“Bem vindo crossover”
Outra semana se passou e já é tempo de continuarmos falando sobre os grandes eventos que marcaram a década de 90. Como vocês se recordam semana passada falamos sobre a primeira visita do grande Ian Gillan ao nosso país e agora é vez de outro estreante em nossos palcos, os especialistas em crossover, o DxRxI.
Gillan tinha se apresentado no Projeto SP no começo do mês de agosto e a princípio o DxRxI teria uma data apenas, o dia 18 do mesmo mês. Uma semana depois quem estaria por aqui era o Nuclear Assault, mas as coisas mudaram e a segunda visita de Dan Lilker e companhia foi adiada para novembro, o que ia dar uma bela aliviada nos bolsos dos bangers brazucas, tão judiados pelo plano econômico que o Governo colocou em prática no começo do ano. Se você não está bem por dentro desse assunto aconselho dar uma olhada nos capítulos anteriores do “…PRA FICAR!!!” , daí tudo será muito bem esclarecido, garanto.
Com uma divulgação bem meia boca – sem flyer, sem chamada em rádio, sem promoção, só mesmo frequentando os pontos heavys tradicionais para saber alguma coisa – a produtora acabou confirmando mais duas datas, outra aqui em Sampa e uma no Rio. Então, faltando menos de uma semana para o evento a situação estava assim: dias 17 e 18 apresentações no Projeto SP e dia 19 em um lugar ainda não divulgado, uma apresentação no Rio. O preço do ingresso ficou fixado com o mesmo valor dos shows do Gillan, Cr$1.000,00 (mil cruzeiros) e para os shows em São Paulo a banda mineira Sarcófago seria o open-act.
Para falar que não houve divulgação a Rock Brigade número 42 cravava meses antes sobre a tour, mas também parou por ai e claro que a obrigação de promover um evento é de quem o está produzindo. Bom, já já vou contar qual foi o resultado dessa falta de divulgação.
Minha preocupação era saber se eu poderia ir em algum dos dias de apresentação, pois como eu contei anteriormente, para ver o Gillan eu precisei me desfazer de alguns discos para poder comprar o ingresso e eu não queria ter que tornar isso um hábito. Felizmente ainda nesse mesmo mês eu voltei a trabalhar e daí as coisas ficaram mais fáceis. E comprovando a tese de que quando as coisas começam a dar certo todo vento fica a favor, eu comprei meu ingresso para a primeira noite pela metade do preço, de um conhecido meu que era lojista na Galeria do Rock naquela época. O cara tinha recebido uma entrada como cortesia de alguém da produção do evento e ele foi muito cortês em me vender a entrada já que ele não ia mesmo.
Mesmo com os problemas que o Brasil atravessava existia um clima de otimismo por incrível que pareça. É que nós estávamos tão acostumados à crises, que obrigatoriamente aprendíamos rápido a conviver com ela. Bem ou mal os shows internacionais estavam ai e existiam espaços para as bandas brazucas se apresentarem. Como eu disse em outra oportunidade o Dynamo tinha sido inaugurado e foi um espaço importantíssimo, pois lá todos os dias tinha banda no palco. E a MTV Brasil estava prestes a entrar no ar, o que daria um impulso a mais na cena musical como um todo. Acho que deu para perceber que foram dias bem agitados.
Mas vamos falar sobre o que interessa, o DxRxI., que chegou em Sampa um dia antes do primeiro show e foi se hospedando no já bem manjado Hotel Hilton. A formação na época contava com o vocalista Kurt Brecht e o guitarrista Spike Cassidy, além de John Menor no baixo e quebrando o galho na batera, Tim Mallare do M.O.D. (a banda de Billy Milano), já que a essa altura Felix Griffin não fazia mais parte do DxRxI.
Quando eu cheguei na porta do Projeto SP naquela sexta, dia 17 de agosto, eu tive a impressão de que tinha perdido a viagem e o show tinha sido cancelado. É sério, dava para contar quantas pessoas estavam na rua. Não tinha nem fila organizada, pois também nem era preciso. E não dava nem para dizer que foram poucas pessoas por causa do frio de rachar, pois no dia do Gillan também estava frio e chovendo e nem por isso o público decepcionou. A pífia divulgação estava cobrando seu preço e imagine um lugar bem amplo, com capacidade para umas quatro mil pessoas receber apenas umas 500 e olha, estou sendo bem otimista com esse chute. Dias depois alguns fanzines publicaram que o público naquela noite não passou dos 300. Literalmente dava para fazer dois golzinhos com latas de cerveja, um de cada lado da pista, e organizar um futebol ali mesmo, pois espaço tinha de sobra.
