Iniciada em 1993, na cidade de Juiz de Fora, Minas Gerais, por seu vocalista e guitarrista Brucolaques, a banda Luvart tem desbravado o submundo do Black Metal nacional com uma proposta sólida e envolta em atmosferas ocultistas e sombrias. Focada na essência do metal extremo, a banda carrega influências clássicas do gênero, mesclando um som abrasivo com letras densas e místicas, que evocam temas como espiritualidade sombria e a busca pelo autoconhecimento através das trevas.
Com uma trajetória marcada por lançamentos impactantes e apresentações que capturam a verdadeira essência do underground, o grupo tornou-se um dos pilares do Black Metal mineiro, cultivando uma base fiel de seguidores. Em entrevista exclusiva ao Headbangers Brasil, a banda nos leva a uma viagem pelos bastidores de sua criação artística, compartilhando detalhes sobre sua história, inspirações e visão acerca do metal negro no cenário atual.
Esta é uma conversa imperdível para aqueles que buscam compreender a profundidade do Black Metal brasileiro através das vozes que mantém viva a chama da verdadeira arte obscura.
HBr: Seja bem-vindo, Brucolaques. Você poderia nos contar um pouco de como foi o início da Luvart, a história do nome e suas influências?
Brucolaques: Obrigado, é um prazer falar com você e para os seus leitores também. A história da Luvart se iniciou em 1993 como resultado da forte simpatia que tínhamos pela mentalidade transgressora e pela natureza clandestina que o Black Metal sempre apresentou, o que nos levou a uma identificação imediata, dentro e fora das questões musicais. Foi um curto período de atividades, em nossos anos iniciais, onde pudemos lançar uma demo em 1994, chamada “Killing for Religion” e entrar, no ano seguinte, em uma interrupção de atividades que durou 14 anos. Nestes primórdios, convivemos também com algumas inevitáveis, mas necessárias mudanças de formação que serviram mais como soluções para problemas que enfrentávamos internamente. Luvart é um demônio pertencente à terceira ordem dos anjos caídos e precisa ser entendido como a vinda da consciência, inteligência e sabedoria, para a construção de uma cultura perigosa, proibida e indesejável para aqueles que prezam pela involução. Ele é a representação da autoconsciência que nos leva para além da mediocridade cotidiana, para além da existência comum e corrente, livre de tabus. Pudemos moldar nossa própria sonoridade através da inspiração em grandes monumentos musicais criados por expoentes expressivos como Venom, Hellhammer/Celtic Frost, Sarcófago, Samael, Murder Rape, Mystifier e Rotting Christ
HBr: Sabemos que recentemente vocês perderam um membro da banda e sentimos muito por isso. O disco novo se tornou uma homenagem a ele, certo?
Brucolaques: Sim, “Until the Void” é um testamento da enorme contribuição e importância de Necromayhem para a Luvart. Infelizmente, ele não teve a oportunidade de desfrutar do produto final, já que ele faleceu enquanto ainda estávamos em estúdio gravando, porém, o legado que ele deixou, com esta obra, é inquestionável.
HBr: Por ser também uma banda do cenário mineiro e sermos conhecidos mundialmente como berço do metal extremo no país, como é ser parte dessa história e atmosfera? Como vocês descreveriam a influência de bandas como Venom, Sarcófago e outras bandas no desenvolvimento da identidade da Luvart?
Brucolaques: Para nós, será sempre motivo de grande orgulho estarmos inseridos em um cenário regional de tanto respeito como o mineiro, apreciado mundialmente e que apresentou bandas que foram grandes influências. Nosso objetivo nunca foi copiá-las, mas criar algo próprio como muitas delas o fizeram, com êxito e autenticidade. O sentimento único e a atemporalidade que suas músicas sempre tiveram foram motivadores o suficiente para nos conectar a estas seminais bandas que deixaram ao longo da história do Black Metal, um lastro de obras lendárias e icônicas, além de legados irretocáveis. Elas nos mostraram como criar música destinada a mergulhar nas sombras, marca indelével de um movimento que trouxe uma mudança sísmica entre os subgêneros do Metal e que ecoa profundamente por décadas, mundo afora.
HBr: No processo de composição e construção das letras, como são concebidas e estruturadas? São temas que envolvem o cotidiano dos membros da banda e suas experiências de vida?
Brucolaques: Não nos preocupamos em criar um padrão de construção em que a letra venha primeiro ou a música primeiro. Independente da ordem de construção, uma precisa complementar a outra de forma que a musicalidade seja a sinfonia perfeita para a transmissão de toda a idéia contida na letra. Feito isso, lapidamos e trabalhamos sempre os pontos chave da letra com determinados pontos da música, para termos expressividade e profundidade musical completa. Nossas letras sempre passaram pelos mais variados temas, seguindo o que sempre estabelecemos como idéia central para uma demo, álbum, EP e assim por diante. Nossas visões de antireligião, Ocultismo, Satanismo, cultos da mão esquerda, caos e morte estão presentes em cada um de nossos lançamentos e obviamente que estas visões expressadas são, também, um reflexo de nossas experiências dentro de determinado assunto abordado.
HBr: Ao longo desses 30 anos de existência da banda, o que mudou desde “Killing for Religion”?
