Esta resenha demorou tanto quanto uma música do DREAM THEATER. A brincadeirinha não corresponde nem de perto a realidade, mas até que tem algum fundamento. O bonito show que fechou o mês de agosto (sim, já há muitos dias) para os headbangers paulistas no Tokio Marine Hall incluiu duas canções que passaram dos vinte minutos, uma de seus quinze e outras de dez e tantos.

Foto: Fernando Yokota

O quinteto de virtuosos se apresentou no meio de uma semana bem fria, trouxe a São Paulo o show completo da turnê em que divulga seu mais recente álbum, “A View From The Top of The World“, lançado ano passado. E era a capa do álbum que inicialmente era ostentada em vídeo no magnífico telão central, dando a certeza de que ele seria bastante evidente durante o show, embora se soubesse que não seria executado na íntegra como outros discos em outras oportunidades.

Apagam-se as luzes e o povo já começa a cantar junto na parte bem melodiosa de “The Alien“, a primeira canção do álbum novo a marcar presença, provando que o disco já foi bem assimilado pelos fãs. E o telão, que antes já não era uma imagem estática (alguns elementos da capa de “A View…” já se moviam discretamente aqui e ali) mostra que será um espetáculo à parte, mostrando imagens que casam (ou tentam casar) com o momento de cada canção. “The Alien”, assim como no álbum, é a primeira da noite. E mesmo sendo uma quarta-feira, o Tokio Marine Hall está quase completamente lotado (havia “vagas” para pôr o pé apenas em alguns camarotes). Além disso, quem foi lá foi pra ver o DREAM THEATER, então, nada de voltar pra casa antes do último acorde dos mestres do prog metal. E ainda na parte melodiosa da introdução o público já está cantando a melodia, mostrando que o álbum, ou pelo menos este single, já foi muito bem assimilado pelos fãs.

Foto: Fernando Yokota

James LaBrie (vocal) só se junta aos companheiros de viagem, John Myung (baixo e timidez), John Petrucci (guitarra e machado), Jordan Rudess (teclados e magias) e Mike Mangini (bateria, cama e mesa), quando chega a sua hora de cantar. Aliás, será o que ele fará durante todo o resto do show: invadir correndo o palco nas partes que tem letra, ausentando-se nas longas partes instrumentais.

É noite na capital paulista. Mas é hora de acordar. O relógio marca 6 da manhã. Óbvio que estamos falando de “6:00“, a mais veterana do setlist nesta turnê, incluída talvez para agradar os fãs que gostariam também de ver mais algum sucesso dos norte-americanos. Ao fim da canção (curta para os padrões dreamtheaterianos), o relógio marca 6:01. Sejamos enganados, não faz mal, nos deixemos ser enganados. Pensemos que só se passou um minuto. Estamos todos aqui de novo, pelas razões corretas.

Foto: Fernando Yokota

“Vocês estão entrando no verão, estamos entrando no inverno (na verdade no outono). Eu vou me bronzear por aqui”, brinca LaBrie, antes de mais uma do disco novo. “Awaken The Master” traz muita técnica, misturada a imagens incríveis. E do “Train of Thought” vem “Endless Sacrifice“, com o p público cantando o refrão.

O excelente “Distance Over Time” não contribuiu com nenhuma música para este setlist, mas, felizmente a pisada na bola “The Astonishing” também não. Mas, da fase Mangini, tivemos a belíssima “Bridges in The Sky“. Entre os guturais indígenas que marcam o início e o fim da canção, olhos molhados admiraram as muitas imagens que remetem a cultura maia no telão, às vezes até parecendo reais, como se tivéssemos um ator ali no palco como um xamã. E a música desfila.

Foto: Fernando Yokota

“É bom estar de volta. Todas as noites quando estamos no palco, vemos esses rostos bonitos. Infelizmente vocês têm que olhar para os nossos”, brinca mais uma vez o canadense. “Estamos aqui para celebrar o espírito humano”, ele conclui, mas também agradece aos pais que trouxeram menores de dez anos ao show, formando uma nova geração de fanáticos pelo “Teatro dos Sonhos”.

