Segundo o dicionário, Teodrama “é uma proposta que destaca a ação de Deus no mundo, de forma abrangente e cósmica”. E é justamente isso que o Perpetual Legacy traz com esse disco. Se tiver uma palavra que pode definir o som dos caras nesse álbum é ousadia. Apesar do estilo não ser muito afeito à inovações, o Symphonic Metal apresentado aqui contém o melhor dos 2 mundos: de um lado os clichês típicos, como bateria “bumboduplada” em boa parte das canções, orquestrações e corais que parecem invocar seres místicos da floresta (o que felizmente é apenas uma impressão, já que o foco aqui é a criação de Deus e todas as suas nuances) e vocais operísticos de fazer inveja a Simone Simons (Epica), e do outro instrumentais muito bem executados, com mudanças de andamento, pesados e coesos, composições com soluções harmônicas surpreendentes e que por vezes fogem um pouco da vibe do estilo que se propõem.

Já na abertura com The Trinity (Puritan Pray), a banda parece evocar o Iron Maiden dos tempos de Seventh Son,  uma abertura crescente que com certeza prepara bem os ouvintes para a pedrada que vem a seguir: Ex Nihilo, que inicia de forma caótica e pesada com riffs que lembram se o Tuatha de Dannan tocasse num tributo ao Edguy com vocais da Cristina Scabbia (Lacuna Coil). O disco está apenas no início e temos Glorious Creator, e seu clima meio Helloween meio Symphony X. A ousadia a qual me referi no início está presente por todo o álbum, a começar pelo fato de se tratar de um disco duplo, de um estilo musical que não é muito popular e ainda por cima por ser um disco de White Metal.

Os pilares bíblicos como Criação, Queda, Redenção e Consumação são relatados de maneira abrangente e enérgica neste álbum conceitual. Before Creation explora a pré criação humana e abre caminho para a linda balada Grace, com suas influências ora beirando o Folk, ora flertando com o Clássico e o Celta, numa melodia cativante em compasso ¾ falando da graça de Deus. O solo de violão é uma das coisas mais sublimes já tocadas por um ser humano. A partir daqui o disco passa a focar um pouco mais na criação e queda do homem com as faixas Imago Dei, In The Cool Of The Day e sua intro á la Oficna G3 do disco Depois Da Guerra, All Have Sinned, onde novamente o Symphony X parece ser homenageado pela banda numa quebradeira sem fim, com muito bumbo duplo, distorção e vocais melodiosos e suaves em meio a um mar de peso e No Innocents Here, faixa que lembra o que aconteceria se o Dream Theater resolvesse adicionar um vocal feminino.

Os vocais guturais permeiam todo o álbum (mais um clichê bem vindo para os fãs do estilo), trazendo sempre aquele clima de pergunta e resposta que o Nightwish tanto ama fazer. Chegamos ao final do primeiro disco de maneira épica e arrebatadora, com Look At The Cross, já sugerindo que entramos na parte que fala sobre redenção, o que nos deixa curioso pra ouvir o que vem por aí depois. O instrumental é um primor a parte, muito bem executado e equalizado, com, peso na medida certa, valorizando pausas e cadências como forma de aguçar a sensibilidade dos ouvintes. E vamos ao disco 2.

The Mediator abre com um clima de esperança e positividade lembrando as coisas que o Yes faz em discos como Tales Of Topographic Oceans. Mas na faixa seguinte a dramaticidade toma conta com Above The Sun, que possui climas sombrios e refrão emotivo. O maior problema dessa faixa é o vocal excessivamente operístico numa região agudíssima que torna a audição um pouco cansativa após escutarmos todo o primeiro disco. Redemption tem uma veia quase Trash na intro, especialmente por conta dos efeitos do baixo de Matheus Maia, lembrando o que aconteceria se o Motorhëad se convertesse. Aqui o vocal de Michelle Braglia lembra bastante Amy Lee, tamanha a emoção que emprega na canção. Como se trata de uma banda cristã, quem ouvir essa faixa pode identificar ao fundo um teclado que lembra a canção O Nome De Jesus É Poderoso, do conhecidíssimo compositor Adhemar De Campos.

As guitarras de Lucas Fernandes têm peso e melodia na medida certa, soando de forma melódica e agradável, sabendo esmerilhar na hora certa, quando a canção assim exige. Justified By Faith mescla peso e suavidade, vocais melódicos e guturais (que aqui lembram um pouco o Mortification), na faixa mais diferente de todas até aqui. O clima positivo volta a reinar numa canção pra lá de otimista com o título de Hero of Humanity, que obviamente fala de Jesus, de uma maneira simplesmente apaixonante. Tetelestai significa “está consumado” e possui um instrumental que parece ter saído daqueles filmes sobre a crucificação de Cristo. É impressionante como a banda consegue capturar a atenção transformando os eventos bíblicos em som de maneira convincente e honesta. Estamos na parte final do disco, onde se fala da consumação da obra de Cristo na Terra. Waiting For You como o nome sugere, é um recado aos fiéis que esperam pela volta de seu redentor. Babylon The Great segue o clima apocalíptico dando o tom de despedida e falando da queda da nação profana que faz oposição ao reino celestial.

O tema é intrincado e complexo, cheio de nuances, o que deixa o ouvinte em um misto de tensão e relaxamento, como se quisesse fazer um contraste entre a fé e a dúvida comparando em alguns momentos Babilônia à cidade de Jericó. The End Is Just Beginning fala sobre a esperança após a volta de Cristo de forma simples e direta com tema semelhante a Judgement and Triumph que possui instrumental estupendo cheio de convenções rítmicas.

O álbum encerra com o bônus 119 Theme of My Songs, que a primeira vista é uma linda balada, porém com instrumental poderoso fechando o disco com chave de ouro. Lógico que quem torce o nariz pro fato de alguém fazer heavy metal falando de temas bíblicos vai continuar odiando, quem é fã de metal sinfônico e prog metal vai amar se tiver a mente aberta e claro que não é um disco pra tocar na sua igreja salvo raras exceções. O fato é que é surpreendente termos bandas desse calibre em território nacional passando despercebidas enquanto porcarias são vomitadas diariamente na mídia.

NOTA: 4,5 / 5

TEXTO POR DIOGO FRANCO.