Quando o Kiss lançou Creatures of The Night no dia 13/10/1982, quase ninguem prestou atenção nos EUA. A banda vinha em uma enorme decrescente com a trinca “Dynasty”, “Unmasked” e “The Elder” e todo o peso e ferocidade do album não conseguiram se sobressair no marasmo que a banda enfrentava em sua terra natal.

Após ter fracassado com Bob Ezrin na produção do conceitual “The Elder” o Kiss resolve recrutar Michael James Jackson para tentar colocar a banda nos trilhos novamente. Já sem Peter Criss (substituído por Eric Carr em 1980), o Kiss logo sofreria uma segunda mudança de formação, já que Ace Frehley não toca uma nota sequer no album, apesar de aparecer na capa e no clipe de “I Love It Loud”. Para o seu lugar foi chamado Vinnie Vincent, com sua maquiagem de “Ankh Warrior”, ou “Kiss Místico” para quem assistiu o show de 83 no Maracanã transmitido pela Globo.

Há males que vem para o bem? Nesse caso sim, pois a falta de interesse na banda fez com que a banda viesse para América do Sul em 1983, trazendo a KISSMANIA para o nosso país, fazendo inclusive o último show com maquiagem da sua história no Estádio do Morumbi em 25/06/1983, até a volta da formação original em 1996.

Sobre o álbum, a primeira coisa a ser falada geralmente é o som da bateria do saudoso Eric Carr. O baterista fez o trabalho da sua vida aqui, com muito peso e muita técnica. O som característico que marcou uma geração inteira de fãs, que viam pela primeira vez do que a raposa era capaz, haja visto que ele só havia gravado até então “The Elder”, que é um album mais progressivo e as músicas inéditas da coletânea “Killers”, que tem uma pegada mais pop se comparando ao Creatures.

A potente Creatures of The Night é a faixa de abertura e de início o Kiss já mostra a que veio. Com um começo onde a bateria parece que vai sair pela caixa do som e atropelar voce como uma locomotiva, é sem dúvidas uma das melhores faixas de abertura de um album do Kiss, com Paul Stanley cantando muito e Vinnie Vincent mostrando a que veio em um solo de guitarra magistral.

“Saint and Sinner” é a faixa seguinte, e é a faixa favorita de Eric Carr, como me confidenciou a irmã dele, Loretta Caravello em uma entrevista realizada em 2023. Nela, nota se uma bateria menos reta e com um chimbal marcando de forma precisa durante toda a música. Nos vocais, Gene com sua característica voz mais feroz dos anos 80. Outra musica pé na porta.

“Keep Me Comin” é a volta do pé na porta, com Paul Stanley novamente cantando muito alto. Apesar do brasileiro tentar estragar o refrão da musica fazendo um trocadilho imbecil, é uma musica com pouco ou nenhum defeito. Novamente um trabalho excelente de Eric e Vinnie, com Gene Simmons fazendo uma linha de baixo interessantíssima.

“Rock n Roll Hell” novamente traz essa constância do album de trazer uma musica mais cadenciada após uma mais rápida. Uma curiosidade é que um dos autores dessa musica (e de outra que virá mais pra frente) é ninguem menos que Bryan Adams, aquele que tem a musica “When You Love a Woman” do filme do Don Juan, que voce certamente já dedicou a algum(a) namoradinho(a), mesmo que só na sua cabeça. Difícil imaginar que Rock n Roll Hell e Heaven sejam compostas pela mesma pessoa, mas o que se vê novamente é mais destaque pra bateria, que dessa vez faz uma bela dupla com o baixo quase cavalgante do Gene na maior parte do tempo.

“Danger” é quase uma irmã de “Keep Me Comin”, mesma fórmula de muita velocidade desde a primeira nota e refrão com o Paul elevando a voz. Nota se durante todo o Creatures of the Night que o Kiss estava quase tentando entrar no Heavy Metal. Muita potência, muito barulho (bom barulho, que fique claro). É uma ótima música, melhor que a citada como parecida inclusive.

