Devo começar essa resenha confessando algo: eu tenho uma lista de artistas que eu não sou fã, mas que eu tenho que ver pelo menos uma vez na vida pelo conceito histórico. Algumas vezes, como no Iron Maiden em 2022, eu passo a gostar mais ainda da banda. Em outras, como o Judas Priest em 2010, as coisas simplesmente caminham como começaram, com a banda no mesmo patamar inicial.

O dia 15/10/2024 apresentou para mim a oportunidade de poder ver o número um dessa lista imaginária: um Beatle. O BEATLE.

Para justificar tal posto, bom dizer que os Beatles são o tipo de banda que você pode não gostar, mas não tem o direito de questionar a grandeza. É simplesmente o começo de tudo. Podem não ser os seus heróis, mas é quase certo de que eles sejam os heróis dos seus heróis.

Com essa expectativa cheguei ao Allianz Parque, na Zona Oeste de São Paulo, quase em cima da hora (culpa do trânsito sempre caótico da cidade). Ao entrar no local, me deparei com um dj que estava fazendo o que eu entendi como prova de resistência de reality show: ele estava pegando versões de várias musicas dos Beatles e as reproduzindo com alterações bizarras no seu andamento, velocidade, estilo etc. Confesso que a versão de “Get Back” quase me tirou da disputa, de tão esquisita.

Por volta das 19:45 uma animação de torre com trilha sonora de diversas músicas dos jovens de Liverpool começou no telão, o que parecia significar que o show (previsto para as 20 horas) estava prestes a começar. Mas como o estádio ainda não estava lotado, como era previsto para a data (com ingressos esgotados desde o segundo dia de venda), 30 minutos de atraso para dar tempo para que todos cheguem para a festa.

Às 20:30 a banda entra e Paul já começa com “A Hard Days Night” (do álbum de mesmo nome) e a platéia vai ao delírio. McCartney está revezando a abertura dos shows nessa tour entre essa e “Can’t Buy Me Love”, que deve abrir o show de hoje. Para mim, abriu com a melhor das duas.

Aos 82 anos, Sir Paul McCartney era puro carisma. Segurando seu Hofner 500/1, interagia sempre com o público, inclusive em português, quando soltou um “e aí galera”, “o pai ta on”, “ os manos” e outras frases durante as quase três horas de show, todos gritaram.

Lembrando que, como eu disse no começo desse texto, eu não fui criado como fã dos Beatles, devo confessar que a primeira metade do show foi algo que eu esperava, um ótimo show de um ótimo músico. Ponto. Tiveram músicas que certamente todo mundo conhece como “Drive My Car”, “Gettin Better”, My Valentine” e “Love me Do” mescladas com outras que eu particularmente gostei bastante, mas não era algo que eu já tinha escutado.

Eis que um momento em especial virou todo o jogo. Quando uma plataforma no meio do palco sobe e temos apenas Paul, o homem, no palco com um violão, apenas, os primeiros acordes de “Blackbird” me fizeram mensurar o que de fato meus olhos estavam presenciando. Como uma espécie de divindade, fazendo o simples que parecia impossível ser feito. 

Na sequência, “Here Today” com fotos de John Lennon aparecendo no telão, enquanto Paul cantava me pegaram em cheio e eu simplesmente chorei. Mesmo não tendo em minha vida o hábito de ver a dupla Lennon e McCartney juntas nos álbuns e vídeos por aí, eu chorei como se passasse a entender ali o que significou essa dupla na história.

Em seguida, “Now and Then”, última música lançada pelos Beatles (composta com a ajuda de inteligência artificial) começou a ser tocada e o que se viu foi um mar de lágrimas tomando conta do Allianz. Momento mais que emocionante, já que essa é a primeira passagem de McCartney pelo Brasil depois do lançamento da faixa.

O Beatle não parou um minuto de interagir com a platéia. Seja conversando em português e inglês ou apenas fazendo poses (qualquer pose devida e merecidamente ovacionada, bom que se diga), e parecia satisfeito com a troca de interação com todos.

Na sequência veio uma avalanche de hits como “Lady Madonna”, “Something”, “Ob-La-Di, Ob-La-Da” e “Get Back”, além de “Jet” e “Band on the Run” do Wings. Para finalizar a primeira parte do show, Paul se acomoda em seu piano e toca a trinca sagrada: “Let It Be”, “Live and Let Die” e “Hey Jude”. Eu vou ter que pedir desculpas a você, caro amigo e amiga que está lendo essa resenha até agora, mas o sentimento de ver essas três músicas tocadas na sequência não se explica. Não porque não se quer, mas porque não se pode. E assim a banda agradece ao público e sai de cena.

Ao voltarem para um bis de mais 7 músicas, uma primeira surpresa: “I’ve Got a Feeling” conta com um “dueto” entre o McCartney atual com o vídeo de John Lennon do show que a banda fez em cima do prédio da Apple Corps em 1969. Emocionante ver que cada lado do telão mostrava um deles ao dividirem o refrão.

Na sequência, homenagem aos aniversariantes com “Birthday”, “Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band” e pesadíssima “Helter Skelter” mostram a trilha para o fim desse evento apoteótico, que se dá com “Golden Slumbers”, “Carry That Weight” e “The End”.

Show finalizado, Sir Paul McCartney pega o microfone pela última vez agradecendo a todos e nos animando com um “See You Next Time”, deixando o palco com a certeza e a calma de quem sabe exatamente o tamanho que tem, e o tamanho da aula que deu no dia dos professores.

Eu, particularmente, lamento ter demorado tanto para me dar a oportunidade de ver a história viva da música mundial na minha frente como eu vi agora. Claro, com 82 anos a sua voz, apesar de potente, já não é a mesma. Sua movimentação já não é tão ágil como outrora. Mas nada disso importa porque estamos falando basicamente do Criador. O maior professor da maior escola de todos os tempos.

Um Professor.

Um Beatle.

O Beatle.

O Professor.

Vida longa ao Sir Paul McCartney!

 

SETLIST:  

1 A Hard Day’s Night

2 Junior’s Farm 

3 Letting Go 

4 Drive My Car 

5 Got to Get You Into My Life

6 Come On to Me 

7 Let Me Roll It 

8 Getting Better

9 Let ‘Em In

10 My Valentine (Dedicada a sua esposa Nancy Shevell) 

11 Nineteen Hundred and Eighty-Five 

12 Maybe I’m Amazed 

13 I’ve Just Seen a Face 

14 In Spite of All the Danger 

15 Love Me Do 

16 Dance Tonight 

17 Blackbird 

18 Here Today (Dedicada a John Lennon)

19 Now and Then

20 New 

21 Lady Madonna

22 Jet

23 Being for the Benefit of Mr. Kite!

24 Something (Dedicada a George Harrison) 

25 Ob-La-Di, Ob-La-Da

26 Band on the Run

27 Get Back 

28 Let It Be

29 Live and Let Die

30 Hey Jude 

BIS

31 I’ve Got a Feeling (Dueto virtual com John Lennon) 

32 Birthday 

33 Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band 

34 Helter Skelter

35 Golden Slumbers

36 Carry That Weight

37 The End 

Texto por: Gabriel Furlaneto 

Fotos por: Marcos Hermes