“A HQ TEM INÍCIO E FIM, MAS A HISTÓRIA REAL CONTINUA SENDO ESCRITA”
Narrada em terceira pessoa, embora possa o leitor absorver muitas passagens do ponto de vista pessoal do autor, a obra revela um quadro cuja paisagem remete a cenários áridos elaborados com riquezas de nuances que espelham tons ora intensos, ora desbotados. Desmistificando os bastidores do cotidiano de quem escolhe caminhar pelas veredas do underground da República.
Enredo: Brasil, 1964. Golpe militar e instalação do regime que tiraria direitos e liberdades básicas dos cidadãos. Se para nós, as coisas parecem difíceis nos dias de hoje, imagina nos anos seguintes a tomada de poder pelos militares. Um cenário tóxico no qual o controle exacerbado sobre a vida das pessoas comuns era normal. No rádio, música estrangeira para abafar o grito dos que ousavam questionar.
Os primeiros anos da década de 70 assinalam descobertas importantes. Não apenas a música importada da América, mas os movimentos genuinamente brasileiros despertaram a curiosidade dos irmãos Lopes para o que viriam a ser no futuro. O rock delimitaria ali, os primeiros contornos na vida dos “Brothers”. Já a segunda metade da década, apresentou os garotos ligados ao Punk em sua forma mais original. Grupos como Sex Pistols, Ramones, The Clash, Television e The Jam faziam a alegria dos manos “numa época em que quase nenhuma banda gringa tocava no Brasil”.
Momento da descoberta do “faça você mesmo” e a vontade de participar da cena contribuindo com algo relevante. Tocar um instrumento, ter o próprio fanzine, por exemplo. A década seguinte, os “românticos” anos 80, marca o início da abertura político-econômica. Mas o país, mergulhado na recessão, respira por aparelhos. Os militares, todavia, não largariam o osso de forma civilizada e partem para o terror contra todos os que representassem algum tipo de ameaça.
Nesse sentido, montar uma banda para denunciar a fome, a repressão e a alienação era a mais legítima forma de rebeldia. Assim, a batalha do metal nacional contra os abusos da autoridade instituída começa a ser travada muito cedo e a música dos Irmãos Lopes vai adquirindo caráter de contestação e envereda pelo caminho mais brutal.
É nesse contexto que, em 1983, nascia a banda Dorsal Atlântica. Fato este que mudaria para sempre as cenas Metal e Punk do brasil: a banda Desordeiros promoveu juntamente com a Dorsal Atlântica, o primeiro show no continente envolvendo punks e bangers. Um marco para promover a união das cenas, que por suas “ideologias” próprias, eram segregadas. De Antes do Fim (1986) à Straight (1997) a banda sempre se posicionou de forma contundente quanto às mazelas sociais, à alienação e contra os abusos do poder. Contudo, a Dorsal produziu aquilo que se pode chamar de “A trinca de ouro” do metal nacional: os discos Searching For The Light (1990), Musical Guide From Stellium (1992) e Alea Jacta Est (1994) contam uma história de três partes. História esta, pouco sabida em teoria. Antes, porém, vivida por cada um de nós brasileiros no ceio da família, na escola, no trabalho, nas ruas e nos bares, no teatro e nas artes de uma forma geral. A história de um país e de um povo que desconhece sua força e que dobra os joelhos diante da autoridade. Sendo contra isto, precisamente, que a banda, personificada na figura do seu fundador, Carlos Lopes, tem lutado durante todos esses anos.
Doze anos “depois do fim”, a luta continua com os discos 2012 (2012), viabilizado por uma bem sucedida campanha de crowd funding e Imperium (2014), grandes em forma e conteúdo. A história em quadrinhos da Dorsal Atlântica tem início e fim, mas a história real da banda continua sendo escrita com suor e sangue.
> Texto originalmente publicado no blog Esteriltipo. [Edição Revisada]
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