Um Ritual Negro entre Lendas e Devotos

Na noite de quinta-feira, 22 de maio, o palco do Carioca Club , em São Paulo, recebeu uma presença quase mítica: Beherit, uma das bandas mais cultuadas do Black Metal Finlandês. Foi a primeira apresentação da banda no Brasil — e, ao que tudo indica, também a última. Para os que acompanham o cenário desde os primórdios, presenciar essa noite foi como testemunhar a materialização de uma lenda que, por décadas, parecia inalcançável.

Em São Paulo, a banda apareceu como um espectro: subiu ao palco em silêncio absoluto, envolta em fumaça e iluminação frontal que escondia suas feições. Não havia conversas, sorrisos ou gestos ao público — mas não era frieza, e sim coerência estética. Beherit nunca foi sobre presença de palco ou carisma no sentido tradicional. Sua proposta é ritualística, transcendental. O palco se tornou um altar, e os músicos, os condutores de uma cerimônia obscura.

Logo após a entrada silenciosa, o show foi iniciado com uma longa intro de cerca de 10 minutos, composta por drones, ruídos e texturas ambient que ecoavam pela casa, mergulhando o público em uma atmosfera densa e hipnótica. Essa introdução foi essencial para estabelecer a aura ritualística da apresentação — como se estivéssemos prestes a presenciar uma invocação e não apenas um show de música extrema.

O público, ainda que inicialmente ansioso pelo atraso de uma hora e meia, entrou rapidamente no transe. Muitos ali haviam esperado a vida inteira por esse momento. Quando os primeiros riffs enfim emergiram das sombras, não houve explosão, mas sim imersão. O ambiente era de reverência: punhos cerrados, corpos balançando ao som hipnótico. Era mais próximo de um culto do que de um show de metal tradicional.

Canções como “Nocturnal Evil” e “Sadomatic Rites” fizeram o chão vibrar, não por sua intensidade sonora apenas, mas pelo peso simbólico que carregam. Cada música era reconhecida com expressões de puro assombro entre os presentes. Em vez de mosh pits ou gritos, o público reagia com uma energia introspectiva, visceral. Era como se os sons ancestrais e esotéricos da banda reverberassem dentro de cada espectador.

A conexão entre Beherit e o público brasileiro foi silenciosa, mas profunda. Não foi construída com palavras ou interação direta, mas com a linguagem que a banda sempre dominou: o som. Era nítido que os presentes compreendiam o significado daquele momento — não apenas por estarem diante de um nome histórico, mas por fazerem parte de um espaço onde o culto à escuridão, à música como experiência sensorial e à ruptura estética era celebrado em sua forma mais pura.

No fim da apresentação, sem bis, sem despedida, apenas com palhetas e a setlist aos fãs, o Beherit desapareceu do palco como havia surgido: em silêncio. O público ficou parado por alguns segundos, como se precisasse de tempo para retornar à realidade.

Atendeu totalmente às expectativas. É isso que a gente busca quando vem pro metal”, comentou um espectador empolgado.

Achei a apresentação muito bem construída, com um som poderoso e envolvente”, completou outro fã.

O Beherit não apenas tocou em São Paulo. Eles celebraram um rito com seus fiéis. Um encontro raro entre arte e abismo, em que o palco deixou de ser espaço performático e se transformou em portal. Para os que estavam lá, será difícil esquecer. Para os que não estavam, restará apenas a lenda — e ela seguirá viva, como sempre esteve.

TEXTO E FOTOS POR IZABEL SANTA FÉ