Todas as fotos: Chris Machado

Houve um tempo em que sonhar com um show em Fortaleza de uma banda do underground ou mesmo do que se pode considerar mainstream no metal extremo (guardadas as devidas proporções) era apenas exatamente isso: um sonho. Mas isso não é mais verdade. Muitas bandas vieram. E algumas repetiram a dose. O headbanger fortalezense já meio que se acostuma a ter um grande show quase todos os meses. Seria melhor mais? Claro, Ainda há muitos nomes que nunca pisaram no Pinto Martins? Um Wacken inteiro deles. Mas é preciso que seja economicamente viável também, né? E para isso, o headbanger fortalezense tem que fazer e tem feito a sua parte. E o melhor é que agora pode contar com uma casa realmente sua: o Ophera. Sim, a casa é da M2F. Então, é minha, é sua, é a primeira vez (que eu me lembre) que o headbanger tem um lugar para chamar de seu.

Um adendo: a M2F tem prestado grandes contribuições para que a lista de bandas sonhadas pelos bangers passe a integrar a lista de bandas cujos shows eles presenciaram.
A noite do dia 19 (de outubro, não ontem) começou com o Death Metal avassalador da VISCERAL SUFFERING, formada até então por Mateus Martinez e Anderson Meneses (guitarras), Fabrício Machado no baixo, Satoshi Alisson, no vocal e Jhoni Rodrigues na bateria. Ao contrário do anunciado, resolveram tocar suas próprias músicas ao invés de um set focado no Cannibal Corpse, o que acabou saindo melhor que a encomenda. No show, principalmente canções do primeiro álbum, “Sons of Evil” lançado ano passado, com vocais guturais a la corpsegrinder, e de vez em quando com respostas gritadas pelo baixista, fizeram Fortaleza virar um distrito de Orlando. Este foi também o último show do Fabrício Machado, com Paulo Lohan assumindo o groove dali em diante. E ele já sobe ao palco para continuar o show e mandar ver em “Detoxifying” e “Rotten Flesh”, do primeiro EP. Algo que destaca a VS ainda mais são canções com dois solos de guitarra na mesma música, ambos melodiosos, uma coisa linda. Ao meio do show, Satoshi anuncia que as próximas são músicas novas que estão fazendo. E que Fabrício ajudou a fazer. Nada mais justo que ele participar pela última vez, então ele volta para “Hecatombe”. O show fechou com “Catharsis” e a notícia de que estava sold out, todos os ingressos da pista haviam sido vendidos. E foi a primeira roda da noite. Antes o público só espiava admirado e balançava a cabeça, o que não é incomum num show brutal como foi este.
Em seguida, os bangers foram brindados com um show da DIAGNOSE, formada por Jorge “Mata-Gato” na voz, Dejane Grrrl nos graves, Frank Carvalho nos agudos (ou menos graves). Ficamos devendo o nome do amigo responsável pela pancadaria. Uma das bandas mais cultuadas do Ceará, admiradas até por quem não curte o estilo, a DIAGNOSE subiu ao palco despejando urros e peso. Apesar disso, não esqueceu de agradecer à adoração dos cearenses e até mesmo dos potiguares. “Um beijo pra galera de Natal”, mandou o vocalista Jorge Matagato. Na iminência de um show do NAPALM DEATH e entre canções já conhecidas, como “Trincheiras Urbanas” e “Qual o Discurso que Mais te Agrada”, Matagato confessa: Passa um filme na minha cabeça , já cabeça de todos nós, lembrando de quando começamos a ouvir barulho. E tem “barulho” novo na área: “Incorpóreo”. Outra coisa iminente era o segundo turno da eleição municipal, tendo como oponentes um candidato do campo progressista e um irresponsável do campo do atraso. Com relação a isso, Djane “Grrrrl”, a baixista lembrou: “Bolsonaro morreu, mas deixou suas crias. Numa situação dessas a gente tem que se posicionar. A opção não é exatamente o que queremos, mas não podemos deixar uma cria do Bolsonaro chegar ao poder”. “Pau no c* deles”, alguém gritou, mas ela corrigiu: “pau no c* não, que tem gente que gosta, queremos é que m*rra.
Nota: nós do Headbangers Brasil somos apolíticos, mas concordamos que em determinadas situações é mesmo necessário se posicionar. Não dá para se ater ao metal e conviver com homofobia, misoginia, racismo como se nada estivesse acontecendo, como fazem algumas outras importantes entidades. Isso transcende a política, transcende o Metal, transcende o Ceará.