Invisible Monster” é uma canção importante, porque aborda um tema que vem deixando de ser tabu, mas ainda é muito grave e subnotificado, a depressão. E, como estamos já no Setembro Amarelo, vale lembrar que sua vida é muito importante. Você não está sozinho. E cuidar da saúde mental, fazer terapia não é coisa de louco nem nada de outro mundo. Quando você tem uma dor de dente, você não vai ao dentista? Então, se a dor é na sua alma, procurar alívio é basicamente a mesma coisa, tratar-se com um(a) profissional.

Foto: Fernando Yokota

Ok, voltemos ao show. “The Ministry of Lost Souls” também emociona o público. Há uma escada a subir no telão. Onde ela vai dar? Onde ela vai dar?

Luzes se apagam, mas em menos de uma música do Napalm eles já estão de volta com aquela dá nome ao álbum. Imagens de alturas, seja de escalada, corda bamba, wingsuit ou de avião mesmo aparecem no telão. E se cada um já teve mais de uma vez seu momento, chega a vez do baixista também. E, por falar no Myung, que bom que o som da casa permitia ouvir seu instrumento perfeitamente bem. A incrível canção tem 20 minutos. Dá tempo de ir também às profundezas. Nesses 20 minutos, a viagem vai do Everest às Marianas e volta. E vai até o útero.

Foto: Fernando Yokota

Quando eles voltam mais uma vez, o bis é com “The Count of Tuscany“, mais uma de seus quase vinte minutos, muito aguardada pelos fãs. Os caras realmente alopraram dessa vez, para alegria dos que amam a música do “Dremão”. Com mais muitas passagens instrumentais, LaBrie passa a maior parte do tempo fora do palco. E até mesmo Mangini sai da bateria e se senta ali atrás, fora da visão do público (mas não da minha) e fica batendo papo com o roadie, no trecho de “Rhapsody in Blue” só com Rudess e Petrucci. O mago dos sons faz com que a música estoure como bolhas de sabão ou fogos de artifício saindo de suas mãos. E as mãos do público se dedicam às palmas para acompanhar o trecho em que ficam só LaBrie e Petrucci.

Foto: Fernando Yokota

Algo que não podemos deixar de mencionar também é a iluminação. Toda a iluminação do palco combina com o que está sendo tocado no momento. É calma em momentos mais calmos. E é frenética nos momentos em que Rudess ou Petrucci tocam trezentas notas por segundo. E acabamos fazendo também uma descoberta. Tudo isso é controlado de forma completamente manual. Até pode haver alguma espécie de programação, mas notamos que há um profissional cuidando de tudo próximo à mesa de som. O sujeito sequestrou nossa atenção por estar praticamente tocando um instrumento. Suas mãos atacavam o aparelho que ele utilizava como se ele estivesse tocando um segundo teclado. Sim, o técnico era praticamente um sexto músico, mas, ao invés de seu instrumento soar música, ele soava luz.

De negativo temos que mencionar que, por determinação da própria banda ou não, não havia telão os mostrando. Os telões laterais da casa estavam desligados. E, se faltou “Pull Me Under”, que seria vista dali a poucos dias no Rock in Rio, a presença de “A View from the Top of the World” mais que compensa a ausência. E a voz de LaBrie estava muito menos, digamos, cansada também, fazendo do show de São Paulo um evento ainda mais bonito que o do festival carioca. Foi mais uma excelente noite com o DREAM THEATER.

Embora não tenha havido uma banda de abertura propriamente dita, do lado de fora do salão, no hall de entrada do Tokio Marine Hall, a banda Santíssima Trindade abriu e fechou o show tocando clássicos do metal. Quem chegou cedo ou ficou por lá, comemorando o showzasso do DT ou aguardando o Uber baratear, apreciou.

Foto: Daniel Tavares

Setlist

  1. The Alien
  2. 6:00
  3. Awaken the Master
  4. Endless Sacrifice
  5. Bridges in the Sky
  6. Invisible Monster
  7. About to Crash
  8. The Ministry of Lost Souls
  9. A View from the Top of the World

Bis

  1. The Count of Tuscany

Agradecimentos:

Tokio Marine Hall, especialmente Fábio Lopes, pela atenção e credenciamento.

Fernando Yokota, pelas imagens que ilustram esta matéria.