Essa resenha foi feita pelo colaborador Julio Andrade, especializado em Punk/Hardcore e muito mais, leiam atentamente cada palavra, incrivelmente colocada por ele.
Em momentos difíceis nascem discos antológicos, principalmente em se tratando de Rap e Hardcore Nacional. O caos que tem sido o ano de 2022 acabou inspirando bandas novas e medalhões. E o Hardcore se viu muito bem representado com Ratos de Porão (Necropolítica), Surra (Sempre seremos culpados) e Black Pantera (com o festejado Ascenção). Os veteranos do Mukeka di Rato não poderiam passar batido. Contando com Fê Paschoal no vocal substituindo o grande Sandro (que dedica-se à banda Volapuque), Brek, Mozine e Paulista entregaram um álbum extremamente relevante no cenário nacional.
Ao lado do Dead Fish (que em 2019 lançou o super bem produzido Ponto Cego), MDR é uma espécie de “lado B” dos seus conterrâneos capixabas, não em termos de qualidade, mas por abraçarem influências que vão de Hardcore Finlandês, Crust e Reggae (isso não é novidade, antes que algum desavisado se apresse).
O álbum ‘Boiada Suicida’ é tão urgente quanto necessário nos tempos atuais, a começar pela capa em singela ‘homenagem’ ao ditador fascista Benito Mussolini e seus asseclas. O disco abre com ‘Luzia’, um HC desenfreado com letra debochada no melhor estilo Jello Biafra em dura crítica a um país que vem conscientemente abrindo mão de sua história. ‘Coração Sapato’, escrita por Rodrigo Lima é outro destaque do álbum. ‘Humano Fracasso’, primeiro single, já nasceu clássica e conta, com o que talvez seja, o melhor verso do disco: ‘eu quero a cabeça do homem de bem’. Genial!
‘Facada’ parece ter sido feita sob encomenda para caber nos stories do Instagram! Em seguida vem ‘Nuvem’, uma das músicas mais interessantes do play com seu ‘reggae torto’ e seu refrão de peso: DEIXA EU DAR MEU ROLÊ. ‘Milico’, segundo single, tem letra pesada que expõe a ineficiência da instituição e o fascismo de boa parte da longa manus do Estado. ‘Roubar’ reflete com dureza a realidade do país nesses tempos de crise. ‘Moderna Idade’ mantém o BPM lá em cima. ‘Boiada Suicida’, a faixa-título, deveria ser adotada como hino nacional durante esse período histórico e cantada nas escolas!
‘Vidraça’ segue o andamento acelerado do álbum mandando um recado ao ‘patriarca da família secular’. ‘Fome’, com destaque para a voz de Fepas (Jello Biafra again?), conta com participação mais que especial do Aliado Jota em uma mudança de andamento digna de nota e um refrão sensacional ‘porcos do lixo mais limpos que você / porco de terno, capitão do inferno’! ‘Pedrada’ é a cereja do bolo! A canção de Chico César conta com uma versão arrasadora que poderia muito bem tocar nas rádios não fascistas! ‘Seu cérebro está em avançado estado de decomposição’ e ‘Punk decrépito’ remetem ao Mukeka antigo! ‘Devir Fascio’ desafia o ouvinte ao cantar ‘República de Milícias. Quem foi que deu comando? Quem matou Marielle Franco’. O álbum fecha com ‘Tudo vai passar’, uma canção em primeira análise esperançosa, até revelar que realmente tudo vai passar… quando você morrer.
O álbum produzido por Rafael Ramos (responsável pelo excelente ‘Carne’) e masterizado por Jack Endino (sim, ele mesmo), tem tudo para ser um dos destaques do ano e levam o Mukeka di Rato a um novo patamar!
NOTA: 5 / 5