O ForCaos é um dos festivais independentes mais tradicionais do Brasil. Assim como o também cearense Ponto.CE, o pernambucano Abril Pro Rock, o potiguar DoSol e tantos outros, o festival nasceu da resistência (e insistência) da comunidade que não se entrega à música fácil de massa e mídia. Com o mundo voltando de uma pandemia que parou tudo (menos a sede de poder e grana dos negacionistas) o festival não acontece neste julho de 2022, como tradicionalmente, mas numa data futura. No entanto, os headbangers cearenses não ficaram sem uma prévia do que será a edição 2022 do festival. E essa prévia aconteceu nesta sexta, 29, no Praxedes Bar, com a apresentação das bandas cearenses VIOLLEN e FACADA, da paranaense HELLWAY PATROL e da paulista MANGER CADAVRE? (sim, a interrogação faz parte do nome da banda).
Embora pequeno, quando comparado a outras casas de shows por aí, o Praxedes tem o tamanho exato para um bom evento underground, com salão para o público apreciar os shows, espaço para bancas de merchandising e área para mesas para os velhotes como eu (além de uma sinuquinha). Além disso, é de fácil acesso, próximo à uma das avenidas em que passam as linhas de ônibus que percorrem todo o perímetro da cidade, os Grandes Circulares.
Também devemos mencionar que, como sempre, o ForCaos não deixa de lado a responsabilidade social e a vontade de ajudar aqueles e aquelas que permanecem invisíveis ao poder público, que perderam a sua casa por vários motivos: desentendimentos, drogas, vício em casino jogos grátis,, especialmente quando o tal poder público trata de fazer tudo para atrapalhar as poucas ações de apoio existentes e persistentes. Para este evento, a associação escolhida como beneficiária foi a Sangue Nosso, que entrega kits de higiene (e dignidade) para mulheres em situação de rua e de vulnerabilidade social. “Eu nunca precisei faltar a escola ou o trabalho por falta de absorvente. E a menstruação vem todo o mês, e quem está na rua acaba não tendo acesso ao absorvente, o que é muito pior. Essas pessoas acabam perdendo um pouco da dignidade“, tinha explicado Larissa Maia, idealizadora da Comunidade Sangue Nosso em entrevista ao jornal Diário do Nordeste. Assim, para ter acesso ao evento, todo headbanger foi convidado a fazer a sua doação.
Então, vamos aos shows.
VIOLLEN
A primeira banda no palco foi a thrasheira VIOLLEN. Com Cesinha (Souza) na bateria, Cassiano (Wagner) na guitarra, Tina (Paulo) no baixo e Edin (Freitas) no vocal. O thrashão antifa do quarteto garantiu a quebradeira de pescoços com muito vigor. O que em pleno 2022 não deveria mais ser digno de nota, ainda precisa ser ressaltado num país preconceituoso e misógino. No comando (muito eficiente) dos graves da banda está Tina Paulo, que, além de dividir os vocais em algumas faixas também fez questão de falar do espaço para mulher no metal, sem esquecer, obviamente de citar a MANGER CADAVRE?, que viria mais tarde, da CORJA!, entre outras.
E dá-lhe circle pit e, até mesmo byciclepit. Não, não havia bicicletas no salão. Esta foi uma das canções tocadas num set que privilegiou o álbum “What to Kill For?”. O som, entretanto, ainda não foi gravado e só aparece (por enquanto) nos festivais. A letra pode tanto falar das rodas de uma bicicleta quanto da roda no salão, com bangers se batendo louca e initerruptamente.
Pra encerrar a desgraceira, Felipe Ferreira, da SYSYPHUS, conhecido também por participar da CLAMUS e KRENAK, e Vinícius Vertigem, da LIXORGANICO, se juntaram à banda, fazendo um representativo encontro do metal cearense.
Setlist
- Extermination Plan
- Gallery of Terror
- Invasion
- By Own Hands
- Critical State of Madness
- Deadvalley
- Kill the Leader
- Condemned to Take a Line
- Tortura
- Byciclepit
- Thrashing Force Attack
HELLWAY PATROL
O trio stonner de Londrina/PR foi a segunda atração da noite, um pouco antes das 21h. Com Ricardo Pigatto no vocal e baixo, Thiago Franzim na guitarra, mas com Raone Ferreira na bateria (substituindo Douglas Labigalini, que tivera um problema de saúde na véspera) mandaram uma Intro que não seria possível ser mais “Sabbathica”. Avisando ao “homem branco genocida e queimador de florestas” que a retribuição virá o som estradeiro dos paranaenses foi bem recebido pelos cearenses. E não poderia ser diferente, principalmente depois de um solo matador como o desta primeira faixa, “Demon of Dreams”, que abre também o seu disco “All Myth Shall Fall” (e eu já gostei do nome – todo mito tem que cair mesmo). Que solo, meu irmão.
Depois de “Gods”, Pigatto lembrou que teve uma outra banda em 2006, que tocou no Forcaos, que foi um dos melhores shows de sua vida. Nota: a banda chamava-se Dominus Praelii
“Ride and Ride Again”, estradeira, motoqueira… o deserto estadunidense na praia cearense, a caatinga se misturando à poeira do velho Oeste, os outlaw e os cangaceiros, tudo, claro, na visão e interpretação dos piás, é pra música pra ouvir e ouvir de novo. Aliás, em todas as canções havia aquela aura estradeira, aquela coisa “Born to Be Wild”, rosa e preto, luz e escuridão como som de Iommi, mas alaranjado com o sol e a poeira. “É por vocês que a gente se fode na estrada”, declarou Pigatto justamente após “Desert Ghost”. “Quero dedicar a saideira a todo Headbanger, maluco como a gente”, ele continuou.
