Quase 20 anos da música, um currículo repleto de trabalhos incríveis, uma voz e presença de palco de arrepiar qualquer um seja no campo erudito ou no popular e uma versatilidade admirável… Estamos falando de Carla Domingues, vocalista das bandas de metal M26 e No One Spoke e também soprano da Camerata Florianópolis, onde se consolidou como uma das performers mais versáteis do Brasil através do projeto Rock’n Camerata.
Importante mencionar que No One Spoke se encontra arrecadando fundos para realizar a gravação do primeiro CD da banda, confiram todos os detalhes na matéria que postamos recentemente sobre as ações voltadas para a campanha de financiamento coletivo: https://headbangersbr.com/no-one-spoke-live-e-agendada-para-ampliar-divulgacao-de-financiamento-coletivo/
Voltando a falar de Carla, podemos dizer que ela entrou na música em 2001 para nunca mais sair: natural de Canguçu/ RS, se formou como Bacharel em Canto pela Universidade Federal de Pelotas/RS e é Doutoranda em Música pela Universidade do Estado de Santa Catarina, também atua como solista em recitais, concertos e óperas a frente de importantes orquestras do Brasil, Uruguai, Chile e Itália.
Na agenda, ela ainda encontra tempo para ministrar aulas de canto e organizar masterclasses de canto lírico e popular. A última edição desta Masterclass, que aconteceu no final de Julho deste ano, contou com a presença da reconhecida soprano georgiana Nino Machaidze e participantes foram selecionados dentre os inscritos para apresentar uma peça a ser avaliada durante a sessão.
Conversamos com Carla sobre sua carreira, estudos, a presença feminina -cada vez mais forte- no rock e metal e seus projetos presentes e futuros:
Headbangers Brasil: Primeiramente obrigada por nos brindar um pouco do teu tempo. Você poderia nos contar como foi a sua entrada no mundo da música e especificamente no mundo do canto erudito e do metal? Foi amor à primeira vista?
Carla Domingues: Eu que agradeço o espaço! É muito gratificante poder falar um pouco sobre a minha trajetória, fico muito feliz com o interesse no meu trabalho!
Então, eu sempre cantei, desde pequena. Inicialmente tive contato com a cultura regionalista, pois fui criada no Rio Grande do Sul, então lá eu participava de Centros de Tradições Gaúchas, e ali eu tive as primeiras oportunidades de cantar, declamar e me apresentar. Depois, já na adolescência eu me mudei para Pelotas e ali eu comecei a fazer aulas de canto porque tinha recebido um convite para gravar uma demo com a M26 e queria então aprender um pouco de técnica. Foi aí que conheci o mundo do canto lírico e me apaixonei. Ingressei no bacharelado em Canto na Universidade Federal de Pelotas e ali me graduei, sempre levando em paralelo meu trabalho no meio metal, com a M26, depois a Vetitum.
HB: Quais foram ou são as suas influências dentro da música e em qualquer estilo? Houve ou há algum artista que te inspire a subir no palco?
CD: São dois mundos bem distintos né, às vezes se mesclam mas acredito que tenho influências bem distintas. No metal, desde o início uma voz que me tocou muito foi a da Anneke van Giersbergen. Eu me identifico com praticamente tudo que ela faz, acho que ela transmite um sentimento muito grande através da voz dela. Da mesma época, fim da década de 90 e início dos 2000, Liv Kristine, do Theatre of Tragedy, Floor Jansen, do então After Forever e Cristina Scabbia do Lacuna Coil foram grandes influências. Hoje me identifico muito com cantores como Lisa Gerrard, Devin Townsend, Mikael Akerfeldt e Joel Ekelöf, do Söen, que pra mim é um dos melhores cantores da atualidade. No meio erudito, Natalie Dessay, Edita Gruberova, Diana Damrau, Kiri Te Kanawa foram muito importantes na minha formação e mais recentemente tenho ouvido bastante Nino Machaidze e Nadine Sierra, além de escutar muito a pianista virtuosi, Marta Argerich, de quem sou fã!
