“O menestrel voltou”
O ano está voando e já chegamos a metade de setembro e vamos continuar falando sobre os grandes eventos que marcaram a década de 90. Como vocês se recordam, semana passada falamos sobre a primeira visita dos mestres do crossover, o DxRxI., ao nosso país e hoje vamos relembrar a segunda passagem de Ian Anderson e sua banda aqui em nossa terrinha.
Foi uma grande surpresa, pelo menos para mim, quando surgiram as datas de uma extensa tour do Jethro Tull durante o mês de setembro, pouco mais de dois anos após sua primeira visita ao Brasil em 1988. Particularmente eu fiquei bem contente, pois tinha perdido a oportunidade anterior e as coisas naquele tempo eram muito diferentes de hoje em dia, que existem bandas que, ano sim, ano não, estão batendo o cartão em nossos palcos.
As datas confirmadas foram: dia 8 no Círculo Militar, Curitiba-PR; 10 e 11 no Olympia, São Paulo-SP; 13 e 14 no Canecão, Rio de Janeiro-RJ e fechando o giro mais um show em Sampa, mas dessa vez no Ginásio do Ibirapuera – e foi nesse dia que eu tive o prazer de assistir essa lenda. A opção pelo show do ‘Ibira’ foi puramente econômica, pois a produtora resolveu puxar a faca nos preços para as apresentações no Olympia. Para se ter uma ideia, com o valor do preço de um ingresso de pista para o evento na luxuosa casa da zona oeste paulista, dava para comprar duas entradas de arquibancada para o show do dia 15.
A divulgação foi exemplar com chamadas diárias na rádio 89FM, promoção de ingressos e uma participação para lá de especial do mestre Ian Anderson no programa da TV Cultura, Metrópolis, concedendo uma ótima entrevista e com direito a uma canja na flauta. Eu gravei na época no meu vídeo cassete Philco-Hitashi de duas cabeças e tenho a cópia até hoje, mas se você perdeu, ou nem tinha nascido ainda, existe um link no You Tube bem ruim por sinal, mas vale o registro, que claro está à disposição no final dessa matéria. O menestrel também participou do programa do SBT, Jô Onze e Meia. Ian foi o pôster central da Rock Brigade número 51 e a mesma revista publicou uma excelente entrevista com o músico em sua edição número 55 em janeiro de 1991. A abertura no Ibirapuera ficou a cargo de uma banda que merecia muito essa oportunidade. Eu me refiro ao Golpe de Estado e a respeito da participação dessa grande banda no evento do dia 15, é claro que ela terá seu merecido destaque.
Sendo muito honesto durante a semana que eu estava me preparando para escrever sobre esse show, tive sérias dificuldades para me lembrar de como me dirigi ao Ginásio do Ibirapuera naquele sábado – pois é… eu me orgulho de minha memória, mas nem tudo eu me recordo tão bem. Mas depois de matutar um pouco acabei me lembrando, que fui pelo caminho básico mesmo: ônibus de São Caetano até o bairro do Ipiranga e mais um até o Ibirapuera. Eu posso ter demorado para me lembrar desse detalhe, mas de como estavam as imediações do local do show não tem como esquecer. Nunca eu tinha visto na porta de um show uma fauna tão variada de elementos. Tinha o pessoal das camisas pretas com estampas de bandas é claro, mas também tinham hippies, alguns senhores roqueiros com bem mais de 50 anos e um publico que eu nunca tinha visto em um show, pois eles eram absolutamente… normais, usando camisas polo e bermudas. Apesar de eclético e bem lotado, eu não vi um único ‘entrevero’ no Ibirapuera naquela noite, muito pelo contrario, a cordialidade prevalecia.
