Reduzir o Slayer a meia dúzia de músicas clássicas é ignorar uma das discografias mais coerentes, brutais e influentes da história do metal extremo. Ao longo de mais de três décadas, a banda construiu um catálogo que vai muito além da velocidade e do choque: há identidade, evolução, risco e uma obsessão quase artística pela violência sonora.

Este “Além do Óbvio” mergulha justamente nas faixas menos celebradas, aquelas que não costumam encerrar listas de “melhores”, mas que dizem muito sobre quem o Slayer realmente foi em cada fase.

Show No Mercy (1983)
“Metal Storm / Face the Slayer”

O álbum de estreia ainda carrega fortes traços da NWOBHM, mas “Metal Storm / Face the Slayer” já aponta para algo mais ameaçador. “Metal Storm” funciona como um prólogo instrumental sombrio, quase épico, preparando o terreno para a explosão de “Face the Slayer”.

Aqui, o Slayer ainda não é o monstro que se tornaria, mas já demonstra uma agressividade acima da média da cena da época. Os riffs são rápidos, diretos, e a música carrega uma sensação constante de urgência. É o retrato de uma banda jovem, sem refinamento, mas com fome, raiva e identidade.

Haunting the Chapel (EP – 1984)
“Haunting the Chapel”

Essa faixa representa um divisor de águas. Se Show No Mercy ainda dialogava com o heavy metal tradicional, Haunting the Chapel rompe com isso. A música é mais escura, ríspida e com uma atmosfera claramente maligna.

Os riffs são menos “heroicos” e mais opressores, enquanto a produção mais crua contribui para um clima de ameaça constante. Essa música ajudou a estabelecer a estética que influenciaria não apenas o thrash, mas também o death e o black metal. É Slayer encontrando sua verdadeira voz.

Hell Awaits (1985)
“Kill Again”

No Hell Awaits, o Slayer dá um salto criativo enorme, e “Kill Again” é um exemplo perfeito disso. A música aposta em repetição, tensão e construção atmosférica, criando uma sensação quase claustrofóbica.

A letra mergulha na mente de um assassino, e a música reflete isso com riffs obsessivos e uma bateria que não busca apenas velocidade, mas impacto psicológico. É um Slayer mais consciente, mais técnico e disposto a explorar o desconforto como arte.

Reign in Blood (1986)
“Necrophobic”

Em um álbum onde quase tudo virou clássico, “Necrophobic” costuma passar despercebida — injustamente. A música é um ataque direto, sem respiro, onde riffs e bateria se atropelam em velocidade máxima.

Aqui, o Slayer abandona qualquer tentativa de atmosfera prolongada: é tudo imediato, violento e caótico. Essa faixa antecipa muito do que o death metal faria nos anos seguintes, mostrando como Reign in Blood não foi apenas um marco do thrash, mas um manual para o metal extremo.

South of Heaven (1988)
“Ghosts of War”

Após o impacto quase insuperável de Reign in Blood, o Slayer opta por desacelerar — e “Ghosts of War” é um ótimo exemplo dessa nova abordagem. A música mantém agressividade, mas trabalha melhor os espaços, os grooves e o peso.

A letra aborda a guerra de forma crua, sem heroísmo, reforçando o clima sombrio do disco. Musicalmente, os riffs são mais cadenciados, criando uma sensação constante de tensão. É Slayer provando que peso não depende apenas de velocidade.

Seasons in the Abyss (1990)
“Spirit in Black”

Uma das músicas mais subestimadas da carreira da banda. “Spirit in Black” aposta em riffs densos, quase ritualísticos, e um groove sufocante que domina toda a faixa.

Aqui, o Slayer atinge um equilíbrio raro entre brutalidade e controle. Nada é excessivo: tudo serve para construir atmosfera. Essa música mostra uma banda madura, confiante, capaz de soar ameaçadora mesmo quando não está no limite da velocidade.

Divine Intervention (1994)
“Killing Fields”

Abrir um álbum já com uma música tão agressiva quanto “Killing Fields” é uma declaração de intenções. O Slayer dos anos 90 soa mais seco, ríspido e menos preocupado com acessibilidade.

