Estamos terminando o mês de setembro. Mas, além da Campanha Setembro Amarelo (que é muito importante para ampliação do conhecimento sobre suicídio e formas de preveni-lo – procure saber mais), nós, que somos Headbangers, não podemos esquecer do magnífico Festival Setembro Negro, uma produção da Tumba (capitaneada por Edu Lane, do NERVOCHAOS, a banda mais ativa do nosso underground). Depois de dois adiamentos por causa da pandemia de Covid 19, o festival finalmente aconteceu nos dias 2, 3 e 4 de setembro, reunindo nada menos que trinta atrações do mundo inteiro (10 por dia) de forma extremamente organizada, pontual, festiva e acessível. Passeando pelos diversos subestilos do Metal, desde o mais tradicional até o mais extremo, o festival trouxe ao Carioca Club e entregou nas mãos dos bangers (e em suas cabeças balançantes) as bandas Harakiri For The Sky, Brujeria, Conan, Masacre, Headhunter DC, Facada, Introtyl, Malefactor, The Black Spade, Heathen, Suicidal Angels, Weedeater, Helheim, Psycroptic, Gatecreeper, Knife, Neuroticos, Havok 666, Tribulation, Raven, Mork, Skeletal Remains, Soulburn, Inter Arma, Rot, Exterminate e Sodoma, com Ross The Boss, Vio-lence e Diamond Head como headliners.
Outro ponto extremamente positivo foi a manutenção do cast anunciado em 2020 quase completo. As ausências, devidamente informadas pela assessoria de imprensa do festival durante os dois anos de espera, foram todas justificadas. Algumas bandas infelizmente se desfizeram durante a pandemia, para duas outras não foi realmente possível conciliar a agenda com as novas datas e uma delas teve complicações relacionadas à saúde. Outras bandas de igual expressão, como, por exemplo, Soulburn e Inter Arma, foram encaixadas nos espaços deixados.
A Tumba nasceu em 1996 e o festival deste ano continua a história que começou lá em 2002 com a HATE ETERNAL e mais um cast brasileiro de peso, seguindo quase continuamente a cada setembro trazendo bandas gringas queridas pelo underground, mas sempre dando espaço para as nacionais. Com muita injustiça (de nossa parte), citamos alguns nomes que já passaram pelo festival: RAGNAROCK, DARK FUNERAL, ENTHRONED, INCANTATION, BELPHEGOR, GORGOROTH, MORBID ANGEL, AUTOPSY, KEEP OF KALESSIN, COVEN, VULCANO, AT THE GATES, AMEN CORNER, CIRITH UNGOL, AT WAR, LEGION OF THE DAMNED, EXPOSE YOUR HATE e EXODUS. Então, com absoluta ansiedade pela edição de 2023 (agora num mundo praticamente sem Covid), vamos aos shows de 2022.
Infelizmente, não pudemos comparecer aos primeiros dias de festival, quando se apresentaram as bandas THE BLACK SPADE, MALEFACTOR, las hermanas de INTROTYL, a figura monstruosa do grind-core nacional FACADA, os profanos baianos do HEADHUNTER DC, los hermanos de MASACRE (com um só S, como se escreve em espanhol), a lenda CONAN, aqueles que jamais serão tapa-buraco BRUJERIA, a HARAKIRI FOR THE SKY e ROSS THE BOSS na sexta-feira, a HAVOK 666, os distantes NEUROTICOS, a KNIFE, a GATECREEPER, a PSYCROPTIC (confira nossa entrevista com eles aqui: https://headbangersbr.com/exclusiva-com-o-psycroptic ) , a HELHEIM, a SUICIDAL ANGELS, a WEEDEATER, a HEATHEN e a estreia mais esperada no Brasil pelos thrash-maníacos VIO-LENCE.
No domingo, quem abriu o festival, ainda para um público muito pequeno (alguns ainda se recuperando de dois dias intensos de metal), foi a imunda obscura flamejante carnal (como eles próprios se denominam) matilha SODOMA, de João Pessoa, com um som calcado no Black e no Death Metal, mas cantado em português, o que é um atrativo adicional. Os paraibanos celebraram a participação no festival para lançar o álbum “Animaligna“, com destaque para o single “Furiosa“.
De um lado a outro do Brasil, sobe ao palco a EXTERMINATE, representando o metal do Rio Grande do Sul. A exemplo da banda irmã REBAELLIUN, com quem divide o baterista Sandro Moreira, o som da banda é um Death Metal bruto, pesado, mas com bons solos de guitarra de ambos os guitarristas. “Pray For a Lie“, que também dá nome ao full-lenght mais recente, foi um dos destaques, mas também temos que mencionar “The Days of Armageddon“, single lançado esse ano, além de “Blind Faith” e “The Bells of Damnation”. A última do curto set, “Doom“, foi a melhor deles e também aquela em que o baixo mais ganhou destaque.
