Sempre bom descobrir bandas Nacionais com uma qualidade monstruosa, hoje chegou a mim a existência do
Papangu, uma banda oriunda da Paraíba, do Nordeste Brasileiro, lançou em 2021 um discaço, chamado Holoceno,
um achado incrível!! Vamos conversar com a banda sobre o disco, o surgimento e muito mais.

Headbangers Brasil: Primeiro, obrigado por nos conceder esse tempo de conversa e queria saber um pouco de como
nasceu o Papangu e qual a origem do nome da banda?

Hector: A banda nasceu em meados de 2013 aqui em João Pessoa. Eu, Marco, Raí e Nichollas nos reunimos com o
desejo comum de tocar algumas músicas dentro da sonoridade do Stoner Rock/Metal, Doom Metal, Sludge Metal e
toda essa escola de riffs pesados e malignos influenciados por Black Sabbath. Começamos a ensaiar alguns covers de
bandas como Kyuss e Sleep, e entre jams e sessões, alguns riffs e ideias autorais começaram a surgir. Contudo, os
sons que construímos não soavam necessariamente dentro da caixinha do Stoner/Doom, pois continham fortes
elementos Prog. Também sentimos a necessidade de fazer com que o som representasse nossa experiência e nossas
origens, cantando sobre a Paraíba, Pernambuco e o nordeste brasileiro como um todo. Daí veio o nome Papangu, que
representa um personagem do carnaval da cidade de Bezerros, em Pernambuco. São pessoas que se vestem como
monstros e saem nas ruas para brincar o carnaval e assustar outras pessoas. A ideia de uma criatura bizarra e
tipicamente nordestina me pareceu perspicaz para nomear a banda.

Headbangers Brasil: Holoceno é o primeiro disco de vocês e ele já vem carregado de personalidade e Brasilidade, por
favor, nos falem suas influências principais e como foi chegar ao som de vocês?

Hector: A sonoridade da banda tem um pouco de cada um de nós e um pouco de muita coisa. Eu sou um grande fã
de Mestre Ambrósio e da carreira solo de Siba. Essas canções, principalmente o disco “Fuá Na Casa de Cabral”, foram
fundamentais para que eu pudesse me conectar com a música nordestina, com o coco de roda, o maracatu, o
caboclinho, ainda na minha infância, bem como me fizeram entender o papel da guitarra em uma música que não
necessariamente segue o padrão de riffs do Rock. Outra grande influência para mim é o som do Quinteto Armorial,
que mistura música barroca com a nordestinidade e o imaginário de Ariano Suassuna. Durante a minha adolescência,
descobri o metal e escutei bastante Thrash Metal. O Thrash me abriu a porta para outros gêneros mais extremos,
como o Death Metal e o Black Metal, que também entram no caldeirão maluco da nossa banda. Eu também escuto
bastante Punk e Hardcore. Dentro do Prog, minha banda favorita é o King Crimson e isso também é evidente no
nosso som.

Marco: Antes de tudo, Papangu surgiu como um projeto de amigos que não têm formação musical propriamente
dita. Ninguém fez bacharelado/licenciatura em música, etc., e também não estamos sujeitos a pressões
mercadológicas. A gente não depende da banda pra se sustentar, então dá pra compor somente o que a gente quer,
fora do que talvez seja o viés composicional de quem toca música profissionalmente no Brasil. Essa posição ficou
clara depois que a repercussão positiva de Holoceno legitimou esse fundamento de independência criativa.
Isso nos pôs numa posição vantajosa pra fazer música que dá pra chamar de nossa, sem ligar muito pras barreiras
que o cenário do metal brasileiro impõe. Obviamente temos exemplos de bandas que jogaram o manual no lixo e tão
fazendo coisa foda e originalíssima (Test, Kaatayra, etc.) mas eu sinto que, em geral, o metaleiro brasileiro é
conservador nos gostos e não gosta de sair da zona de conforto; talvez porque o próprio cenário de metal estimule
esse condicionamento pra sobreviver. O que eu quero dizer é que não estamos nem aí pra fazer música que siga as
regras de ouro do metal, e é por isso que o resultado é rock maluco que mistura Edu Lobo com Yes, Rage Against the
Machine com Béla Bartók, e Wayne Shorter com Slayer.
Pra dar um exemplo, pega a faixa-título de Holoceno, logo depois do solo de guitarra: ela mistura Maracatu, Nação do
Amor, de Moacir Santos (jazz brasileiro) com Dismantling the Berlin Waltz, de Cheer-Accident (avant-prog de
Chicago). Não acho que tem muita gente que ouve os dois (infelizmente!), tampouco quem ouse misturar, mas a
gente pode assumir esse risco. Falo isso sem pedância, até porque ninguém na banda é virtuoso. É só que a química
que construímos tocando juntos desde a adolescência nos deixa seguros para fazer esse tipo de experimento.

Headbangers Brasil: A inspiração de vocês vem da Literatura mais moderna Nordestina e da “escatologia ecológica”,
eu achei super interessante isso, poderia nos falar mais sobre?

