Após sete anos da última vinda ao Brasil e um hiato de cinco anos sem fazer turnês (2019-2024), o Satyricon finalmente retornou para a América Latina, e a noite de 13 de novembro em São Paulo foi um verdadeiro espetáculo para os fãs. Com raízes na segunda onda do Black Metal dos anos 90, os noruegueses dispensaram a corpse paint e a maquiagem e mostraram um profissionalismo impressionante, sem cair no tedioso ou burocrático. Mais um golaço da produtora Estética Torta, que trouxe no fim de semana anterior os Holandeses do Asphyx. Só que dessa vez o paulistano compareceu em peso.
O show começou pontualmente as 20h30, mas o início teve um pequeno desafio: as luzes pesaram tanto que foi difícil enxergar a banda, o que, se foi intencional ou não, foi suavizando ao longo da apresentação. A abertura veio com “To Your Brethren in the Dark” (do full mais recente “Deep Calleth Upon Deep”, 2017) seguida pela clássica “Nemesis Divina“, gerando uma comoção instantânea entre os presentes e já dando o tom do que seria a noite: uma mistura equilibrada entre os trabalhos dos anos 2000 e os clássicos da década de 90, com a banda mantendo o público em êxtase durante todo o show. Em “Now, Diabolical“, Satyr, vocalista e líder da banda, comentou sobre as apresentações em Bogotá e Santiago, desafiando o público paulistano a proporcionar a melhor noite da turnê latino-americana. Aparentemente, conseguiu. O guitarrista Steinar Gundersen, sempre energético, não parou de bater-cabeça um segundo, e a banda como um todo parecia possuída por uma energia contagiante.
“Black Crow on a Tombstone” foi catártico, o Carioca Club inteiro cantando junto. O capeta compareceu ali em pessoa. Teve “Black Wings and Withering Gloom” e o hino “Hvite Krists Død” (“A Morte do Cristo Branco”), do disco “The Shadowthrone“, uma declaração de resistência contra a imposição do cristianismo, provando que “clássico é clássico” e o Satyricon continua sendo uma das bandas mais respeitadas do Black Metal. Em “Walk the Path of Sorrow“, Satyr, que até então estava apenas nos vocais, surpreendeu ao pegar uma Flying V branca e fez a casa quase vir abaixo. A energia da banda atingiu seu ápice ali, com três guitarras, numa explosão de riffs e intensidade.
Satyr, conhecido por suas polêmicas, começou a conversar com o público em inglês e citou The Hives, pontuando que a banda não tem nada a ver com o Black Metal, mas fizeram uma música chamada “Hate to say I told you so”. E todo mundo se olhando tipo: “Onde ele quer chegar?”. Satyr seguiu falando sobre quando o Satyricon lançou “Rebel Extravaganza” (1999), o uso de teclados, que ele considera um bom recurso para criar uma camada extra no som e elevar os riffs de guitarra. Mas que o Black Metal naquela época soava e parecia gótico e como ele odeia gótico do fundo do seu coração.
Que o Satyricon fez um álbum frio e misantrópico, sem nada daquela besteirada de vampiros (sic), mas que foram mal interpretados na época. Inclusive uma revista alemã classificou o álbum como techno, e o vocalista garantiu que há um lugar especial no inferno para quem fez isso, porque “não é só errado, é muito burro”. O tempo passou e 20 anos depois o agente deles começou a ser acionado por festivais do mundo inteiro para fazer um show comemorativo pelo aniversário do disco de 1999. A única coisa em que ele conseguiu pensar quando subiu no palco foi em “I hate to say I told you so“, algo como “odeio dizer isso, mas eu te avisei”. Risos das cinco pessoas que entenderam e aplauso geral. Na sequência, Filthgrinder e Die by my hand, acompanhada em coro pela audiência supresa, pois essa música não tocou no show do Chile. Que sorte a nossa.
Satyr chamou o público a formar moshpits, e uma horda de fãs enlouquecidos atendeu prontamente. A banda encerrou com “K.I.N.G.”, que foi recebida com grande empolgação e cantada em uníssono pelos fãs. Frost, co-fundador da banda, saiu de trás de sua bateria gigantesca para saudar os presentes da beira do palco. Com os pés batendo forte no chão, ele incitou uma reação coletiva, que fez a plateia seguir o ritmo com palmas, uma demonstração de domínio completo sobre a multidão. O show foi encerrado com o clássico “Olê, olê, olê…”, seguido de uma chuva de aplausos, e ficou claro que, mesmo após duas horas de intensa apresentação, ainda havia aquele gostinho de “quero mais”. O Satyricon, mais uma vez, mostrou por que é uma das maiores bandas do Black Metal mundial.
TEXTO POR JULIANA DE ALMEIDA E FOTOS POR GUILHERME SORBERO