Setlist
- Observe the Martyr
- Blind Faith
- Pray for a Lie
- The Days of Armageddon
- The Bells of Damnation
- Doom
Uma preocupação de quem nunca foi a um Setembro Negro é o cansaço que pode bater forte por ter que esperar pelo menos nove trocas de palco num dia como aqueles, até porque o Carioca não tem dois palcos (nem espaço suficiente para dividir o existente em dois). Mas, logo a preocupação se mostrou supérflua. Com a pulseirinha do festival os bangers podiam entrar e sair da casa para ver a luz do dia na frente da casa, conversar com os amigos (embora o frio atrapalhasse um pouco nessa parte), comer um sanduíche e, claro, “abastecer”, apesar de que a cerveja da Ashby Cervejaria estivesse bem em conta. Passear pelas banquinhas de merchandising, no entanto, acabava sendo um grande desafio. Era preciso ter muito autocontrole para não levar uma boa bagagem para casa (e entrar no cheque especial em pleno dia 2 do mês).
E a pontualidade do festival era certeza de que nem uma música seria perdida, nem mesmo quando se trata de um grind core rápido e nervoso, como o do ROT. Aqui o som é direto e reto, parando apenas para homenagear Alexandre Strambio, o Bucho, que a Covid19 levou no ano passado. “Salve, Buxo Eterno” disseram. A homenagem a ele, mais silenciosa, também estava estampada nas caixas de som e num cartaz que ficou no fundo da plateia até o final do festival. Além de um passeio pela carreira de inúmeros splits e full-lenghts, a banda também apresentou a cover do CRUEL FACE (banda da qual Bucho também fez parte), “Raiva e Rancor”, do single “Espólios da Revolução”, lançada este ano e ainda inédita até a data. Quem vê o setlist da Rot (confira abaixo) pensa que tocaram por umas três horas, mas só precisaram de 35 minutos para quebrar tudo e tocar umas três dezenas de músicas.
Setlist.
- Fanatical Monstrosity
- Religion Is Mass Dementia
- Like a Promise
- Indiferente
- Another Kind of Prison
- This Silent World
- Until It’s Worthless
- The State of the Denial of Humanity
- The Nausea
- Torpor
- Beyond the Evidence
- Hawkish
- Selfish
- Sadistic Creature
- A Part of Me
- Dethroned Certainty
- Decreased Possibilities
- My Enemy
- Russian Roulette
- Destroy Everything
- Cooperation Not Competition
- Subversive Not Alternative
- Technologic Error
- Your Scene Last Up… You Conceit Goes
- Neutrality
- Social Gear
- Raiva e Rancor (Cruel Face)
- Superfluous Feeling of Happiness
- Downtrodden
Quiseram os deuses do metal que a INTER ARMA entrasse no cast de 2022 do festival. E eles chegaram trazendo uma mistura sensacional e indescritível de doom, sludge e black metal, um dos shows mais bonitos de ver. O batera T.J. Childers foi ovacionado ao fim de “Howling Lands“, enquanto Mike Paparo, ao cantar, arregala os olhos, amaldiçoando todos. É banda para fazermos fila nas banquinhas de merchan caçando material logo que o show chegar ao fim. E, claro, depois desse aperitivo desejar que um show solo (do tamanho de um show de um DREAM THEATER) seja agendado para que eles possam desfilar seu repertório de canções longas e complexas, além de suas reinterpretações pesadas e malignas para astros como Neil Young e Crosby, Still & Nash.
Hora de dar um passeio com a perversidade com a SOULBURN (ou seria ASPHYX). Explico a confusão. A SOULBURN foi originada de membros do ASPHYX e até chegou a dar nome, por um tempo, à banda que lhe deu origem. Deste complicado Asphyxverse, hoje, apenas o guitarrista Eric Daniels permanece. Com personalidade própria, entretanto, a banda apresentou seu Death Metal com canções como “Tempter ov the White Light“, “Withering Nights” e “I Do Not Bleed from Your Crown of Thorns“. O vocalista/baixista Twan van Geel (guitarrista na LEGION OF THE DAMNED) não deixou de tomar sua cerveja durante o show e pedir para o público apontar os “chifres” para o céu.
Continuando o mini festival dentro do festival (uma vez que a SOULBURN seguiu em turnê com as duas próximas bandas do cast), vem a SKELETAL REMAINS, uma das mais esperadas do domingo. E fez a alegria da galera com seu Death Metal dos bons, misturando canções mais lentas e arrastadas a outras mais rápidas, favorecendo o mosh, mas sempre com metranca insana. Da nova safra do Death Metal dos Estados Unidos, a banda apresentou canções como “Tombs of Chaos“, do magnífico “The Entombment of Chaos” ou “Devouring Mortality“, do álbum de mesmo nome. Sim, podemos dizer que o som deles é até um tanto genérico, mas, quer saber? Quem se importa.
