Domingo de sol, adivinha pra onde nós vamos?”, perguntava o impagável Dicró nos versos de sua emblemática canção Praia de Ramos, fornecendo uma opção recheada de sarcasmo, ao sugerir a fatídica praia para uma resenha de domingo. O saudoso sambista porém, não sabia que no coração da Baixada Fluminense também há opções para quem curte uma vibe sonora diferente. Foi apostando nisso que, que no último domingo (dia 05/10) Nova Iguaçu nos presenteou com um mega festival de rock n’ roll, que agradou em cheio a galera que era adolescente lá pelos anos 2000. Com um Line Up recheado de nomes de peso, uma atração internacional e muita energia, o que se viu foi um público incansável e animado, apesar do escaldante calor que açoitava os presentes no estacionamento da antiga casa de shows Rio Sampa.

Batizado de Rock Festival, o evento já está em sua terceira edição, com público cada vez maior, mostrando a força do gênero na região e ao mesmo tempo revelando como a carência de bons eventos de rock acaba por criar o mito de que o Rio De Janeiro não dá espaço ao som pesado. Apesar de contar com bandas que fazem os “troozões” e “tiozões do rock” torcerem o nariz na maioria das vezes, o festival foi musicalmente um sucesso, para um público impressionantemente diversificado, afinal, não deixa de ser engraçado ver a galera “trevosa” com blusa de bandas como Megadeth, Behemoth e Slayer, batendo cabeça ao som de Tarde de Outubro, do Cpm22, e com lágrimas nos olhos ouvindo Olhos Certos do Detonautas.

Zoeiras a parte, rock n’ roll é isso, liberdade pra se ouvir o que quiser, sem culpa, com o único intuito de se divertir e esquecer os problemas. Se você esteve lá, e se considera um cara do hard rock (como eu) ou do heavy metal, do mais tradicional e clássico aos subgêneros mais extremos, não se preocupe, sua reputação está salva. Afinal domingo de sol também é dia de rock bebê. Mas vamos às bandas:

Hevo84 & Debrix

Com meia hora de atraso na abertura dos portões, os paranaenses do Hevo84 subiram ao palco com a energia lá em cima. Uma pena que o público mal havia se acomodado quando a banda iniciou os trabalhos. Apesar disso o público cantou junto músicas como Verdades, Palavras Sinceras e Meu Mundo Sem você, fazendo a alegria dos emocores presentes.

Em seguida, já com o público no lugar, o Debrix subiu ao palco e fez um dos melhores shows do dia. Com visual hard rock, e sonoridade pesada mesclando grunge e classic rock, a banda fez um show competente e dinâmico, agitando o público e preparando todo mundo para o restante do festival. E olha que só estava começando.

 Fresno

O Fresno é uma banda que já pode ser considerada veterana, mesmo que seus integrantes às vezes usem uma entonação de voz meio infantilizada ao falar com seu público, o que de certa forma os deixa com ar meio forçado ao interagirem. Apesar disso, o show dos caras tem uma vibe bacana, com repertório repleto de músicas que todo mundo cantava (nem que fosse escondido) na época de escola. A única ausência sentida no set list dos caras foi Alguém Que Te Faz Sorrir (uma das mais belas canções deles), porém a qualidade musical da banda ao vivo em nada se parece com aquele sonzinho açucarado e insosso que tocava em baladinhas emo dos 90 e 2000. Com 26 anos de carreira, a banda provou que tem público fiel, que não se escondeu mesmo debaixo de um sol escaldante. O rock n’ roll vive na baixada, de fato.

Darvin

Logo após o show do Fresno, o Darvin tocou seu hardcore/punk/melódico cheio de letras adolescentes versando sobre namoro, paqueras e os dilemas da idade. Não deixa de ser estranho ver barbados de 40 anos ou mais cantando a letra de Pensa Em Mim a plenos pulmões, porém, ao lembrar que é uma música que já possui 17 anos passamos a entender os motivos de cada um. Música boa não envelhece, e música de verdade é aquela que marca a vida de alguém. Nesse quesito, o Darvin fez um show correto e enérgico, apesar do som um pouco embolado ao longo da apresentação.

