Geralmente, quando os estúdios de Hollywood anunciam que lançarão uma adaptação de um livro muito querido para você, é natural aquele tradicional frio na espinha. Porque é óbvio que eles vão fugir da história, vão interpretar certas metáforas de uma forma diferente da que você interpretou, além de mudar tempo, ritmo e cadência de história. Fãs da saga Crepúsculo passaram por isso, Harry Potter idem, os nativos da Terra Média, então. Mas, se tem um clã de fãs sofredores nesse planeta, são os devotos de Anne Rice. A rainha do mundo vampírico de Nova Orleans criou uma nova forma de ver o vampirismo bem diferente do vitoriano Conde Drácula. Os vampiros de Rice continuam aristocratas, mas são mais perversos, insinuantes e com uma humanidade única. Drácula não era humano, apenas uma força que sabia muito bem o que queria e como conseguir. Mas o que dizer da comunhão de Lestat e Louis? As duas antíteses de “Entrevista Com O Vampiro”, que se completam. Lestat, o vampiro que despreza a humanidade por se sentir superior a ela, e Louis, aquele que morre toda vez que precisa matar para se manter “vivo”. Lestat carrega a dor de não ter tido poder de decisão sobre sua vida (pós – transformação) e Louis é o sofredor romântico perfeito que encontra na dor o alicerce de sua vida: viveu para morrer e reencontrar sua esposa e filha; morreu nas garras de Lestat; renasceu com o sangue de Lestat; sofreu diariamente por ter que se alimentar de pessoas; amou Claudia; cultivou a dor de sua partida, porque mesmo a dor da ausência de Claudia era melhor que a não existência dela em tempo algum. Louis é o puro suco do romantismo gótico!

O filme que estreou em 1994 com Brad Pitt, Tom Cruise, Antonio Banderas e a pequena Kirsten Dunst foi sucesso e envelheceu com aura cult, mesmo na opinião de devotos mais ortodoxos da Rainha Anne. Embora Lestat tenha sido vivido lindamente por Tom, a escolha dele foi questionada pela autora, que pessoalmente pediu desculpas ao ator por não ter acreditado em seu potencial. Lestat é o filho querido de Rice, é normal esse zelo exagerado. Fato é que esse filme, ainda hoje é muito bem falado quanto à sua construção. Graças a isso, 8 anos depois, os estúdios lançam o que prometia ser a apoteose de Lestat: “A Rainha dos Condenados”

Stuart Townsend como Lestat, durante o show no Death Valley CA. Foto: Reprodução Internet

Em 2002, a adolescente Amanda, ávida leitora e rata de biblioteca, já tinha lido um exemplar emprestado de Rainha dos Condenados e estava sedenta por ver o nascimento do que seria todo o mundo vampírico de Ms Rice. Ela pensou que veria Akasha e Enkil dizimando o reino, Maharet e Mekare violentadas e transformadas… mas nada disso aconteceu. O Egito não apareceu. Marius surgiu como o vampiro que transformou Lestat (quem leu, sabe que esse é o papel de Magnus) e uma salada de percepções é criada. A Amanda adolescente se decepcionou? Por incrível que pareça, NÃO! E isso não é mérito dos diretores, ou de Stuart Townsend, Marguerite Moreau ou até da Aaliyah. Esse mérito é de Jonathan Davis. Você o conhece como vocalista do Korn, ou de “maluco que chacoalha a cabeça enquanto canta Freak On A Leash”. Eu o conheço como o criador de Forsaken e da trilha sonora mais gostosa e incrível dos anos 2000. E o sucesso foi tão grande, que ele canta essa música em seus shows solo.

A trilha foi composta em parceria com o músico e produtor Richard Gibbs e é o suco do que era chamado o novato “New Metal”. Então, além das músicas compostas unicamente para o filme, nomes como Static X, Deftones, Chester Bennington, Papa Roach, Disturbed e Godhead estão presentes, abrilhantando ainda mais as performances boas dos atores, de um roteiro nem tão bacana. 

Marguerite Moreau como Jessie Reeves. Foto: Reprodução Internet

A Rainha dos Condenados é um filme de 22 anos, então se você, criança gótica (se é que ainda existe) não assistiu, a partir daqui estaremos lidando com spoilers. Akasha, a rainha de todos os vampiros, acorda de seu sono, chamada por Lestat e aparece para “salvá-lo”, no meio do show de sua banda, no Vale da Morte. Falando assim parece uma besteira, né?! Sim. E é. Mas é uma besteira tão legal, que passa batido. Os efeitos de frames aparecendo para demonstrar movimentos ultra rápidos estava em alta, graças a Matrix, então isso foi usado em quase todas as cenas de lutas entre vampiros. Depois desse resgate, não se sabe como, Akasha leva Lestat para uma mansão no meio do deserto da Califórnia, e começam uma cena tórrida numa banheira (bregamente) decorada com pétalas de rosas. Por isso que essa mulher demora pra aparecer, olha esses detalhes. Nessa cena, Change, do Deftones, começa a tocar e consagra o que seria uma total pataquada numa cena de prazer memorável. Para você ver como uma música é capaz de mudar toda uma cena. 

Cena de Akasha (Aaliyah) e Lestat (Stuart Townsend) na banheira. Foto: Reprodução Internet

Agora o que você não sabia é que uma pesquisa feita pela ZipHealth (página que tira dúvida sobre saúde, além de agendar consultas) sobre músicas que as pessoas usam para criar um clima durante o sexo, tem Deftones como a única banda de rock no top 10. Aliás, a banda ficou em terceiro lugar, atrás de The Weeknd e Kanye West. E quem é a culpada por Chino Moreno e sua turma figurarem nesta lista? Akasha, com sua dentada em Lestat na banheira, ao som de Change. São 22 anos habitando o imaginário da galera. O filme pode não ser dos melhores, pode ter uma porção de buracos na história e falhas comportamentais graves nos personagens, mas ele marcou uma geração que foi capaz de passar o legado de Jonathan Davis adiante.

Akasha (Aaliyah) mordendo Lestat (Stuart Townsend) na banheira. Foto: Reprodução Internet

 FAIXAS:

Not Meant To Me – Wayne Static (Static X)
Forsaken – David Draiman (Disturbed)
System – Chester Bennington (Linkin Park)
Change – Deftones
Redeemer – Marilyn Manson
Dead Cell – Papa Roach
Penetrate – Godhead
Slept So Long – Jay Gordon (Orgy)
Down With The Sickness – Disturbed
Cold – Static X
Headstrong – Earshot
Body Crumbles – Dry Cell
Excess – Tricky
Before I’m Dead – Kidneythieves 

Cena onde Maharet toma a morte de Akasha para si e se torna a nova Rainhas dos Condenados. Foto: Reprodução Internet

FICHA TÉCNICA:

Sinopse: Após várias décadas adormecido, o vampiro Lestat acorda determinado a brilhar no novo mundo que está perante si. Transforma-se então numa estrela de rock cuja música acorda Akasha, a imortal Rainha dos Condenados.

Estrelando: Stuart Townsend, Marguerite Moreau e Aaliyah.

Duração: 104 minutos 

Direção: Michael Rymer

Roteiro por: Anne Rice, Scott Abbott, Michael Petroni

Avaliação IMDb: 5,3/10

Streaming: Max, Prime Video (R$7,90)

E para quem pensa que o mundo da diva Anne está parado, muito se engana. A Prime Video tem em seu catálogo ainda uma série que conta a história de Entrevista Com O Vampiro e As Bruxas Mayfair. Para você que curte, vale a pena conferir.

Texto por: Amanda Basso