Thomas Eriksen e seus demônios trazem ao Carioca o MORK, pela primeira vez no Brasil, para dar fim ao mini festival dentro do festival. A banda norueguesa transformou o Carioca em um fiorde na fronteira de seu país com a Suécia. E dizer que a Escandinávia é frutífera em black metal é chover no molhado. Então foi uma sequência de lindas melodias negras, uma após a outra, como “Født til å Herske“, e “Arv“, ambas do álbum mais recente, “Katedralen“. “Está é sobre o legado e herança de nossos pais para os que vem depois”, disse Eriksen sobre esta última. “I Hornenes Bilde” também fez os fãs chegarem ao delírio e, claro, mandar chifres para o ar. A banda fechou o set de músicas cheias de melodia com “Dype Røtter”, raízes profundas, do primeiro álbum, e prometeu voltar (tinha dito estar muito contente pela recepção nessa primeira vez no Brasil).
Os Gallagher que não brigam tomam controle do palco logo a seguir. John Gallagher (vocal e baixo), Mark Gallagher (guitarra) e Mike Heller (bateria), sabendo do entusiasmo dos fãs, principalmente o pessoal mais da velha guarda, fazem até paradinha em “Hell Patrol” só para o público continuar. Com imensa alegria no palco, um curioso contraste com os corpse paints ou iluminação completamente rubra de algumas bandas anteriores, os dois irmãos, a despeito da idade, parecem duas crianças encantadas com um brinquedo novo, brincam, esfregam os instrumentos um no outro… o encanto é o mesmo entre os expectadores, que gritam “Raven”, “Raven”, “Raven”. John arrasa nos agudos em “The Power“, do “Metal City“, o álbum mais recente. Ele também não perde a oportunidade de zoar o baterista, bem mais novo que os dois irmãos. A propósito, Mike Heller também é baterista da FEAR FACTORY e, só para vocês terem uma ideia, nasceu no ano seguinte ao primeiro álbum “Rock Until You Drop“. E por falar nisso, claro que a canção de mesmo nome não poderia faltar. E digo de novo, John não economiza nos agudos. Aqui não tem playback não, rapaz. “Depois dessa bosta de pandemia é bom fazer um pouco de rock and roll”, diz ele. E “On and On” é rock and roll, é Heavy Metal por quem gosta de Heavy Metal para quem gosta de Heavy Metal. Mas o que é bom dura pouco. E nesse caso foi pouco demais. Depois de “Break the Chain“, com um pouco de “Iron Man” do BLACK SABBATH e “Long Way to the Top“, do AC/DC, vem “Wiped Out” com “a versão mais rápida que vocês já ouviram”, como disse John.
Setlist
- Take Control
- Hell Patrol
- The Power
- Top of the Mountain
- Rock Until You Drop
- Faster Than the Speed of Light
- On and On
- Break the Chain
- Wiped Out
O panorama muda. De alegria e energia dos tiozões, para o ambiente soturno dos jovens suecos da TRIBULATION, que teve um pouco de, digamos, turbulência (só para fugir de um trocadilho e cair em outro) para chegar em São Paulo. “A companhia aérea perdeu nossas bagagens, mas, mesmo assim estamos felizes por finalmente estar em São Paulo”, confessou o baixista e vocalista “Johannes Andersson”. O show dos suecos começa com “In Remembrance“, do belo “Where the Gloom Becomes Sound” e continua exortando a morte em canções como “Leviathans” e “Nightbound” e a linda “The Lament“. O show dos góticos (que pecado chamá-los assim) ainda contou com “Funeral Pyre“, “Hour of the Wolf” e “Lacrimosa” para fechar. Com belas canções e boa performance ao vivo, a TRIBULATION demonstrou que nada é obstáculo para tocar boa música.