HB: Quais as principais diferenças entre o mundo erudito e o popular em relação a preparação do artista e expectativas? O recepção do público é diferente? A tua preparação como performer difere muito entre um show da Camerata por exemplo e um show da No One Spoke?
CD: No meio erudito na maior parte das apresentações você vai interpretar obras que são consagradas na história da música, então existe um padrão pré estabelecido que as pessoas esperam ouvir, tanto a nível técnico quanto a nível artístico, o que gera uma pressão bem grande para o intérprete. Qualquer nota fora do lugar, qualquer deslize de tempo, tudo aparece mais. É um estilo que prima pelo impecável, pelo virtuoso, pelo domínio exímio do instrumento e isso pode ser amedrontador muitas vezes, até pela questão de que muitas vezes a voz fica soando naquele silêncio intimidador do teatro. No meio popular, eu trabalho muito com música autoral ou versões. Com a M26, Vetitum, Enarmonika, e agora a No One Spoke, eu subo ao palco para comunicar às pessoas aquilo que eu compus, então eu acho que isso já é uma diferença bem grande. A preparação para uma apresentação com a Camerata depende do do repertório que iremos apresentar. Quando fazemos o Rock’n Camerata, por exemplo, me sinto mais relaxada e de certa forma, tranquila, porque é um espetáculo que fazemos a mais de uma década e porque, por mais que tenha músicas complexas, como algumas árias de ópera que exigem bastante, a questão de envolver rock acaba me deixando mais à vontade.
HB: Imagino que você tenha um sentimento muito especial pela M26 sendo que vão se completar quase 20 anos que você faz parte da banda. Como era a Carla que subiu no palco com M26 pela primeira vez e como ela é diferente da Carla que faria um show com a mesma banda hoje?
CD: Sim! A M26 foi muito importante na minha trajetória! Muito do que eu aprendi em aula, eu colocava em prática nos ensaios da M26 nos finais de semana, então foi uma escola! Sempre foi uma banda com uma musicalidade e lirismo complexos. É bem difícil pra mim escrever e compor em português, me exige um cuidado imenso na escolha das palavras e por isso eu demoro muito mais para compôr pra banda. Mas, tocar na M26 foi uma escola também sobre como sobreviver num meio bastante machista. Se hoje ainda temos esse tipo de discussão no meio metal, imagina em 2000? Era bem complexo, não haviam muitas mulheres nos shows, por exemplo. A mesma coisa no palco, mas fico feliz que hoje tenhamos um cenário diferente, na minha opinião, ainda que longe do ideal. As primeiras vezes que subi no palco com a M26 era basicamente pra fazer vocais de apoio e fico muito feliz de hoje ter evoluído minha participação dentro da banda que tem músicos que sempre admirei muitíssimo.
HB: Agora falando especificamente da No One Spoke, não somente temos um casal na banda como também vários dos integrantes contaram e contam com projetos compartilhados entre o metal e o erudito. Exemplo disso é que você divide palcos com Iva tanto na Camerata como também na NOS. Como é fazer parte de uma banda que tem tanta parceria e colaboração entre seus integrantes?
CD: Tem pontos positivos e pontos complexos (risos). É bom porque temos muita afinidade para discutir ideias e fazer essas ideias se tornarem realidade. Por outro lado as vezes é difícil separar as esferas de relacionamentos, mas eu acho que numa banda tem que ter parceria entre os integrantes. Aí eu acho que as coisas fluem melhor musicalmente também.
HB: Em relação à Camerata Florianópolis, foram efetuadas algumas apresentações em formato drive-in devido às restrições de contato resultado da pandemia de COVID. Como foi esta experiência?
