, o hip hop e até mesmo o reggae, sem nunca perder a qualidade ou escorregar feio. Esse disco é criminosamente subestimado e até mesmo criticado. Acusá-lo de pretensioso é não reconhecer a capacidade da banda de se reinventar, e fazendo coro às palavras de Alex, esse disco é extremamente importante para a transição sonora do Rush do rock clássico para o progressivo, e importantíssimo para que a integridade e dignidade musical e artística do grupo permanecesse intacta (mesmo após aquelas fotos constrangedoras usando kimonos). Esse disco é excelente, nem de longe pode ser classificado como bomba, como alguns críticos fizeram na época. Ouça sem preconceito.