Brucolaques: Somos uma banda que vê o estado evolutivo das coisas com bons olhos, mas que ao mesmo tempo resguarda-se nos costumes de outrora. Hoje, entendemos melhor nossas habilidades e através de uma reflexão de experiências passadas, encontramos sempre uma direção melhor para nossas criações. Só temos a certeza de que cumprimos com nosso propósito quando estamos diante de algo que tomou uma grande dimensão para nós. Se compararmos as letras que escrevemos hoje, com as que fizemos nos tempos da “Killing for Religion”, é perceptível nossa evolução, já que tínhamos, nos anos 90, o encapsulamento de todo aquele ódio juvenil expressado, para destilar nosso sentimento contra as religiões e confrontá-las diretamente. As músicas desta demo são um cenário de desafio, rebeldia e tragédia às instituições religiosas, seus clérigos e fiéis. A imagem da capa reforça visualmente essa mensagem, ainda mais por sermos de um país fervoroso e majoritariamente cristão. Com o passar do tempo e a chegada da maturidade, focamos em temais mais profundos, ao invés de nos restringirmos a uma luta antirreligiosa sem fim, onde o “inimigo” acaba tendo uma atenção que não deveria ter por ser completamente insignificante e desprezível.
HBr: Na sua opinião, qual a importância de gravadoras como a Cogumelo para a consolidação do Black Metal no Brasil?
Brucolaques: A Cogumelo Produções preparou todo o terreno para as futuras gerações de gravadoras, no Brasil, quando abraçou o Black Metal lançando o álbum “I.N.R.I.” do Sarcófago, em 1987 e, posteriormente, os primeiros álbuns de bandas como Amen Corner, Impurity, Murder Rape e Archangellus, já no início dos anos 90. Nesta mesma época, foram responsáveis também por licenciar para o Brasil álbuns como “A Blaze in the Northern Sky”, do Darkthrone (aqui, criando um subselo chamado Mushroom Records) e “Ceremony of Opposites”, do Samael, ajudando a difundir o Black Metal em terra brasilis.
HBr: Como vocês enxergam a evolução do cenário do Black Metal brasileiro em relação ao underground dos anos 90?
Brucolaques: Viemos de uma época em que o Black Metal abrigava indivíduos comprometidos em manter a pureza e a energia bruta do mesmo. O Black Metal era um vórtice de visões e ações extremas, onde a integridade musical era guardada ferozmente para que fosse preservada sua natureza underground e incorrupta no submundo obscuro. Infelizmente, a vaidade e o ego colocaram este gênero sob holofotes sem precedentes, atraindo uma nova conscientização, trazendo-o das sombras para o centro das atenções. A megalomania de certas pessoas na busca por sua própria fama e acrobacias egoístas, resultou nisso. O misticismo e espírito dos anos 80 e 90, associados à descoberta da música underground são apenas uma espécie de memória agora. Naqueles tempos, você tinha realmente que se esforçar para descobrir tudo e mostrar que realmente queria isso. As trocas de fitas e a importância das lojas de discos, foram uma das principais razões pelas quais estou aqui até hoje. Os primeiros dias do Black Metal continuam sendo os mais inspiradores para mim, com suas tradições intransigentes e isso nunca mais voltará. Em contrapartida, o momento atual nos traz a facilidade e agilidade de contatos, em todo o globo, coisa que não tínhamos nos anos 90. Os shows/festivais são mais bem estruturados e usufruímos de bons estúdios para gravarmos nossos trabalhos. As lojas online, agora, dividem a responsabilidade, junto das físicas, de espalhar música obscura por todos os lados. Basta apenas que as pessoas desfrutem sabiamente destes benefícios, nestes tempos modernos.
HBr: Qual foi o momento mais marcante na trajetória do Luvart até após essa longa jornada na música extrema?
Brucolaques: A fundação da banda, em 1993, mas também, nosso renascimento, em 2009, pois através dele, nossa história e trajetória se tornaram repletas de muitos momentos sublimes que vão desde os nossos lançamentos até os shows que fizemos. Dos selos que abriram as portas para nós até a mídia especializada que nos apoiou. Do privilégio de trabalharmos com talentosos artistas e produtores. E, por último, mas não menos importante, de toda a Legião que nos acompanha e apoia incondicionalmente durante todos estes anos.
HBr: Como estão os planos futuros para a banda? Algum lançamento em vista, shows?
Brucolaques: Acabamos de confirmar Exhumator (ex-Demogorgon, Necroticum) como nosso novo baixista. Além disso, estamos trabalhando em uma nova música, que será lançada como single digital, em 2025, sob o título “Ascension in Solitude”. Este novo trabalho marcará a estréia da nova formação com a participação mais que especial da vocalista Opus Mortis (para muitos, também conhecida como Miss Aileen), ex-The Evil. Quanto a shows, recebemos algumas sondagens para 2025, mas nada firmado ainda.
HBr: Brucolaques, você gostaria de deixar algumas palavras finais para seus fãs?
Eu agradeço por suas perguntas e por todo o apoio dado a Luvart neste espaço dedicado a seus leitores. Que eles possam conhecer um pouco sobre nosso universo através de nossas palavras e histórias aqui contadas, mas também lhes convido a nos conhecerem ainda mais através de nossos lançamentos no Bandcamp oficial ou em nossa Webshop.
https://luvart.bandcamp.com/ https://luvartshop.loja2.com.br/