Você gosta de ouvir histórias? Eu, particularmente adoro. “Mark Beck” seria a representação da união da genialidade de Mark Knopfler e Jeff Beck num só personagem. E quem contou esse conto, de forma magistral, diga-se de passagem, foi o guitarrista, compositor e produtor brasileiro Wagner Gracciano.  

Uma trilha sonora baseada na luta da fé, contra doenças e seu próprio significado existencial; o próprio encarte mostra esta busca incessante na representação da cena clássica de “O Sétimo Selo” (Ingmar Bergman, 1957), aliás, palmas para essa referência tão bem utilizada!  

Mas, vamos ao tão esperado faixa-a-faixa, afinal, o que todo mundo quer saber é o que podemos esperar dessa obra tão peculiar.

Dividido em 11 músicas, The History of Mark Beck traz momentos em que o personagem se depara com desafios que o fazem querer desacreditar de sua fé, além da própria sanidade.  

The Swing: Esse início ne remeteu, imediatamente, a um acordo feito numa encruzilhada. Esse blues tipicamente “made in Mississipi” que é tocado como prelúdio da história, mostra o caminho que o personagem percorreria durante a sua saga. Tecnicamente falando, a música possui progressões quem empolgam e surpreendem, principalmente aos 3:40 e aos 3:58 minutos, onde Wagner mostra, pela primeira vez, seu nível de criatividade. O solo de bom gosto tem virtuosismo sem exageros, assim como o nome sugere, a melodia nada na sua mente.  

Nota: 4,8 

 

Chaos: A bateria mostra, logo de cara, que teríamos algo bem disfuncional. Mostra o personagem em sua mais profunda dor e confusão. A harmonia remonta muito o que foi usado por Steve Vai em “Passion and Warfare”, de 1990, inclusive o timbre. O groove bem-marcado abraça o vocal com uma melodia crescente, com um coral que preenche quase todos os espaços “vazios” da música. Aos 2:50 minutos, uma progressão: o baixo introduz o que seria um solo com traços egípcios, tal como Ritchie Blackmore faria nos bons tempos do Rainbow. Aos 5:44 minutos, a música se transforma novamente, mostrando que há espaço para experimentações – um dedilhado que me lembrou muito o começo da banda Renaissance. O solo sequente tem um feeling ímpar; aos 7:55 minutos a música cresce, se tornando um verdadeiro épico digno de ser executado em Pompéia. O caos criou história!  

Nota: 4,9 

 

The Meeting: Todo mundo precisa de uma balada para chamar de sua. E a base de piano e voz traz força e sensibilidade, difícil de encontrar. O refrão cresce como uma oração que chega ao céu, com a guitarra fazendo pequenas inserções. A linha de vocal também não é óbvia, o que torna a audição uma experiência única. O solo tem um virtuosismo comedido, que não enjoa e nem um pouco monótono, seguido de um crescendo no último refrão, o que fez dessa oração uma obra prima.  

Nota: 5,0 

 

The Ceremony: Uma ode aos anos 80, mas não qualquer coisa – se você aprecia a fase Trevor Rabin no Yes e ama o disco 90125, com certeza vai curtir essa música! Incrivelmente existe uma bateria com levada de jazz fusion que combinou muito bem, muito experimental, de muito bom gosto. Detalhe para o coro de voz, que traz referências claras aos musicais da Broadway, principalmente All That Jazz. E para quem pensa que parou por aqui todas as inserções, um choque: um rap aos 3:37 minutos.  

Nota: 4,6 

  

Black Mind: Um início lounge e muito agradável. Uma mistura equilibrada de Sade com Teardrop, do Massive Atack, com vocal sussurrado, que traz muitas ideias férteis até o crescendo do refrão, onde ganha peso e explode com riffs de hard rock atual. Aos 4:05 minutos, quando você pensa que já aconteceu de tudo nessa música, o violão entra num dedilhado que parece fazer a trilha de um sonho, como se descrevesse um conto de fadas, mas segundos depois, Wagner sola e transforma todo o andamento em heavy metal tradicional, retomando o hard rock no refrão final. Uma música onde se encontra de tudo, mas que é tão bem amarrada, que não parece uma colcha de retalhos, ou um exercício de quem sabe fazer cromatismo e modos gregos e jônico… existe feeling, existe aquele tempo de respiro em que você, de fato, sente a nota e tudo o que o músico quis passar. É realmente uma experiência! 