O Golpe de Estado fez um set curto, entre 30 e 40 minutos, mas o talento dos caras conquistou até quem não os conhecia. A acústica do Ibirapuera já foi comentada anteriormente aqui no “…PRA FICAR!!!” sobre o Motorhead e o Metallica, mas nessa noite em especial ela não interferiu negativamente, pois ambas as bandas não eram adeptas do chamado ‘som no talo’. O Golpe já tinha muito prestígio e ótimos álbuns lançados. Por já ter assistido a eles anteriormente a impressão que eu guardo é que eles estavam um pouco nervosos. Mas a recepção do público foi calorosa, nada parecido com algumas coisas que eu já tinha presenciado em outras oportunidades com bandas nacionais abrindo para uma atração estrangeira. Destaques? O de sempre. “Noite de balada” sempre foi e sempre será o maior destaque de um show do Golpe de Estado, seja qual for a formação que esteja no palco.
Ao som característico da Ibanez de Martin Barre o Jethro Tull inicia sua apresentação de forma teatral, com Ian usando um capacete de mineiro ao som de “Living in the Past”. A perfeição com que a música foi executada deixou uma coisa muito clara para mim. Eu sabia que eles eram bons, mas descobri que ao vivo eles eram muito, mais muito bons mesmo. Foi uma apresentação de deixar todos de boca aberta. O tecladista Marin Allcock se mostrou um multi-instrumentista tocando até bandolim. Naquela época eu ainda era meio cru para entender tantas sutilezas em um show de música como aquele que eu estava presenciando, pois são coisas que você só acaba dando o devido valor com o passar dos anos, mas felizmente não era tão radical como alguns amigos meus, que deixaram esse show de lado. Sim, existe espaço na mesma prateleira para discos do Metallica, do Napalm Death e do Jethro Tull, pelo menos na minha casa.
Não preciso nem dizer que o ponto alto da noite já perto do final foi a mítica “Aqualung” com o local quase vindo abaixo, mas eu gostei bastante das execuções de “Locomotive Breath” e “Too Old to Rock ‘n’ Roll, Too Young to Die”, até por ser duas das que eu conhecia mais. Senti falta de “Cross-Eyed Mary”, aquela que o Iron Maiden tinha regravado e tantas vezes eu tinha ouvido quando coloquei o meu EP “Aces High – Maxi Single” para rolar.
Que show fantástico, tanto que me lembro bem de quando cheguei em casa ter sido indagado pela minha irmã a respeito do show. Para responder eu só abri bem a boca e depois disse que a sensação tinha sido exatamente essa, de um show de deixar todos de boca aberta. O Jethro Tull voltou diversas vezes ao Brasil, mas essa noite de 15 de setembro de 1990 há exatamente 30 anos, foi a única apresentação que assisti do menestrel e sua trupe e por isso tem um significado muito grande e especial. E duvido que outra teria o mesmo impacto.
O ano de 1990 ainda teria mais uma surpresa internacional e dessa vez em vez de me deslocar até a capital paulista, a banda em questão é que viria tocar no Grande ABC, pois o Nazareth tinha entre as datas confirmadas, uma na cidade vizinha de Santo André-SP. Mas esse assunto nós vamos tratar na próxima semana, pois as lembranças dos shows mais importantes da década de 90 estão no HB “…PRA FICAR!!!”
Jethro Tull Brazilian Tour ’90:
– São Paulo: 10, 11 e 15 de setembro;
– Rio de Janeiro: 13 e 14 de setembro;
– Curitiba: 8 de setembro.
Setlist básico das apresentações:
1.Living in the Past
2.Steel Monkey
3.Thick as a Brick
4.Farm on the Freeway
5.Pussy Willow / Pibroch (Cap in Hand)
6.Rock Island
7.Serenade to a Cuckoo
8.Love Story
9.The Pine Marten’s Jig
10.Mother Goose
11.Budapest
12.Nelly Returns
13.Fat Man
14.My God
15.Kissing Willie
16.Too Old to Rock ‘n’ Roll, Too Young to Die
17.Aqualung
18.Locomotive Breath
19.Seal Driver
20.The Dambusters March
(Créditos das fotos: Paulo Márcio)