Marco: Holoceno mistura o tema da seca às histórias clássicas sobre o fim do mundo e o contrato com o diabo. Um
jagunço tenta corrigir os crimes que cometeu em nome dos grandes latifundiários através da conversão ao cangaço; a
violência é o único caminho que enxerga no mundo brutal em que nasceu, e todo erro tem sua correção devida. Essa
ideia da justiça injusta, da natureza trazendo a morte através dos desastres naturais como resposta aos males que a
humanidade lhe fez, a ideia do “deus lhe pague”… é tudo parte do mesmo fio que nos inspirou nesse disco.

Foto por Malu de Castro
Foto por Malu de Castro

Headbangers Brasil: O legal é, vocês escolheram a nossa Língua para fazer a música do Papangu, o que torna a
percepção e compreensão externa mais complicada, por que vocês preferiram cantar em Português e qual foi o
maior desafio de encaixar a sonoridade da banda, em nossa língua?

Hector: Cantar em português foi algo que pautamos desde o início. A forma como nós falamos é parte da nossa
identidade. E nós não fazemos esforço algum para maquiar ou esconder nosso sotaque. Nós cantamos sobre
personagens como cangaceiros ou viajantes do rio São Francisco que se deparam com carrancas e maldições. O
português, apesar de bastante desafiador no meio do rock, nos pareceu inegociável em razão da estética que
vislumbramos para a banda.

Headbangers Brasil: Terra Arrasada foi escolhida para ser a trilha sonora de um documentário, que leva o mesmo
nome, imagino que tenha sido um momento de muita emoção para todos vocês, nos fale como foi que tudo
aconteceu.

Hector: Foi fantástico, pois Terra Arrasada é uma das primeiras canções que nós construímos! A inclusão no
documentário pareceu uma forma de chancelar o que outras pessoas acreditam no que nós acreditamos, não apenas
politicamente mas também musicalmente. Ademais, eu tenho interesse acadêmico em temas relativos às cidades e
espaços urbanos, planejamento urbano e sustentabilidade. O que está acontecendo em Natal também aconteceu no
Recife, em João Pessoa e em diversas cidades litorâneas ao longo do Brasil. É um tema urgente e que precisa ser
debatido de maneira ampla.

Headbangers Brasil: Zeuhl é realmente um movimento no qual eu não conheço, mas vejo muita coisa “conhecida” na
sonoridade do Papangu, o que seria esse movimento, na concepção de vocês?

Marco: é uma tradição do rock progressivo com muito baixo distorcido, ritmo marcial, e melodias hipnotizantes.
Começou na França com a banda Magma no fim dos anos 60, e espalhou-se para a Europa e o Japão. Fez muito
sentido tentarmos misturar o zeuhl à música do nordeste, já que o maracatu e a marcha do zeuhl são parecidas, e é
tudo cheio de ritmo sincopado que dá um tempero bem bacana ao metal progressivo.

Headbangers Brasil: Trabalhando no Underground é difícil, sendo do Nordeste, ainda mais complicado, os desafios
devem ser ainda mais avassaladores, você poderia tentar traçar como é todo esse rolé por aí.

Hector: Holoceno foi totalmente gravado com recursos próprios, e esse é um dos motivos pelos quais o disco
demorou tanto para sair. Nós iniciamos a banda como estudantes universitários, alguns viviam de bolsa de estágio,
outros não tinham nem isso. Fora isso, dá para falar que nosso som não é lá o mais acessível do mundo. Fora isso, o
underground de João Pessoa e da Paraíba vem sofrendo bastante nos últimos anos com o verdadeiro abandono do
poder público. Casas e clubes em que tocamos durante nossos anos de formação sequer existem agora. A pandemia
piorou todo esse cenário, que já era desesperador. Acho que não precisa nem citar o fato de que vivemos sob o jugo
de um déspota que detesta a cultura né?

Headbangers Brasil: O disco contou com diversas participações, nos fale sobre elas e como elas agregaram à loucura
e intensidade sonora do Papangu.

Hector: As participações, tanto nacionais quanto internacionais, foram fundamentais para engrandecer o nosso disco
e somos gratos a cada uma delas. O baterista norueguês Torstein Lofthus, da banda Elephant9, emprestou todo o seu
talento e energia para tocar as linhas de bateria completamente frenéticas que escutamos no disco. Falo sem medo
que é um dos maiores bateristas do mundo e recomendo que busquem ouvir Elephant9, Red Kite ou qualquer outro
projeto que ele esteja envolvido. O saxofonista e também norueguês Benjamin Mekki Widerøe vem de outra banda
que somos grandes fãs, o Seven Impale. Recomendo demais o disco City Of The Sun, um prog rock de altíssima
qualidade e originalidade. As passagens de saxofone trazem uma sonoridade de prog retrô que casa bem demais com
nossa estética, além de aumentarem a loucura quando as partes mais ácidas entram, como é o caso do final da faixa
título. Nosso conterrâneo Uaná Barreto executou dois solos de sintetizador que foram alucinantes. A reação de nós
quatro quando o cara entrou no estúdio e simplesmente saiu esmerilhando aqueles solos em um ou dois takes foi
marcante e nós sempre lembramos disso com risadas. Um músico de mão cheia, compositor e arranjador de alto
requinte. Por fim, Luís Souto Maior nos deu a alegria de adicionar toda aquela ambiência fantasmagórica no início da
canção Holoceno com seu sintetizador prophet. Novamente, é uma participação especial que soou muito natural
dentro do contexto do disco e da sonoridade da banda, e nós somos muito gratos por tudo que esse pessoal todo
trouxe para o nosso disco.

