O que é um show de Heavy Metal?
Se você respondeu que é apenas uma banda num palco tocando música pesada, com boas doses de virtuose, distorção, agressividade e, por vezes, em alta velocidade, diante de uma plateia praticamente hipnotizada, você até chegou perto da resposta, mas, sinto dizer, você ainda não está completamente correto.
Heavy Metal é isso aí sim, mas é ainda um pouco mais. E esse pouco é o componente essencial. Heavy Metal é também paixão. E essa paixão é que faz o Heavy Metal ser uma festa. E festa é o circo, que, junto com o pão, nos mantem vivos, leva nossas pernas de um ponto a outro no cosmo, transforma nossas cabeças de caras espinhentas em calvas ou grisalhas. É a festa que faz com que nossos corações, embora não acelerem à frequência das blast beats, batam vigorosamente. E festa também é onde encontramos os nossos amigos, e fazemos mais alguns deles, e estamos todos assim felizes da mesma forma, os corações batendo com o mesmo vigor, a mesma taquicardia saudável.
E o que aconteceu na sexta-feira com Edu Falaschi e seus convidados, 12 de agosto, em Fortaleza (e se repete hoje, 21, em São Paulo) é um verdadeiro show de Heavy Metal. Continue por aqui e vamos ver como foi.
Fotos: Juscelino Blow
Edit: A propósito, o show em São Paulo também já aconteceu, dessa vez com produção completa e gravação de DVD (que em breve estará nas mãos do João Daniel, meu filho – foi seu primeiro show de Heavy Metal e, digo, começamos com o pé direito). Agora Edu continua percorrendo o Brasil, de Norte a Sul, com os dois álbuns na bagagem em outubro e novembro, enquanto se prepara para shows na Argentina e Chile (em dezembro) e no Japão (em fevereiro). Será que vai rolar Saint Seya na Terra do Sol Nascente?
JACK THE JOKER
Para abrir a festa, a cearense Jack The Joker trouxe o seu prog/djent de lindos solos de guitarra para o palco do Complexo Armazém. O quinteto formado por Raphael Joer (vocal), Ray Ângelo (baixo), Vicente Ferreira (bateria), Felipe Facó e Lucas colares (guitarras) subiu ao palco pouco antes das 9 da noite. Era a primeira vez depois de quase 3 anos, praticamente o tempo em que ficamos de molho por causa da pandemia. “É bom rever todo mundo”, disse Joer. No set, pouco extenso, mas arrasador, teve até solo de baixo, embora discreto (como um baixo, ora). E acompanhar a mudança de ritmos e o trabalho de Vicente, baterista de mil bandas cearenses, é um show à parte.
“Awake” e “Darkness No More” levantaram o público. Esta última é um absurdo de quebraçåo, uma viagem por vários ritmos (às vezes mais de um ao mesmo tempo), mas tudo encaixando perfeitamente e arrancou gritos impressionados da galera. A banda também apresentou uma música inédita, que seria tema do terceiro disco, representando o nosso estado com versos como “Welcome to the Land of Light”. Ritmos nordestinos estão aqui, seja no timbre da guitarra, seja na dedilhada do baixo, mas a bateria não seguiu no caminho fácil da batida característica do forró, ainda assim a canção é pintada com tintas realmente nordestinas. A festa da JACK THE JOKER não poderia, porém, terminar com outra senão “Brutal Behavior“, seu cartão de visitas e maior sucesso, uma canção que estende os limites do prog (ei, isso é possível?), praticamente um soul-metal.
EDU FALASCHI
Depois de dois shows sold-out, Edu Falaschi chegou em Fortaleza para, adivinhem, mais um show Sold out. Finalmente, chega o dia do reencontro (ou do primeiro encontro, para alguns) com Aquiles Priester (bateria), Fábio Laguna (teclado), Roberto Barros e Diogo Mafra (guitarras), Raphael Dafras (baixo), Raissa Ramos e Fábio Caldeira (backing vocals), além do próprio Eduardo (que não é o tal primo deste ou daquele), mas um dos artistas mais presentes no cenário metálico nacional.
E exatamente às 10:28 da noite tem início uma acirrada competição. É a banda no palco tocando “Nova Era“, música que abre o famoso álbum “Rebirth” fazendo das tripas coração para vencer a multidão cantando logo abaixo. Nenhuma surpresa estava prometida para o show. Sabíamos de antemão que logo após teríamos a linda “Milleniun Sun“, pois o roteiro do espetáculo, já bem conhecido previamente, era a execução, na íntegra e na ordem, dos álbuns “Rebirth”, que marcou a estreia de EDU FALASCHI no ANGRA, e “Vera Cruz“, seu álbum solo, lançado ano passado. Mas não seria bem assim. Continuemos vendo.
