Olá pessoal, Nayara Sabino aqui trazendo para vocês um “Bom ou Bomba” um tanto único.
Nesse “Bom ou Bomba”, mergulhamos em um álbum um tanto peculiar e extremamente conceitual. O álbum Dada é o último álbum da fase que conhecemos como sua “blackout era”, onde Alice Cooper afirma não se recordar de gravar 4 álbuns únicos devido ao excessivo uso de drogas. Dentre eles (Flush the Fashion (1980), Special Forces (1981), Zipper Catches Skin (1982), e DaDa (1983).
O álbum foi composto em circunstâncias tensas na época. Alice Cooper estava em Phoenix, AZ e não estava interessado em compor qualquer material. Porém seu contrato com a Warner Brothers, o obrigava a lançar um último álbum com a gravadora para que essa relação finalmente cessasse. Bob Ezrin, seu amigo e produtor de longa data, e Shep Gordon, seu manager até os dias de hoje convenceram com que o guitarrista e também amigo de Alice, Dick Wagner fosse até Phoenix, onde Alice residia, e reside até hoje, e depois que ambos fossem até Toronto para finalizar com a gravação. Segundo uma entrevista com o guitarrista, Dick Wagner, ele levava sua guitarra e teclado para a casa de Alice para escrever as músicas com o Alice Cooper e entre as ideias para títulos de músicas, como o álbum era seu último com a Warner, decidiram então criar um personagem que dá título a faixa “Former Lee Warmer” que soa foneticamente como “Formerly Warner” – ou seja, “ex-Warner”, uma alusão à ruptura de Alice Cooper com a gravadora Warner Bros. É um jogo de palavras típico dele, misturando ironia e identidade.
A capa do álbum, inspirada na obra “Mercado de Escravos com o busto desaparecido de Voltaire” de Salvador Dalí, sintetiza bem a essência do álbum: o surrealismo combinado com o movimento dadaísta. Onde aspectos do movimento como o absurdismo e “irracionalidade”, crítica à sociedade, uso do humor negro e uma estética experimental vão de encontro a identidade do álbum como um todo.
O álbum era o último de seu contrato com a Warner Bros, e infelizmente não teve a divulgação merecida. Entretanto, ainda sim o álbum se tornou um “cult classic” entre os fãs mais ávidos, considerando “Dada” como uma obra extremamente subestimada. Será mesmo?
Dada
A faixa título e também a primeira do álbum, começa com sintetizadores pulsantes seguidos pela voz de um bebê (que é a filha do icônico produtor do álbum, Bob Ezrin) dizendo as palavras “Dada”. Onde podemos interpretar sendo o filho (ou filha) do personagem principal do álbum, “Sonny”. Ao longo do álbum, vemos que a relação do personagem com seu pai também é bem conturbada, então a voz também pode ser a de seu personagem em uma regressão. A faixa segue ambientada no que podemos interpretar sendo uma sessão de psicanálise entre Sonny (interpretado por Alice Cooper) e seu psiquiatra (interpretado por Bob Ezrin). Ouvimos o personagem Sonny conversando de forma confusa com seu terapeuta. Ele menciona “sentimentos ruins” e fala sobre “seu filho… e sua filha”. O profissional o interrompe, lembrando que ele não tem uma filha, porém Sonny diz que ele tem um filho e uma filha (que parece ser irreal). Aliás, parece que a linha entre o que é real e o irreal é bem tênue ao longo da história:
Enough’s Enough
Depois da introdução surreal da faixa-título DaDa, “Enough’s Enough” surge como o primeiro momento “musical” propriamente dito do álbum. A música é marcada por sintetizadores, quase soando como um pop rock, mas envolto em um clima estranho e inquietante.
A batida é marcada e repetitiva e a aparente leveza sonora contrasta com a densidade lírica. É impossível falar desse álbum sem aprofundar na história do personagem pois assim que você presta atenção nas letras, está envolvido em um álbum cinemático com uma narrativa rica em detalhes. Inclusive, cada vez que ouço o álbum e leio as letras, uma nova teoria sobre o personagem principal surge. É como se você assistisse a um filme váris vezes e sempre notasse algo que passou despercebido. Aqui somos apresentados a infância conturbada do personagem onde dá a entender que ele tinha um pai abusivo que talvez tenha matado a sua mãe.