O show continuou com a peia comendo solta, tanto no palco quanto no meio do público, com a banda perguntando “Quais são os seus ideais?”, ou criticando os “Midiota”/s . Claro que no meio de tudo isso, sons do seu álbum de maior sucesso, “Neurose XXI”. Antes de fechar o show com “Morrer de Tédio”, rolou também uma cover da Abuso Sonoro (“Prisão Sem Muros”), “porque eu amo essa banda, Djane também ama, todos amamos”, nas palavras de Matagato. “Eu amo tocar com as pessoas que estão aqui nesse palco” ele concluiu.
Outra banda que também não se furta a se posicionar em meio ao caos real pelo qual acabamos de passar é a MANGER CADAVRE?, formada por Nata Nachthexen- Vocal,  Paulo Alexandre – Guitarra,  Marcelo Kruszynski – Bateria, e Bruno Henrique – Baixo. Isso está presente em suas letras, em sua atitude e, podemos dizer até mesmo em seu som, com a linda e surpreendente, “Imperialismo”, meio Carcass, com Paulo Alexandre enfiando melodia em meio ao barulho. E, se é dona do palco, a vocalista Natália Nachthexen, não deixa de louvar o que é daqui, “Fortaleza é um celeiro de bandas foda”, citando bandas como as colegas de evento Diagnose e Facada e também a Corja!. Ela também mencionou que foram tocar na Europa pela primeira vez e que só conseguiram isso graças ao apoio “de todos vocês”. O crust derruba-paredes continua com “Retórica do Silêncio”, um som novo que vai sair em 2025. Passando para “A Raiva muda o mundo”, Nata ressalta: “Esse som fala da importância da raiva, mas a raiva organizada, que muda o mundo. Raiva sem organização é só revolta”. Iniciando o bloco final de músicas, “Tragédias previstas” lembra que 700 mil mortes no governo anterior foi uma escolha, porque já tinha vacina sim e ele escolheu não comprar. “Encarceramento e Morte”, linda, encaminha o show para o fim, que, sendo fim, começa com outro som novo. O nome, perdoem, fico devendo, mas logo, logo vocês vão ver por aí. “Sustentem o underground porque o underground é feito de todos” é a mensagem que arremata a apresentação do quarteto que se espanta e se recusa a comer cadáveres.
NAPALM DEATH
Diz a anedota:
• Quando um nazista se senta à mesa com dez pessoas e ninguém se levanta para ir embora, então há onze nazistas à mesa.
Parece que o show que vem agora é uma continuação do show da MC?, ou da Diagnose, na batalha contra o fascismo, no não concordar com dividir espaço com quem apoiou 700 mil mortes e não se arrependeu. Só o idioma mudou. Ou não, já que a voz que se levanta é a mesma, é o barulho, é daqueles que se levantam para ir embora (daquela mesa, daquele grupo, não do Ophera). Agora temos Barney,  Shane, Danny Herrera na bateria e John Cooke na guitarra.
Do Ophera ninguém sai. E já quase ninguém entra também. O bloco de headbangers torna-se imediatamente uniforme, com uma pessoa querendo entrar dentro da outra (e não sexualmente falando) enquanto o quarteto britânico chega, manda brasa, despejam o som que todo mundo queria ouvir, da (contra) escravização à aniquilação completa. A galera lá embaixo ficou doida, muito doida, uma salada de gente, gente literalmente passada no liquidificador. Num bloco só de ruído a banda manda sons do “F.E.T.O.” e fecha a conta das presenças de “Enemy of the Music Business” e “Order of the Leech”. Na primeira fala ao público, com seu sotaque britânico que seria difícil de entender até para o Rei, Barney segue o discurso de Satoshi, Matagato e Nata, mas num outro idioma. E, de vez em quando, misturando com espanhol (o que ajuda em nada, mas é uma tentativa de se comunicar com o público brasileiro). “Somos o Napalm Death, uma banda de barulho”, diz ele. E continua: “Depois de toda essa evolução, os seres humanos ainda não apreenderam que a guerra nunca é a resposta”. Passamos para a estranha “Contagion”, música do último álbum completo, “Throes of Joy in the Jaws of Defeatism”, lançado bem em meio a pandemia.
“The wolf I Feed”, que faltou no último show, botou o povo para cantar junto. E numa breve pausa pra Barney (preciso dizer que ele passa o show inteiro correndo de um lado para o outro e dançando de forma desajeitada) o público grita “Napalm Death, Napalm Death, Napalm Death”. Do mini-ep, “Resentment Is Always Seismic – A Final Throw of Throes”, tratado pela banda como complemento do álbum anterior, a “quase” faixa título, “Resentment always simmers” lembra que o ressentimento sempre fervilha, ou sempre é sísmico, tanto faz, é algo que se não for tratado como você de dentro para fora. “That Curse of Being in Thrall”, outra nova e “It’s a man’s world”, misturam passado recente e os primórdios fetais. E até Shane, o gordinho mais boa praça do metal extremo, punk extremo, seja o que for, canta alguma coisa. “Backlash Just Because” vem na sequência. E Barney critica a interferência religiosa na cabeça das pessoas, o que faz desde 89 (ano de sua entrada na banda) e continua fazendo mais de 30 anos depois.