Durante as primeiras canções do show, Edu interage com o público com muitos gestos e sinais, mas não para pra conversa (afinal, num show com dois discos não dá pra parar muito). Nessas interações até dá para perceber que tem alguma voz que não está propriamente saindo do microfone. Paira a dúvida se há ou não o tal do playback ou se toda a ajuda que tem chegado vem ou do público ou das vozes de Raíssa ou Fábio.
Mas, quer saber, isso nem importa.
O que importa é a festa.
E a festa está boa?
Está sim senhor.
E os gritos do público tem o nome do artista como aclamação. E é ao final de “Unholy Wars” que ele finalmente ele começa a conversar com o público. “Faaaala Fortaleza”. Reclamou do calor, mas disse que não ia tirar a jaqueta porque tinha prometido usar há 20 anos. “Vamos voltar no tempo e eu quero ver vocês cantando comigo”, diz Edu começando a dedilhar no violão estrategicamente colocado naquele momento. Sim, havia uma razão para interromper o show. Era “Rebirth“, o ponto mais alto do álbum que, na época de seu lançamento, marcava o “renascimento” do ANGRA, com novo vocalista (o próprio), novo baixista (Felipe Andreoli) e novo baterista, o polvo que ocupava o ponto mais alto do palco naquela noite, Aquiles Priester.
Depois de tão forte emoção, o show começa a ser mais fluido. A casa estava cheia e estava conquistada. Até parece que não estaria, né? Edu fala sobre o fim da pandemia (que parece estar chegando) e apresenta a banda. Teve até vaia cearense pra Fábio Caldeira (Maestrick) que nunca tinha vindo ao Ceará. Se você nunca foi ao estado de Iracema e do Bode Ioiô não adianta que eu tente explicar o que é essa vaia. Apenas entenda que Caldeira foi muito bem recebido sim.
Ainda nas apresentações, Edu faz questão de pontuar que em sua opinião, Roberto Barros e Diogo Mafra são a melhor dupla de guitarristas de Power Metal do Brasil, enquanto Aquiles seria também o melhor baterista de Power metal de todos os tempos. E quando o Polvo sai de trás de seus bumbos e pratos e vem para a frente do palco parecia que era o Vozão metendo um golaço. “Boa noite, Fortaleza, capital do metal do Brasil. Esse show a gente tá fazendo porque vocês merecem. Vamos entregar o melhor show de heavy metal que vocês já viram pós pandemia”, diz o baterista. E ele apresenta “o alemão”, “capitão do navio Vera Cruz”. Pronto, foi outro gol. Agora do Leão.
Mais tarde, o público estaria gritando até Saint Seya e alguns problemas técnicos trouxeram, sorte nossa (sim, sorte, acompanhe), as surpresas da noite, presentes exclusivos para Fortaleza, uma terra em que Edu dissera ter sido uma das que ele mais gostara de tocar nestes últimos 20 anos. O que deveria ser “Running Alone” foi um snippet de “Wish You Were Here“, do PINK FLOYD, com público cantando e Edu na guitarra. E ele emenda justamente com “Pegasus Fantasy“, que o público já estava pedindo e, claro, canta junto. E Edu aproveita para mostrar que pode mandar uns agudos que ninguém terá nada o que falar contra, nem mesmo o tal primo do Eduardo. Esta longa intro de “Running Alone” é complementada por “Wasting Love“, a “romântica” (entre muitas aspas) do IRON MAIDEN. Benditos problemas técnicos. Que outro show teria momentos como aquele, exclusivos e de perfeita interação entre artista e público. Ao invés de reclamar, ou se irritar (pelo menos visivelmente), Edu carrega a festa nas costas, bate o escanteio e ainda chega na frente do gol para converter. Agora, o gol foi do Ferrim (Ferroviário).