Nota: 4,8 

 

  

Let Them Go: As guitarras bem-marcadas e os vocais bem agudos, num refrão que cresce. Infelizmente, essa faixa parece uma fórmula, algo encomendado… não convenceu. O refrão poderia ser facilmente encontrado na obra do Gothard e o solo, um virtuose clássico. 

Nota: 3,9 

 

Infinite Future: Sabe aquela música que poderia fazer parte daquele álbum conceitual perfeito? Aquele mesmo que você gosta… então vamos para o mix: imagine a mistura de Ayreon, Rick Wakeman com vocal do Fabio Lione (na época do Symphony of Enchanted Lands – 1998). E essa receita improvável deu muito certo!  

Nota: 4,3 

 

Fury: O peso volta para o álbum com uma mistura de Type O’ Negative com os primórdios do metal noventista. Então, quanto menos você espera, mais acontece (pelo menos é dessa forma que Gracianno apresenta sua obra), um industrial e dançante com teclados que nos levam ao primeiro hit do Beast in Black. O solo repleto de nuances e referências, emoldurado num tempo quebrado, por dois minutos, até desembocar num virtuosismo made by Steve Vai, numa base de bateria de bumbo duplo. Ou seja, uma confusão metalinguística muito bem desenhada para o tema

 Nota: 4,3 

 

I’m Here: Música para namorar? Temos! Um groove quebrado, que deixa a música mais interessante, até crescer, discretamente, no refrão, muito radiofônico. Mr Big com Ritchie Kotzen poderia representar bem o tipo de som reproduzido por uma faixa. 

Nota: 4,7 

 

Settlement of Scores: Uma introdução de violão que promete um hit apaixonante e confunde completamente o ouvinte. A música passa por um período complexo, até desaguar num exercício com ares de Angra, no Omini. O solo é construído dentro de uma harmonia que poderia ser uma irmã de Heroes of Sand (já que eu mencionei Angra anteriormente) – muito melódico e agradável de ouvir. Quando o vocal reaparece, introduzindo o solo final, sinos tocam, porque tudo se encaixa com equilíbrio e exatidão. Experiência incrível! 

Nota: 4,6 

 

The Father: A introdução mostra uma música terna, com clima de final de filme, o que casa certinho, por ser a parte derradeira do personagem Mark Beck. E eu, alucinada por filmes como sou, consigo imaginar claramente esse ser imaginário emergindo em meio a uma batalha vitoriosa. Mas depois de toda essa ambiência mostrada na faixa, uma série de progressões complexas ao estilo de Dream Theater  no início dos anos 2000, e acho que isso me desmotivou um pouco. Ela é linda, encanta, mas a mim não cativou tanto. O solo tem um feeling melodioso e, aparentemente, instintivo, mas a constante mudança de tempo e temas faz parecer uma grande apostila de preparo para uma prova do IGT (Instituto de Guitarra e Tecnologia – EMT).  

Nota: 4,1 

 

Óbvio que quando eu menciono qualquer referência não quero indicar que o músico fez um plágio, ou tentou ir por um caminho mais simples, apenas que, depois de tantos anos ninguém inventa uma nova roda, mas nada tira o mérito do talentoso Wagner Gracciano, que entregou uma história criativa, bem elaborada e que prende a atenção. Gostaria de ver esta peça encenada? Com certeza! Então, com base nisso, segue o meu apelo ao autor deste trabalho gostoso de ouvir, para pensar com carinho na sugestão, porque, para mim, tornaria a experiência ainda mais completa. 

 

Nota do álbum: 4,5 

 

A produção é muito boa e sem ruídos, delícia para ouvir tanto nos fones, quanto no carro, no último volume!  

Altamente recomendável! 

 

Ouça The History of Mark Beck, de Wagner Gracciano

 

Texto por: Amanda Basso