Este é um disco frequentemente subestimado, mas fundamental para entender a transição da banda após a saída de Dave Lombardo. A produção é crua, os riffs são angulares e o clima geral é hostil — refletindo um Slayer mais agressivo emocionalmente, menos “épico” e mais urbano e violento.

Undisputed Attitude (1996)
“Ddamm”

Embora Undisputed Attitude seja conhecido como um álbum de covers hardcore e punk, “Ddamm” carrega uma história peculiar.
A música nasceu de um projeto paralelo idealizado por Jeff Hanneman com Rocky George (Suicidal Tendencies), que nunca chegou a se concretizar como banda. O material acabou sendo absorvido pelo Slayer, ganhando uma versão brutal e direta.

Musicalmente, “Ddamm” é curta, seca e violenta, refletindo a ligação profunda de Hanneman com o hardcore punk. É uma faixa que expõe o Slayer longe do thrash tradicional, mas totalmente fiel à sua essência.

Diabolus in Musica (1998)
“Scrum”

Talvez o disco mais controverso da carreira do Slayer, Diabolus in Musica surgiu em um período dominado pelo groove metal e pela pressão por modernização, temos até um BOM ou BOMBA sobre o disco postado, leiam aqui.

“Scrum” sintetiza bem esse momento: riffs pesados, afinações mais baixas e uma cadência quase industrial. Ainda que rejeitado por parte dos fãs, o álbum mostra uma banda inquieta, tentando dialogar com seu tempo sem se tornar irrelevante. É um disco mais importante historicamente do que muitos admitem.

God Hates Us All (2001)
“Payback”

Lançado em um mundo pós-virada do milênio, God Hates Us All é um dos álbuns mais raivosos da banda. “Payback” é o melhor exemplo disso: curta, direta, sem solos e absolutamente hostil.

O disco representa um Slayer mais niilista, agressivo e minimalista, influenciado pelo clima de caos e violência da época. É um retorno à brutalidade sem ornamentos, com uma sonoridade seca e esmagadora.

Christ Illusion (2006)
“Supremist”

Com o retorno de Dave Lombardo, Christ Illusion soa como uma reaproximação com o passado clássico da banda. “Supremist” se destaca por seus riffs rápidos, temática política e energia thrash oitentista.

O álbum marca uma reconciliação do Slayer com sua base mais tradicional, sem soar como simples nostalgia. Há raiva, técnica e convicção — elementos que pareciam ter se diluído na fase anterior.

World Painted Blood (2009)
“Not of This God”

World Painted Blood é frequentemente visto como um sucessor espiritual de Christ Illusion. “Not of This God” é curta, veloz e violenta, remetendo diretamente à fúria dos anos 80.

O disco soa focado, agressivo e consistente, mostrando uma banda veterana ainda plenamente capaz de competir em intensidade com grupos mais jovens do metal extremo.

Repentless (2015)
“Implode”

Último álbum de estúdio da banda, Repentless carrega um peso simbólico enorme, especialmente por ser o primeiro sem Jeff Hanneman. “Implode” traduz bem esse clima: riffs esmagadores, atmosfera apocalíptica e um senso de colapso iminente.

Não há tentativa de suavizar o legado. O Slayer se despede mantendo intacta sua brutalidade, encerrando a carreira com dignidade e fúria.

Conclusão: O Slayer Além da Lenda

Explorar essas faixas é entender que o Slayer nunca foi apenas uma banda de hits. Sua verdadeira força está na consistência brutal, na recusa em se adaptar de forma confortável e na coragem de errar, experimentar e confrontar.

Os discos pós-1994 mostram um Slayer em constante conflito com seu próprio legado e com o mundo ao redor — ora resistindo, ora reagindo, mas nunca se rendendo. Mesmo nos trabalhos mais controversos, há verdade, identidade e propósito.

O “lado obscuro” da discografia do Slayer revela uma banda mais humana, mais violenta e, paradoxalmente, mais honesta. Ir além do óbvio é perceber que o Slayer não foi apenas um nome gigante do metal, mas uma força criativa que moldou o extremismo sonoro sem jamais pedir permissão.