Um detalhe curioso envolve o verso “Go buck and buck and make a buck”, que gerou debates sobre se Alice realmente dizia essas palavras – (Muitos a interpretam como “Go f*ck and f*ck and make a buck”. Dando a entender que o pai do personagem abusava dele) – Brian Nelson, comentou em 1996: “Acredito que a letra de ‘Enough’s Enough’ foi cantada e mixada de maneira muito deliberada para causar confusão — um pequeno truque do Bob Ezrin. Algo parecido com o que o Prince fez na música ‘Erotic City’. As palavras na canção do Prince são ‘We could funk until the dawn’, mas parece outra coisa! E essa música tocava em praticamente todas as rádios Top 40 do país — algumas transmitiam uma versão editada por causa da polêmica. Se bem me lembro, o próprio Alice deixou claro que a letra era ‘Buck and buck’, e é assim que ela aparece na folha de letras.”
Nota: 7 / 10
Former Lee Warmer
Uma das minhas favoritas no álbum. A faixa abre um dos momentos mais sombrios do álbum. O arranjo de piano, sintetizador e guitarras contidas cria uma atmosfera sombria e melancólica. A letra pode ser interpretada de várias formas. A música descreve um personagem enigmático, chamado Former Lee Warmer, interpretado como um irmão ou alter ego (talvez uma das múltiplas personalidades de Sonny – onde no final da música, o narrador revela: but I don’t want to be Former Lee.) Será o personagem rejeitando uma de suas personalidades? A música tem vários efeitos especiais onde somos transportados ao ambiente retratado na música, com barulhos de portas velhas e utensílios. Há relatos de que o próprio Alice considera a música uma (se não a) de suas mais “assustadoras”. Realmente a música parece a trilha sonora de um filme de terror psicológico cheia de detalhes e ambiguidades. Nota 9,5/10
No Man’s Land
“No Man’s Land” é uma das faixas mais cinemáticas e narrativas de DaDa.
Musicalmente, a canção combina sintetizadores de época, bateria eletrônica e no final, uma pegada quase que country, criando um clima surreal e cómico. A música é uma narrativa cheia de humor negro e sátira, com rimas inteligentíssimas (bem camp, típico do Alice) contando a história de Sonny consegue um trabalho como Papai Noel em um shopping de Atlanta. O protagonista é abordado por uma mulher mais velha, que faz avanços sexuais explícitos e apesar do tom cômico, a música tem camadas simbólicas profundas onde aqui percebemos que o personagem realmente tem várias personalidades:
“She didn’t notice I was thin with a delicate chin
Nor the softness of my skin, nor the scent of my other personalities
She didn’t see through my disguise – didn’t see it in my eyes
She was in for a surprise when she discovered my emotional plurality”
É uma música um tanto engraçada com backing vocals que lembram muito as múltiplas vozes de “Go to Hell”
Nota – 7
Dyslexia
Ainda não decidi se amo ou tenho uma profunda estranheza por essa música. Apesar de esse parecer exatamente o intuito de Alice, o que faz ela ser estranhamente genial. “Dyslexia” apresenta um som quase new wave, com sintetizadores vibrantes e uma intro quase que repetitiva, Os timbres de teclado e os vocais repetitivos criam a sensação de um loop mental, perfeito para representar o tema ou, metaforicamente, da confusão interna do narrador. A música é cheia de sacadas geniais e sutis como a frase: “Is dis love? Or is dyslexia?” “Dyslexia” é uma joia estranha dentro de DaDa: divertida e absurda ao mesmo tempo. Nota: 6,5
Scarlet and Sheba
Logo nos primeiros segundos, “Scarlet and Sheba” se destaca pelo som hipnotizante e misterioso (arrisco dizer que uma pegada inspirada em músicas do Oriente Médio) marcada fortemente pelo som ritualístico do sintetizador com a guitarra de Dick Wagner. Enquanto boa parte do álbum é focada na história profunda sobre a(s) personalidade(s) do personagem principal, aqui mergulhamos em uma aventura BDSM entre o personagem e duas mulheres (Scarlet e Sheba) inspiradas em duas garçonetes que atendiam em um restaurante de coquetéis em Toronto onde o guitarrista Dick Wagner e Alice Cooper costumavam frequentar. Uma das minhas favoritas do ábum.