Headbangers Brasil: E em termos de shows, vocês têm tocado, como está sendo a divulgação e a recepção de
Holoceno nos palcos?

Raí: Quando do lançamento do disco, nós tivemos uma certa dificuldade para fazer shows, pois dois dos membros
da banda (Marco e Nichollas) estão morando fora do país perseguindo uma carreira acadêmica. Em razão disso, nós
passamos a estudar algumas boas possibilidades de levar Holoceno ao público e essas opções estão começando a
sair do papel. Acreditamos que ainda no fim deste ano a gente consiga executar o plano e tocar em alguns shows ao
redor do Brasil.

Nichollas: Muito antes do lançamento do álbum tivemos a oportunidade de tocar nas casas de show de João Pessoa
dividindo palco com grandes bandas locais como a Hazamat. Entretanto, houve uma confluência de fatores que nos
levou a estar distante dos eventos culturais: primeiramente deve se mencionar a pandemia do Covid-19, Holoceno foi
lançado em junho de 2021 um momento que o Brasil vivia o ápice da pandemia e que impossibilitava não somente
nós como várias bandas no país e no mundo de compartilhar suas músicas com a plateia. Outro fato preponderante,
foi a minha partida e a de Marco a trabalho para Europa. Desde então, nós nos reencontramos para executar
Holoceno ao vivo. Entretanto, já encontramos algumas soluções e acreditamos que estaremos tocando em breve.

Headbangers Brasil: Vocês têm planos para uma turnê Nacional, Internacional, qual o futuro do Papangu?

Raí: Como falei na resposta anterior, criamos uma forma de executar Holoceno, mesmo com a dificuldade causada
pela distância de Marco e Nichollas. Mas a nossa intenção é a de iniciar com uma turnê local, tocando em João
Pessoa e nas cidades mais próximas (Recife, Natal, ou até pelo interior dos estados mesmo) e em seguida expandir
para o nacional.
Quanto ao internacional, planos e sonhos não faltam, mas acreditamos que em 2023 a gente consiga levar Papangu
para fazer alguns shows pela Europa.

Headbangers Brasil: Impossível não perceber que vocês tem uma posição bem clara ante ao atual (des)governo
vigente, faltando menos de uma semana para as eleições, por favor, coloquem aqui todas as motivações do Papangu
em torno desse tema.

Hector: Gostamos de pensar que nosso som passa mensagens de forma sutil e dentro do contexto artístico da banda.
Sendo alguém que escuta Punk Rock, estou acostumado a ouvir letras com contestação social e política de forma
muito evidente, cantada através de slogans diretos e verdadeiros manifestos. Mas não é isso que fazemos com
Papangu. Nós preferimos tratar desses tópicos como subtexto dentro da nossa obra. Não há certo ou errado, pois
estamos falando de arte. Contudo, para Papangu, é o que funciona. Estamos vivendo em um cenário
verdadeiramente desesperador no que diz respeito à política e à preservação dos recursos naturais. Não apenas no
Brasil, mas ao redor de todo o mundo é possível testemunhar a ascensão de grupos da extrema-direita que possuem
projetos políticos de autoritarismo, violência de gênero, de raça, bem como fomentando a devastação completa do
meio ambiente. Se nossa arte consegue jogar uma luz sobre esses temas e, ao mesmo tempo, entreter e fazer com
que o ouvinte reflita sobre isso, considero que cumprimos nossa missão.

Headbangers Brasil: Pessoal, quero agradecer a vocês o tempo para nos responder, por favor, deixa aqui um recado
para os leitores do Headbangers Brasil, por favor. Abração.

Nichollas: Primeiramente gostaria de agradecer a todos que ouviram Holoceno. Demos muito anos de nossas vidas
até chegar no material final e estamos extremamente felizes com a repercussão que o disco causou. Para quem não
escutou ainda o nosso disco nós convidamos a escutá-lo nas principais plataformas de música.

Raí: Nós que agradecemos o convite para bater esse papo! E aos leitores, acompanhem nossas redes sociais que, em
breve, divulgaremos algumas novidades. Inclusive, para quem tá com sede de coisa nova de Papangu, recentemente
nós participamos de uma coletânea elaborada pelo blog Machine Music e lá nós lançamos uma versão alternativa da
música Água Branca. Não é uma música nova ainda, mas é um excelente tira-gosto para quem quer conhecer um
pouco mais do nosso som.

Foto por Malu de Castro
Foto por Malu de Castro