Com um grande e costumeiro atraso entra no palco o Sarcófago em sua primeira apresentação na terra da garoa. Para falar a verdade eu conhecia muito pouco sobre eles. Sabia que eram polêmicos nas suas declarações e tinham uma treta com o pessoal do Sepultura. Mas musicalmente eu nunca tinha me preocupado em conhecer mais a fundo sobre o trabalho deles. E essa noite não ajudou muito, pois o som esteve terrível e o pouco público presente também não se animou com o show. Em resumo, eu não tenho quase nenhuma recordação viva e não foi por culpa dos caras, pois som ruim é uma situação inaceitável para qualquer músico, que no mínimo tem que ter condições de trabalhar.
Quando chegou a hora do DxRxI. os poucos presentes resolveram colar mais perto do palco e eu também. Felizmente o som estava perfeito – o pessoal do Sarcófago deve ter “adorado” isso – e os caras até que tentaram agitar. Para quem estava do lado do palco, sem aperto, ver o artista ali, a distancia de um aperto de mão, é fantástico, mas para os músicos que vieram de longe, olhar o lugar praticamente vazio devia ser muito frustrante. Independente disso o show foi muito correto com o sólido baixista John Menor dançando enquanto tocava e a banda desfilando seus hits com uma pegada bem voltada para o thrash metal. Destaque total para uma das minhas favoritas, “Beneath the Wheel” que fechou o show.
Tinha tão pouca gente que algumas pessoas como eu, que enrolaram para deixar o local, até estavam ‘negociando’ com os roadies e o pessoal da produção para ver se rolava da banda tirar umas fotos e dar algum autografo. Mas depois de um tempo as luzes começaram a apagar e a coisa não rolou. Dias depois o motivo de não ter dado certo viria a tona. Fechou o pau entre os membros do Sarcófago e os caras do RxDxP (foram fazer o que lá mesmo?) nos camarins e acabou sobrando até para o pessoal do DxRxI.. O saldo da treta foi que a banda cancelou sua tarde de autógrafos na Woodstock Discos, que aconteceria no sábado e o ambiente da tour foi totalmente pro vinagre.
Independente desse vexame, o profissional DxRxI. fez um grande show no dia 18 para um público bem melhor, umas 1500 pessoas, segundo as publicações da época. E como as coisas estavam enroladas, um pouco mais de problemas não faria mal e o show do Rio acabou sendo cancelado. A produtora resolveu então realizar mais uma noite no Projeto SP, no domingo dia 19. Se já tinha ido pouca gente na sexta, nessa ultima apresentação o público ficou perto das 200 testemunhas segundo publicações da época. Um amigo meu que esteve presente me confidenciou que o show transcorreu com um clima de ensaio, como não poderia ser diferente.
Realmente essa primeira passagem dos mestres do crossover por aqui foi bem complicada, mas felizmente a banda voltou ao Brasil em outras oportunidades e tudo correu de forma muito mais profissional e correta.
O ano de 1990 ainda prometia e em setembro eu teria a chance de assistir ao show de uma banda que eu tinha perdido a oportunidade de ver em 1988. O menestrel Ian Anderson já estava com data marcada para desembarcar no Brasil e eu com o ingresso garantido. Mas esse assunto nós vamos tratar na próxima semana, pois as lembranças dos shows mais importantes da década de 90 estão no HB “…PRA FICAR!!!”
DxRxI. Brazilian Tour ’90:
– São Paulo: 17, 18 e 19 de agosto.
Setlist básico das três apresentações:
- Thrashard
- Kill the Words
- Hooked
- Strategy
- Nursing Home Blues
- Do the Dream
- Slumlord
- Dead in a Ditch
- Suit and Tie Guy
- Violent Pacification
- Think for Yourself
- Mad Man
- Couch Slouch
- You Say I’m Scum
- Abduction
- I Don’t Need Society
- Standing in Line
- Labeled Uncurable
- How to Act
- Yes Ma’am
- Argument Then War
Bis:
- The Five Year Plan
- I’d Rather Be Sleeping
- Beneath the Wheel
Nota: O show com mais publico, o do dia 18, está disponível no You Tube em versão ‘bucaneira’, é claro. Vale o registro, confira.
(Créditos das fotos: Paulo Márcio)