Detonautas

A expectativa era imensa. O Detonautas, liderado por Tico Santa Cruz, já há um tempo vem sendo alvo de críticas por conta de sua orientação política e por conta disso, havia o receio de alguma manifestação política do vocalista, o que poderia gerar algum tipo de tensão no local. Acontece que o Detonautas foi ali pra fazer show e não política e quem saiu ganhando foi o público, independente do lado político de cada um. Ali, todos se uniram em celebração ao gênero, fazendo valer o preço salgado do ingresso e dos demais itens oferecidos lá dentro. E a banda não decepcionou, cantando todos os hits que já atravessam gerações, afinal o público era composto dos 40+ e suas famílias. Emoção na hora das baladas como Olhos Certos e O Dia Que Não Terminou e outras como Você Me Faz Tão Bem e a manjadíssima Quando o Sol Se For. Vale destacar a atitude de Tico Santa Cruz, ao perceber um fã passando mal por conta do calor, pediu para o público abrir espaço e acionou os bombeiros do local (fato que se repetiria no show do Cpm 22 um tempo depois.

Os Paralamas Do Sucesso

O público mais novo talvez pensasse que o Paralamas estava “de gaiato no navio” ou que a banda “entrasse pelo cano”, devido a natureza mais hardcore do festival, mas o que se viu foram os velhinhos mostrando porque são referência de musicalidade, brasilidade e qualidade. Herbert Vianna é um cantor de carisma inigualável, que cai como uma luva para a banda, de modo que nunca poderíamos imaginar os clássicos da banda sem sua voz. Ainda que sua voz esteja enfraquecida em alguns momentos, Herbert tem uma energia imensa, além de ser extremamente simpático com o público e tocar guitarra com o coração. A prova disso é que até hoje, músicas como Lanterna Dos Afogados tem seu solo cantado pelo público como se fosse vocal. O referido solo é sem dúvida alguma um dos mais bonitos do rock nacional, e as pequenas imprecisões de Herbert na guitarra ao longo do show deixam a apresentação mais orgânica, viva, real e sentimental. Confesso não ser um grande fã de Paralamas, mas desde a abertura com Vital e Sua Moto ao final com Meu Erro, o que se viu foi uma emocionante e nostálgica aula de rock nacional. Única crítica ao show foi a não inclusão de Romance Ideal e do cover da Legião Urbana, Que País É Este, no set list, que sim, fizeram falta pra quem estava ali pelo grupo. De qualquer forma foi um showzaço digno da história de Herbert e companhia. Máximo respeito a uma das bandas desbravadoras do rock nacional.

Raimundos

Após um período de respiro com o Paralamas e seu rock/ska melodioso e suingado, era hora de mais peso. Pra manter a pancadaria sonora em alto nível estava ali o Raimundos, e a banda entrou botando tudo abaixo. E não faltaram clássicos do hardcore nacional como Esporrei Na Manivela, Puteiro Em João Pessoa, Nega Jurema. Músicas mais radiofônicas também embalaram o público como as conhecidíssimas Mulher De Fases, A Mais Pedida, e a polêmica Me Lambe. Lógico que os fãs sentiram falta de Selim (outra polêmica também), mas foram compensados cantando a divertidíssima I Saw You Saying (That You Say That You Saw). O final apoteótico, com a aguardada Eu Quero Ver O Oco emendada com uma parte de Killing In The Name Of, do Rage Against The Machine lavou a alma do público presente, provando que o Raimundos pode sobreviver muito bem sem Rodolfo (que agora está convertido e em outra vibe). Um show divertido e caótico, no melhor sentido da palavra. O recado, Digão já dava com uma mensagem nas costas de sua blusa que dizia “Hoje Não Satanás”, de maneira crua e direta. Estava encerrado o melhor show da noite até aqui.