“Não ao sexismo”
“Não à homofobia”
“Não à transfobia”
“Humanos são humanos”
E Napalm Death é Napalm Death. Uma vez que antes, com a lotação do espaço, praticamente lugar para roda, havia só um empurrar e empurrar generalizado, “Suffer the Children” a fez forçar e achar seu lugar.
Ah, falei de roda? Tenho que falar também de algo essencial no punk. Não tinha stage dive, mas tinha “grid dive”, com os mais afoitos escalando a grade e se jogando em meio à multidão. “When All Is Said and Done” representa o “Smear Campaign”, mas, até agora, aparentemente (nunca dá para ter certeza e quem diz que dá está mentindo), nenhuma do “Scum”, o lendário primeiro disco, disco de dois lados com formações diferentes entre si, e diferentes daquela ali no palco. E, ora, isso é algo que tem que ter. E, “You Suffer”, aquela grandona, é até tocada duas vezes. Com isso tudo, a roda ficou violência (e não há nenhum erro nestas palavras), mas, se alguém cai… vocês sabem, por mais violenta que seja a roda, se alguém cai ninguém passa por cima, a galera protege e dá um jeito de levantar. Só não dá para garantir a integridade dos óculos voando.
E eu comecei com aquela estória de que quem senta a mesa com nazista, nazista é (ou, numa versão que minha mãe sempre me dizia: dize-me com quem andas e eu te direi quem és), o Napalm Death, com “Nazi Punks Fuck Off” do Dead Kennedys, e todos ali, com um brado retumbante, mostraram com quem andam:
“Ei, B*ls*nar*, vai tomar no c*”
e (falei “dize-me com quem andas…”?), “Ei, An*ré, vai tomar no c*”. Podia faltar não. Claro. Em tempo, nós do Headbangers Brasil somos apolíticos, não defendemos bandeira nem de direita, nem de esquerda, nem de cima, nem de baixo. No entanto, acreditamos que os fatos acima transcendem o campo político e também não nos sentamos à mesa com nazistas, fascistas nem negacionistas. E, a bem do rigor, sequer mencionamos os nomes dos “homenageados” aqui para não sujar o site. Vai dizer que não?
Antes de fechar o show, “Instinct of Survival” e a última mensagem de Barney: “Se cuidem e cuidem dos seus queridos. Espero que nos encontremos outra vez”. Claro que sim, Barney, será sempre um prazer sentar-se à mesa com vocês.
Outra banda que não se senta na mesa de fascistas é o FACADA. Para facilitar a logística do Napalm, que está em uma turnê extensíssima no Brasil, eles não foram os responsáveis por servir a sobremesa no festival. E que sobremesa!
Quem já viu um show do FACADA sabe como é. É moagem direta, reta, sem descanso, e só acaba no fim. Numa confusão deliciosa de canções grind, temos “Feliz Ano Novo”, “Morte”, “Apocalipse Agora”, “Cidade Morta”, “Truculence” (que é música nova), o “Cobrador” e algumas homenagens ao candidato (que ora sabemos, por um pelinho, derrotado) apoiador do 8 de janeiro. E, talvez injusta já que todas as mulheres merecem respeito, à senhora sua genitora. “Amanhã Vai Ser Pior” reflete o contrário do real desejo de todos ali, mas também o imenso medo de que “o amanhã” seja mesmo pior. Nem os instrumentos aguentam o peso e a vontade da FACADA. Quebra baqueta, quebra corda do baixo, mas o show continua, como uma força da natureza, uma tempestade com tempo ditado pelas pancadas de Vicente, somadas aos riffs e à melodia de nosso East Bay Ray do sul, Danyel e os versos de Carlos James.
“Facada”
“Facada”
“Facada”
Assim terminou aquela noite grind/death.
Agradecimentos: M2F, pela atenção e credenciamento (e paciência)
Chris Machado, pelas lindas imagens que ilustram esta matéria. Confira mais na galeria abaixo.
Nota: sim. Essa resenha está atrasada exatamente um mês. Este redator agora iniciará um período sabático pra dedicar-se a botar mais leite na mesa. Sem lactose. Acho.
Alguns outros textos e entrevistas que ainda estão comigo serão disponibilizados ao longo do tempo. Em ocasiões especiais, passo pra dar um alô. Um grande abraço e muito obrigado a todos os nossos leitores e aos headbangers cearenses. Optamos por uma foto de vocês na chamada, ao invés de uma de alguma das bandas. Agora, como dissemos, vocês estão em casa.