Nota 9,5/10
I Love America
O início da música parece uma continuação da anterior como se não houvesse um fim entre uma outra. Mas logo o tom é completamente mudado e mergulhamos em uma crítica cheia de sátiras ao patriotismo e à “família tradicional americana.”Alice brinca com o exagero, transformando a música em um esquete musical satírico, no qual ele ridiculariza a banalização dos valores americanos bem à lá “Elected”. A música é mais uma esquete cheia de efeitos sonoros, slogans, referências à cultura pop que mais se destaca pela sua letra e crítica social do que pela musicalidade em si.
Nota 6,5
Fresh Blood
Depois da sátira patriótica de “I Love America”, mergulhamos em uma música qna história do personagem apresentado aqui como um vampiro (ou serial killer) em busca de suas vítimas.
“All the neighbours never see me
But they wonder why I walk around at night
He gets hungry – I go hunting
In the moonlit streets
For somebody that’s right”
Onde diz “he gets hungry – I go hunting” dá a entender que a personalidade assassina sedenta por suas vítimas se esconde enquanto o personagem principal vai à caça onde não poupa qualquer perfil de vítima:
“Fresh blood, a sanguinary feast is all he’s living for
And he craves it more and more
Showgirls, businessmen in suits in the midnight rain
If they walk alone are never seen again”
A melodia aparentemente alegre contrasta intensamente com a sua letra “dark”. Meu guilty pleasure do álbum onde me sinto mergulhada em um thriller de terror ao mergulhar na música altamente detalhada onde sua história é mascarada pela melodia alegre.
Nota 9
Fresh Blood
Apesar de achar a melhor música de todo o álbum. Tenho uma imensa relação de “amor e ódio” com a última música do álbum. Digo amor e ódio pois a música é uma das mais tristes da história e, com certeza uma das faixas mais sombrias, confessionais e emocionalmente devastadoras de toda a carreira de Alice Cooper. – A todos os autores de listas com as músicas mais tristes da história, com certeza deixaram passar essa em branco. – A música é um paralelo entre o final trágico e autodestrutivo de Sonny e o estado mental de Cooper na época (que ainda bem, conseguiu se reerguer). A imersão começa com efeitos sonoros que nos transportam ao ambiente de Sonny: um suspiro pesado com o som de um drink sendo posto na mesa e, em seguida, o carregamento de uma arma. Estamos, assim, sendo preparados para a cena de um quarto de hotel onde Sonny se encontra à beira do colapso físico e mental, preso em um ciclo de alcoolismo e autodestruição. A letra soa dolorosamente autobiográfica, afinal, Cooper lutava contra a dependência química e vivia o que mais tarde chamaria de sua “blackout era”. O solo de Dick Wagner é o grande destaque da música, sendo um dos mais expressivos de sua carreira e simbolizando perfeitamente o lamento do protagonista. O final é marcado pelo personagem se s*icidando seguido pelas vozes do mesmo bebê que aparece no início do álbum dizendo “Dada”. É o ponto final da “blackout era” e, paradoxalmente, o prelúdio do renascimento de Alice Cooper, que poucos anos depois retornaria sóbrio e revitalizado com Constrictor (1986). Essa canção é frequentemente vista pelos fãs como a verdadeira confissão de Alice, e, em retrospecto, talvez tenha sido o grito de socorro mais honesto que ele já gravou. “Pass the Gun Around” é uma obra-prima trágica — ao mesmo tempo pessoal e teatral, bela e devastadora.
Nota 10/10
Mas no fim das contas, o álbum é “Bom ou Bomba”?
BOOOOOOOOOOM – O álbum é uma obra-prima cinematográfica em formato sonoro. O último da era “Blackout” de Alice Cooper e definitivamente, uma jóia perdida e subestimada por muitos.