Um intervalo entre um disco e outro é necessário para que todos, tanto artistas quanto público, recobrem as energias. E, mais perto da meia noite, soam nos PAs o que pareciam cenas de um filme. É o Vera Cruz que vai começar. E, sim, é momento de falar que, embora não tenhamos tido toda a superprodução que o mesmo show teve em outros estados, isso não se deveu à equipe do artista nem ao produtor local, a Underground Produções. O palco do Complexo Armazém simplesmente é baixo demais para comportar todo o cenário (que reproduz uma caravela portuguesa do século XVI). A inexistência de mais opções de venues para shows em Fortaleza, principalmente de porte adequado para um show como estes, é um problema que deveria ser solucionado com urgência. Mas, se no palco não havia a beleza projetada, pelo menos os shows de luzes, a participação do público e a banda no palco (e até mesmo os eventos exclusivos ditos há pouco) fazem com que aquela data não tenha ficado nada a dever para as de outras praças. Assim eu penso.
“The Ancestry“, com shredding em velocidade fora do normal, recebe os primeiros minutos do sábado, seguida por “Sea of Uncertainties”. Edu volta para o violão para “Skies in Your Eyes” e em “Frol de la Mer” temos mais um interlúdio com “cenas de cinema” em áudio (talvez rolem em telão em outros venues).
“Crosses” vem com muito, muito Power Metal. E mesmo com o Armazém lotado o povo achou espaço para fazer mosh pit
De repente o que se vê é um par de muletas vibrando empunhadas. Sim, isso mesmo, em Fortaleza teve até alguém de muletas no mosh pit.
Antes de “encontrar os índios’ em “Land Ahoy“, uma das mais bonitas do Vera Cruz, Edu relembra rapidamente que no show estão tocando o “Rebirth” na íntegra e apresentando o “Vera Cruz“. Sobre essa canção o que eu digo é que ele tem a obrigação, e disso não abriremos mão, de manter a canção nos setlists quando muitos outros discos seguirem o “Vera Cruz“. Eduardo, preste atenção, eu vou cobrar.
O show continua com “Fire with Fire“, “Mirror of Delusion” e “Bonfire of the Vanities“. É então que Edu Falaschi comete o seu maior erro.
Disse que a gente “não faz ideia do talento dessa menina”, referindo-se a Haru Cage, vocalista da CORJA!, que dividiria com ele os vocais de “Face of The Storm“, fazendo as vezes de Max Cavalera. Aí foi o erro da noite. A gente faz ideia sim. A gente conhece a Haru. Haru é um fenômeno. Deixa todo mundo arrepiado. “Todo respeito a Haru Cage e seu incrível talento”, diz Edu. “Haru Haru Haru”, óbvia resposta do público, deixando o vocalista até sem fala.
Raissa (do Luar, como Edu a chamara) vem para cantar “Rainha do Luar” (originalmente cantada por Elba Ramalho). Mais tarde ela contaria em suas redes sociais o quanto tinha sido emocionante cantar em Fortaleza (“a gente até tinha dificuldade de se ouvir, com o público cantando o tempo todo). Braços em onda no solo de Laguna fecham a apresentação da epopeia “Vera Cruz”.
A banda sai do palco sem se despedir. Pode ter sido surpresa em Curitiba, mas aqui quase ninguém se mexe. Todo mundo sabe que ainda tem um gostinho de “Temple of Shadows” pra rolar. Não é surpresa, mas, mesmo assim ainda alguns gritos recebem “Spread Your Fire“. Era o fim de um show que ficará na memória do público por suas próprias qualidades, lotado (e nem era dentro do Sana). Edu Falaschi mostrou que ainda é um vocalista de verdade. Ponto para a Underground Produções que fez a aposta no artista. O gol agora é do metal cearense.
Como quase diria Roberto, o Rei, se o playback eu usei ou se o agudo eu atingi, o importante é que emoções eu fiz sentir.
Setlist
Rebirth
In Excelsis
- Nova Era
- Millennium Sun
- Acid Rain
- Heroes of Sand
- Unholy Wars
- Rebirth
- Judgement Day
- Wish You Were Here/Pegasus Fantasy/Wasting Love
- Running Alone
- Visions Prelude
Vera Cruz
Burden
- The Ancestry
- Sea of Uncertainties
- Skies in Your Eyes
- Frol de la Mar
- Crosses
- Land Ahoy
- Fire with Fire
- Mirror of Delusion
- Bonfire of the Vanities
- Face of the Storm (com Haru Cage)
- Rainha do luar
Bis
- Deus Le Volt!
- Spread Your Fire
Agradecimentos:
Underground Produções, especialmente Fabrício Moreira, pela atenção e credenciamento.
Juscelino Blow, pelas imagens que ilustram esta matéria. Confira mais imagens abaixo.