Cpm 22

Quem foi adolescente nos anos 2000 com certeza se pegou cantando alguma música do Cpm 22 na época, fato suficiente pra fazer com que a banda já entrasse no palco com o público na mão. Com apresentação empolgante e explosiva, a banda, que comemora 30 anos de carreira, continua fazendo bonito no cenário nacional, representando bem o estilo hardcore e agradando tanto o público emo quanto a galera que curte som mais pesado. Badauí é um showman e promove uma troca incrível de energia entre a banda e o público, deixando a noite ainda mais animada, com o calor dando uma pequena trégua nesse momento, parecendo preparar para o que viria a seguir. 

The Calling

Curiosamente a primeira atração internacional a fazer parte do Line Up do festival não encerrou a noite. 25 minutos após o encerramento do Cpm 22, os americanos liderados por Alex Band subiram ao palco e detonaram, fazendo um show surpreendentemente animado e pesado (para os padrões deles óbvio). A abertura com a melodiosa For You abriu caminho para o primeiro hit do grupo: Adryenne, cantada em uníssono pelo público com seu refrão empolgante. Quem acha que o The Calling só possui uma música de sucesso se surpreendeu, pois o repertório abrangeu músicas de seus 2 álbuns como Stand Up Now, Could It Be Any Harder e a tocante Hold On Me, além de uma música de Santana, Why Don’t You & I, lançada no álbum Shaman de 2002. Teve música nova também, Don’t You Cry, tocada ao vivo pela primeira vez e é claro que não poderia faltar Wherever Will You Go, pra alegria de quem conhecia apenas essa música e estava ali apenas pra ouvi-la. Aqui cabe uma crítica construtiva: as pessoas hoje em dia não apreciam um bom show, vão apenas para ouvir os hits manjados, sem sequer aproveitar algo inimaginável e porque não dizer histórico de ser ver em nossa cidade. Não é todo dia que temos uma banda do calibre do The Calling fazendo show por aqui, e se você duvida da fama dos caras é porque não conviveu com a sua música mais famosa tocando de meia em meia hora em cada rádio do país nos anos 2000.

O show foi excelente, porém após seu maior hit muitos pensaram se tratar do final do show ou até mesmo do evento, e deixaram o local. O encerramento do show veio com a animada Nothing’s Changed, com a promessa de retorno ao Brasil e de uma conversa mais longa em português por parte do vocalista. Alex Band é simpático, canta bem e tem um bom humor impagável, arriscando agradecimentos em português e até mesmo soltando um “tamo junto” arrancando risos do público. A experiência foi incrível, apesar de alguns problemas técnicos, como o violão de Alex sem som em alguns momentos e seus pedais perdendo sinal em outros momentos. A banda estava visivelmente alegre, e o público ficou satisfeito, no fim das contas.

Strike & Dibob

Já passava de 1h da manhã quando o Strike subiu no palco. A ordem dos shows foi alterada, é fato, o que, especialmente no final (com o público esgotado pelo calor e pela maratona), tirou um pouco o brilho do festival, já que ao fim do show do The Calling muita gente já havia deixado o local. Quem ficou curtiu e muito, pois o Strike apresentou um repertório calcado em hits como Aquela História, Paraíso Proibido, O Jogo Virou e Céu Completo além do bom cover Papo Reto (sexo é prazer o resto é negócio) do Charlie Brown Jr, que manteve a animação do que restou do público.

Em seguida veio o Dibob, inexplicavelmente fechando um festival dessa magnitude. Sem desmerecer os caras, mas num festival com tanto nome de peso chega a ser frustrante encerrar dessa forma. Quem ficou até o fim presenciou um bom show, apesar do som prejudicado desde a apresentação do Strike. De certa forma o horário que as 2 bandas subiram no palco foi ruim tanto para o público quanto para as bandas.

Entre erros e acertos, o Rock Festival provou que veio pra ficar, teve apoio do público e já nos deixa com aquela vontade de saber quando será o próximo. Pra quem insiste em dizer que no Rio De Janeiro o rock n’ roll morreu, a Baixada Fluminense mostra sua força e coloca o estilo de vez em seu calendário. O rock n’ roll respira e a baixada vive. Ao menos nesse fim de semana, a baixada respirou rock n’ roll. Que venha o próximo.

         

 

                                           

 

             

 

                       

 

 

                 

 

    

TODAS AS FOTOS POR MIDY CRIS.