Em 1997, o Judas Priest não tinha o luxo de agradar fãs nostálgicos. Sem Rob Halford, ignorado pela mídia e competindo com um cenário dominado por metal extremo, a banda precisava provar que ainda era relevante — não como peça de museu, mas como força ativa.
A entrada de Tim “Ripper” Owens simboliza isso. Jovem, técnico, agressivo e com um alcance vocal absurdo, ele permitiu ao Judas Priest ir para um território que jamais teria sido explorado antes. Jugulator nasce como um disco de sobrevivência, raiva e afirmação.
O SOM: FRIO, VIOLENTO E SEM CONCESSÕES
Jugulator é o álbum mais pesado da carreira do Judas Priest. Afinações mais baixas, riffs rápidos e cortantes, bateria agressiva e uma produção seca criam um clima constantemente hostil. Há influência clara de thrash metal, groove metal e até de uma estética quase industrial, mas tudo filtrado pela identidade da banda.
Não é um disco feito para conforto. É um disco feito para confronto.
TIM “RIPPER” OWENS: A ARMA PERFEITA PARA ESSE DISCO
Ripper Owens entrega aqui uma performance monstruosa. Seus vocais são agressivos, rasgados, mas também extremamente controlados. Ele alterna gritos extremos, linhas médias ameaçadoras e momentos mais melódicos com naturalidade. Diferente do que muitos dizem, ele não “substitui” Halford — ele ocupa um espaço completamente diferente.
Jugulator simplesmente não existiria sem ele.

FAIXA A FAIXA
1. Jugulator
A música mais rápida e uma das mais pesadas do disco — e de toda a discografia do Judas Priest. O riff principal é construído em palhetada thrash, seca e direta, lembrando mais o metal extremo dos anos 90 do que qualquer coisa que a banda havia feito antes. Scott Travis conduz a música como um rolo compressor, sem dar espaço para respiro. Ripper entra de forma violenta, quase cuspindo as palavras, deixando claro desde o primeiro segundo que este álbum não vai pedir permissão a ninguém. Uma abertura agressiva, moderna e absolutamente destruidora.
2. Blood Stained
Mantém a velocidade alta, mas adiciona mais groove ao riff principal. A música trabalha muito bem a alternância entre ataque direto e pequenas pausas estratégicas, criando impacto constante. O vocal de Ripper explora variações de timbre, indo do agressivo ao melódico tenso, sempre com sensação de urgência. É uma faixa que mostra como o Judas Priest soube adaptar velocidade e peso sem perder identidade.
3. Dead Meat
Aqui o Judas Priest soa quase como uma banda de thrash metal puro. A música é curta, ríspida e extremamente direta. Os riffs são simples, mas cortantes, enquanto a bateria mantém um ritmo incansável. Ripper canta de forma mais crua, menos melódica, reforçando o clima de raiva e brutalidade. É uma das faixas mais agressivas do álbum e uma das mais subestimadas.
4. Death Row
Uma mudança de dinâmica importante no disco. Mais cadenciada, pesada e densa, a música aposta na construção de atmosfera. O riff principal é arrastado, quase esmagador, enquanto o vocal adota um tom mais ameaçador e controlado. A sensação é de claustrofobia constante, mostrando que Jugulator não depende apenas de velocidade para soar brutal.
5. Burn in Hell
Um dos grandes momentos da era Ripper. A música constrói um clima ritualístico, sombrio e opressor, com riffs pesados e espaçados. O refrão é forte, marcante e memorável, provando que mesmo em um disco extremo o Judas Priest ainda sabia criar ganchos eficientes. Ripper entrega aqui uma de suas melhores interpretações, equilibrando agressividade e presença dramática.
6. Brain Dead
Talvez a faixa mais “moderna” do álbum. O groove é repetitivo, quase hipnótico, com uma estética que flerta com o industrial metal. As guitarras trabalham mais na textura do que na velocidade, criando um clima frio e mecânico. O vocal segue essa proposta, mais contido e ameaçador. Uma música que mostra a coragem da banda em dialogar com o metal dos anos 90 sem parecer artificial.