CD: A primeira apresentação foi muito tensa. Ninguém sabia o que esperar, como se comportar, se todo o cuidado seria suficiente para não se expor ao vírus, enfim, eu fiquei bem nervosa. Mas é algo que não vou esquecer jamais, com certeza. Marcou um momento importante da nossa realidade artística nesse ano de 2020 e eu acho que é um formato que veio pra ficar. Ao invés de aplausos, temos buzinaços e não deixa de ser emocionante. Era uma noite chuvosa, Concerto de Tributo ao Queen, e eu lembro que quando tocamos “Show must go on” eu fui às lágrimas, porque essa música define muito do ser artista nesse tempo louco no qual vivemos.
HB: Nos teus antigos projetos Vetitum e Enarmonika você costumava tocar contrabaixo além de cantar, duas atividades que são conhecidas pela sua dificuldade quando executadas ao mesmo tempo. Como foi pra você essa experiência e o que mudou agora que você está 100% focada na voz?
CD: Eu não posso dizer que sou uma baixista de verdade (risos). Eu comecei a tocar baixo em 2003, 2004, quando ficamos sem baixista na Vetitum e eu acabei quebrando um galho. Eu gostava muito de tocar, tanto que quando montamos a Enarmonika eu acabei assumindo o baixo também porque sentimos que o violoncello poderia ter um papel importante e que o baixo não precisaria ser tão rebuscado. Mas eu sempre achei minha performance vocal com perda de rendimento quando também tocava. Na verdade eu nunca me dediquei ao instrumento como deveria, acabei me voltando para a voz mesmo, então eu decidi que na No One Spoke seria apenas front-woman!
HB: Além dos projetos já mencionados, você tem algum outro projeto em andamento ou existe algum projeto ‘dos sonhos’ que você gostaria de realizar em algum momento?
CD: Eu quero muito um dia gravar um CD com árias de ópera, com Orquestra, mas eu acho que esse é um sonho que demanda uma estrutura bem importante, então eu não sei quando poderei realizá-lo. Mas eu prefiro pensar que um dia conseguirei.
HB: Qual a tua opinião sobre a participação feminina nos dias de hoje na cena de rock e metal nacional? Qual o conselho que você daria para as vocalistas que estão lutando para conseguir seu lugar e se destacar?
CD: Então, eu já falei um pouco sobre isso na questão da M26, mas eu acho que hoje temos um cenário muito mais favorável. Vemos muitas mulheres no meio e isso me deixa extremamente feliz e acho que temos que seguir firmes para a manutenção e ampliação desse espaço. É importante não deixar que haja nenhum tipo de retrocesso. No clipe da “Milonga para las Reinas” da NOS fizemos questão de ressaltar essa força feminina e ficamos muito surpresos com a resposta ao chamado que fizemos para a participação de mulheres no clipe, que teve um resultado final muito bonito e forte. Se eu tivesse que dar um conselho, acho que diria para as meninas buscarem sua autenticidade, tanto vocalmente falando quanto ao estilo musical ao qual se dedicam. Pra mim a música autoral é onde podemos expressar nossa arte, o que há de mais verdadeiro em cada um de nós, então acho que as pessoas que entram em contato com nosso trabalho percebem isso de imediato e vão se identificar mais com o seu trabalho se perceberem essa naturalidade nele.
HB: Mais uma vez, obrigada por responder às nossas perguntas. Você gostaria de deixar algum recado para nossos leitores e para seus seguidores?
CD: Eu gostaria de agradecer muito a você Angie pelo espaço e a todo o apoio e resposta ao meu trabalho que venho tendo nos últimos tempos. Tenho recebido mensagens de pessoas de vários cantos do país e isso me alegra muito! Espero que possamos logo voltar aos palcos e fazer música com o contato mais direto com todo o público!!! Fiquem ligados nas minhas mídias, da NOS e da M26… estamos preparando materiais muito legais e em breve vamos divulgar essas novidades! Valeu!!!!
milonga para las reinas
Créditos das fotos:…