“Running Wild” arrematou o show, que, com guitarra melodiosa, com baixo “alto demais”, e bateria eficiente (em que pese o fato de ter de pegar as músicas em apenas dois dias), só teve um defeito. Um grande defeito. Foi curto. Fica a vontade de ouvir novamente essa rifferama marcante em um show mais longo.
Setlist:
- Demon of dreams
- Raise your glass
- Gods
- Ride and ride again
- Desert ghost
- Running wild
FACADA
O que é mais representativo da cena de Fortaleza que o tranquilo FACADA? No palco, o trio composto por Carlos James (vocal e baixo), Danyel Noir na guitarra e o baterista de todas as bandas cearenses Vicente Ferreira, no posto originalmente ocupado pela máquina de guerra Dângelo Feitosa subiu no palco avisando “700 mil mortes depois, mas ‘Tu vai cair’.
O Facada é uma agressão da natureza. E só quem vê um show do FACADA poderia entender o que é a sujeirada no palco, com microfonia correndo livre e solta, com som mais pesado que um boeing, o pior do pior do pior do metal. E é por isso que é tão bom. Para uns pode parecer apenas ruído branco em altíssimo volume, para outros, uma sinfonia complexa e tortuosa nos movimentos imprevisíveis da guitarra de Danyel. O peso é tão descomunal, a urgência é tão absurda que Vicente chaga a quebrar uma baqueta e continuar tocando como se nada tivesse acontecido.
É muita agressão aos ouvidos. É relaxante demais. É toda a raiva reprimida sendo expulsa de forma controlada do corpo num fôlego só. Ou uns poucos mais. A entidade Carlos James disse que queria tirar direto, mas acabou tendo que tomar uma água.
Imaginem aí. Tirar direto um desfile de porradas como aquele. Sim. O FACADA é uma aula de música pesada.
Manger Cadavre?
Uma das atrações mais aguardadas da noite chega para fechar a prévia do Forcaos com a pergunta crucial: “comer cadáveres?”. Até onde vai o sentido do nome da banda paulista de Crust Grind mais famosa da atualidade, se do veganismo/vegetarianismo até o canibalismo, a resposta vem só no som das próximas faixas que ouviríamos a seguir. Tudo uma porrada sem dó, começando pelo fim, “Epílogo” (assim como no último full length, “Decomposição”).
Nata Nachthexen, ou simplesmente Nata, agradeceu à organização do ForCaos por manter a data (estratégica, porque estão explorando o país numa longa viagem de 25 datas em apenas um mês num Motorhome guerreiro com os colegas da Hellway Patrol – veja abaixo o vídeo do carango).
Era a segunda vez que ela e seus amigos irmãos Paulo Alexandre (guitarra), Marcelo Krusynski (bateria) e Bruno Henrique (baixo) tocavam em Fortaleza. E ela é mesmo a força motriz da banda, enquanto os outros três, muito sérios, portam-se compenetrados na complexa arte de fazer música pesada. Ela é a liberdade, a explosão que dá sentido à tudo, mas por si só não se sustenta, porque todos os quatro são essenciais, embora faça falta neles um tanto daquela explosão toda. Put a smile on your face, guys.
Explosão também é o Mosh, violentamente tomando conta de praticamente todo o espaço do salão, enquanto Nata urra agressivamente as letras, quase ininteligíveis, mesmo em português.
Mas, se durante os sons Nata é sinônimo de rebeldia, entre um e outro ela está sempre sorridente, conversando bastante, especialmente quando o show teve que parar por causa de uma corda da guitarra que estourou.
Na ocasião, o foco foi o novo disco, mais metal, menos hardcore, com algumas músicas mais carenciadas, e poucas dos trabalhos anteriores, como “Iconoclastas”. Lá pelas tantas, o fenômeno Haru Caje, vocalista da CORJA!, aparece pra participar. É um momento único e só mesmo o Forcaos pra promover momentos assim. Depois, Bruno cede lugar a Djane Grrrr, baixista da banda cearense DIAGNOSE, e Vinícius, da Vertigem Discos e Lixorganico.
E, claro, artista que não se posiciona não é artista, é robô. Claro que teve “Fora Bolsonaro. Ele mata. Ele é genocida”. E outro ponto que tem que ser mencionado obrigatoriamente e fecha esse texto é a quantidade de mulheres ativas na cena, seja no mosh, principalmente, mas não somente neste último show, seja no palco, nas figuras de Tina, Nata, Haru e Djane. O metal e o punk tem lugar para todos, todas e todes. E assim foi o Praxedes nesta prévia do Forcaos. E assim deveria ser o Brasil inteiro.
Setlist
- Epílogo
- Tragédias Previstas
- A Raiva Muda o Mundo
- Em Memória
- Vida Tempo e Morte
- Apatia
- Iconoclastas
- Demônios do Terceiro Mundo
- Cemitério do Mundo
- Caminhos de Ferro *
- O Homem de Bem *
Agradecimentos:
Jéssica Marinho, pela atenção e credenciamento.
Rubens Rodrigues, pelas imagens que ilustram esta matéria.
Bravo:
organização do Forcaos, Praxedes Bar, bandas e todo o pessoal da Associação Cearense do Rock.