7. Abductors
Uma faixa que cresce aos poucos. Começa mais contida, mas vai aumentando a tensão gradualmente. Os riffs são graves e pesados, enquanto a bateria sustenta um andamento firme e constante. O clima paranoico da música combina perfeitamente com o vocal de Ripper, que soa inquieto e agressivo. Um dos momentos mais atmosféricos do disco.
8. Bullet Train
Curta, direta e violenta. Aqui não há preocupação com construção elaborada — é ataque puro. O riff principal é simples, mas extremamente eficaz, sustentado por uma bateria implacável. O vocal é agressivo do início ao fim, reforçando o caráter urgente da música. Uma verdadeira pancada antes do encerramento épico.
9. Cathedral Spires
O fechamento grandioso. A música começa de forma mais contida, quase introspectiva, e cresce progressivamente até se tornar épica e dramática. As guitarras trabalham mais melodia e atmosfera, enquanto Ripper explora seu lado mais emocional. Um encerramento perfeito, mostrando que mesmo em sua fase mais extrema, o Judas Priest ainda dominava a arte da grandiosidade.
A RECEPÇÃO: CONDENADO ANTES DE SER OUVIDO
A recepção de Jugulator foi marcada menos por análise musical e mais por rejeição emocional. Grande parte da base de fãs simplesmente se recusou a aceitar um Judas Priest sem Rob Halford, independentemente da qualidade do material apresentado. O disco passou a ser tratado como um “erro” antes mesmo de ser devidamente assimilado.
A crítica especializada da época também se mostrou dividida. Enquanto alguns veículos reconheceram o peso, a ousadia e a tentativa legítima de atualização sonora, outros reduziram o álbum a um “Priest tentando soar moderno”, ignorando completamente o contexto dos anos 90 e o fato de que praticamente todas as bandas clássicas que sobreviveram naquele período precisaram se reinventar.
Com o tempo, Jugulator passou a carregar um estigma injusto: o de ser lembrado não pelo que é, mas pelo que representa simbolicamente — a ausência de Halford. Isso fez com que suas qualidades musicais fossem sistematicamente ignoradas, mesmo por ouvintes que jamais lhe deram uma chance real.
A INJUSTIÇA CONTINUA
A maior prova dessa rejeição não está no passado, mas no presente. O Judas Priest parece determinado a fingir que a era Ripper nunca existiu. Jugulator e Demolition seguem fora das principais plataformas digitais, não recebem relançamentos adequados, não são mencionados em retrospectivas oficiais e, principalmente, suas músicas não aparecem nos shows.
Isso não é apenas uma escolha artística — é uma tentativa deliberada de apagar um capítulo inteiro da própria história. Um capítulo que, goste-se ou não, manteve a banda ativa, relevante e criativa em um dos períodos mais difíceis do heavy metal.
VEREDITO FINAL: BOM OU BOMBA? — BOM. MUITO BOM.
Jugulator é um dos melhores discos do Judas Priest, não apesar de ser diferente, mas exatamente por isso. É o álbum mais extremo, mais agressivo e mais honesto que a banda já lançou. Um disco que não vive de nostalgia, não se esconde atrás do passado e não tenta agradar a todos.
O tempo foi cruel com Jugulator, mas também foi justo. Hoje, longe do calor da rejeição inicial, o álbum se revela como aquilo que sempre foi: uma obra corajosa, pesada e musicalmente sólida, injustamente sacrificada no altar da nostalgia.
Ignorar a fase Ripper não diminui sua importância.
Não apaga suas músicas.
Não reescreve a história.
Apenas expõe o quanto ainda incomoda admitir que, por alguns anos, o Judas Priest foi mais pesado, mais agressivo e mais ousado do que muitos fãs estavam dispostos a aceitar.