Setlist
- In Remembrance
- Leviathans
- Nightbound
- The Lament
- Funeral Pyre
- Hour of the Wolf
- Lacrimosa
Diamond head
Tanto faz se você ouviu “Am I Evil” primeiro com o METALLICA, no encerramento do magistral DVD do Big Four ou com a banda que gravou originalmente a canção. O que importa é que o momento mais aguardado do último dia/noite de Setembro Negro também seria o último de todo o festival, a headliner da headliner, crème de la crème. A banda mais admirada pelo dinamarquês Lars Ulrich seria a última a se apresentar no palco do Carioca naquele domingo. E, arrisco dizer, era também a mais admirada não só pelo danês que citei, mas pela grande maioria do público presente, que tinha lotado o Carioca mais ou menos quando caiu a noite. Olha só como o rock e o metal se alimentam e retroalimentam. A banda, que tirou seu nome de um álbum de Phil Manzanera (ROXY MUSIC), chegou a ser dispensada da gravadora RCA por não conseguir vender um número interessante de álbuns, mas, antes disso, fizeram a cabeça do jovem Lars, que, mais tarde, seria o baterista da maior banda de Thrash Metal do planeta. O METALLICA (e não só ele, mas também o MEGADETH), por sua vez, ao afirmar seu amor pela música do DIAMOND HEAD, trouxe os caras de volta novamente ao sucesso. E, hoje, a banda da Califórnia é influência certa de um número que não se pode contar de outras bandas de Thrash Metal. Somamos a isso o fato de que só as covers que o METALLICA fez (“Am I Evil?“, “Sucking My Love“, “Helpless“, “The Prince“, “It’s Electric“) como parte de álbuns ou singles já rendem a Brian Tatler, guitarrista, o único membro original ainda na Cabeça de Diamante, dinheiro suficiente para viver muito bem. Felizmente, Tatler não se aposentou antes de vir tocar sua Flying V pela primeira vez no Brasil, acompanhado de outros veteranos e de um conterrâneo de Lars (seria coincidência), Rasmus Bom Andersen, nos vocais. Completam a banda o também “moleque” Dean Ashton (baixo) e os veteranos Andy Abbz Abberley (guitarra) e Karl Wilcox (bateria).
E é com a já citada “The Prince” que o show começa. E Tatler não se faz de rogado, já aqui ele arrasa na guitarra. O público canta junto e faz ôôôô em coro (como nos shows daquela outra banda de NWOBHM). Adiante, à altura de “Sucking My Love“, Rasmus, oferecendo cerveja ao público, disse que não sabia falar português, mas sabia dizer obrigado e pedir cerveja e isso era o suficiente.
Rasmus é eficiente e carismático. Claro que não é o Sean Harris (e, mesmo 18 anos atrasado, o desejo de ver a voz original dos primeiros discos do DH, inclusive o agora regravado “Lightning to the Nations“, é justificada), mas Rasmus sabe levantar o pessoal. Além disso, só ver Tatler solando já é de encher o olho d’água. “Vou ser uma estrela do rock and roll / vou apanhar as estrelas da minha rota / farei isso em um show em *São Paulo* “, canta ele, modificando levemente a letra de “It’s Electric” para homenagear a cidade que ora os recebia.
Depois de “Helpless“, Rasmus pergunta: “estão prontos para fazer história?”. A gente sabe que hora é essa. “Am I Evil?“. “Vocês são evil”, exclama ele enquanto dá uma de fã em show e filma o público. A plateia do Carioca virou palco. E numa música rápida e enérgica que se parece muito com um thrash metal (por que será, né?), o público faz roda. Roda que só cessa para o pessoal fazer air guitar durante o solo, enquanto Wilcox ataca a bateria com uma baqueta só. A outra aponta para o público. Pronto. Está feito. Nasceu o Thrash Metal.
Setlist
- The Prince
- Bones
- The Messenger
- In the Heat of the Night
- Lightning to the Nations
- Sucking My Love
- Sweet and Innocent
- It’s Electric
- Helpless
- Am I Evil?
- Streets of Gold
O aftermath do festival não teve apenas comentários do público elogiando o festival, o cast, a produção, a pontualidade, mas também músicos de diversas bandas. ROSS THE BOSS disse “todas as pessoas que trabalharam no festival foram totalmente profissionais e acolhedores! Para nós foi uma honra tocar no Setembro Negro e pretendemos voltar em breve”. E completou em português: “OBRIGADO salve e MATE !!!!”. A KNIFE agradeceu por tudo: “Festival incrível, organização incrível, público incrível! Nós erguemos a KNIFE (faca) para ti!”. A MALEFACTOR declarou “Muito obrigado a Edu e todos da equipe que nos receberam sempre da melhor forma. Todas as bandas tendo o mesmo tratamento, independente de nacionalidade ou ser nova ou antiga. Mais uma vez muito obrigado e esperamos retornar para tocar novamente, bem como comparecer também como público sempre que possível, porque é um Festival sensacional. Longa Vida Setembro Negro Festival”. Fechamos com o que disse a HAVOK 666: “Setembro Negro Festival é realmente um modelo de Fest para todos! Parabéns
pelo profissionalismo e dedicação! Uma honra para nós em fazer parte dessa história! Saúde e Sucesso a todos! 🤘🏾🔥”
Nós também agradecemos e elogiamos o profissionalismo do festival, a estrutura, a pontualidade (mesmo diante do desafio hercúleo de organizar trinta bandas de quase todos os continentes). Agradecemos também à LP Metal Press pelo credenciamento e acolhida.
Extendemos a homenagem a Bucho a todas as vítimas da Covid 19, especialmente Sílvio César, do BEOWULF e Carlinhos Perdigão.
Todas as fotos: Daniel Tavares