“I Love It Loud” é o hino nacional brasileiro do Kiss. Se voce nunca gritou ‘Hey, hey, hey, yeah!” no seu quarto até seus pais virem brigar você está vivendo errado. Bateria marcando perfeitamente, guitarras e baixo em harmonia, vocal do Gene excepcional, refrão de arena, coro para interação com o público, clipe icônico e atemporal com uma bateria em cima de um tanque de guerra. Se voce ver o clipe de I Love It Loud pela primeira vez, provavelmente seu olho vai ficar igual o dos adolescentes no final do video e a sua vida vai mudar para sempre. Falo com conhecimento de causa.

“I Still Love You” é uma balada que por ter nascido em um album antes da explosão das bandas de hard rock e suas power ballads fica um pouco esquecida por quem não conhece a banda mais a fundo. É uma balada muito bem construída, sem os famosos exageros que viriam alguns anos depois. É o tipo de música que voce já entende que é de sofrer mesmo sem entender inglês, e no refrão, viradas de bateria maravilhosas com riffs de guitarra marcantes e Paul cantando sem exageros, dando o tom dramático que a musica necessita. E o solo do Vinnie é um show à parte. Costumo dizer que I Still Love You é musica pra sofrer mesmo sem ter por quem sofrer.

Olha o pé voltando lá na porta de novo! “Killer” é mais uma musica reta e pesada. Gene, que pra mim é o segundo maior destaque desse album, mais uma vez com sua voz característica mostrando que foi feito para esse tipo de música. Talvez seja a bateria mais simples do album.

O album se encerra com “War Machine”, a segunda musica que teve Bryan Adams como co-autor. A segunda musica de maior destaque do album comercialmente falando, tanto que perdurou por anos no setlist da banda, inclusiva na tour de despedida. Outra musica muito bem construída, com a bateria entrando de forma avassaladora após um riff potente de guitarra. Nos vocais, novamente Gene Simmons colocando seu lado “Demon” pra fora jogando toda a fúria necessária para que a musica fique ainda mais pesada do que já é. Raros foram os momentos em que Gene Simmons superou Paul Stanley no Kiss de alguma forma, mas certamente esse album está como o principal desses momentos.

De uma maneira geral, o Creatures of the Night não é um album que captura a essência do que é o Kiss de fato. Os primeiros álbuns são puro classic rock, com um som de bateria e guitarra com muito mais feeling do que peso. Após Creatures, o peso e velocidade ainda acompanhariam a banda no album seguinte, Lick It Up, mas a própria banda optou por levar adiante apenas as musicas menos viscerais desses álbuns para as tours seguintes, e na sequencia acabou embarcando mais no hard rock que vinha sendo tendencia na epoca. Porem isso não muda em nada o quão maravilhoso é esse disco. Pesado, forte, um recado para quem dizia que o Kiss tinha acabado, e um recado para quem dizia que o Kiss era só imagem e não sabia tocar. Na época, infelizmente para eles, foi um recado que ninguem ouviu. Felizmente para nós, eles decidiram mostrar pra gente nova e o Brasil que nem sabia que “Wanted the Best” finalmente “Got the Best”.

Abaixo, algumas curiosidades sobre o album

  • Creatures of The Night é o primeiro album de inéditas do Kiss a contar com apenas dois vocalistas. Até então todos os álbuns tinham pelo menos três integrantes cantando, e em dois deles (Love Gun e Dynasty) todos os membros cantavam em pelo menos uma faixa.
  • O nome do album seria “Rockin With The Boys”, sugestão de Ace Frehley, e seria o sucessor de Unmasked até Gene vir com a ideia do album conceitual.
  • Em 1985 o album foi relançado com uma capa completamente diferente, com os integrantes sem maquiagem e com Bruce Kulick, que só viria a integrar a banda em 1984, na capa no lugar de Vinnie Vincent.
  • Eric Carr, além de brilhar na bateria, toca baixo em “I Still Love You”

Texto por Gabriel Furlaneto

NOTA: 5 / 5