Axl mostra sinais de cansaço físico, mas faz questão de mostrar que algumas coisas nem o implacável tempo vai derrubar.

Uma tarde ensolarada até demais foi cenário das horas que antecederam a sétima vez da banda liderada por Axl em São Paulo. O coração da América Latina só ficou de fora do itinerário da banda americana quando eles vieram exclusivamente para edições do Rock in Rio (1991, 2001 e 2011).

O clima ao redor do estádio era de animação e nostalgia. Todos os presentes sabiam das atuais condições do lendário vocalista, mas isso parecia afetar pouco a vontade das pessoas de estar na Zona Oeste da cidade. A animação ainda ganhava mais intensidade pelas presenças de Duff McKagan e Slash, que estão de volta há quase uma década.

O Allianz Parque já se tornou o ponto mais tradicional para eventos de grande porte na cidade de São Paulo. Com uma estrutura moderna e localização privilegiada, com vários acessos, tornou-se o queridinho das promotoras de shows.

Raimundos: Com R de rejeição antes. Com R de redenção depois.

Quando a banda brasiliense foi anunciada como abertura dos shows do Guns no Brasil, o que se lia na internet era um mar de críticas. Alguns por acharem o som fraco, outros por discordarem das decisões políticas do vocalista Digão, hoje o único membro da formação original do grupo.

O que pude notar assistindo ao show é que provavelmente ninguém que estava reclamando na internet parece ter ido ao evento, porque o clima era completamente favorável aos músicos brasileiros, que tocaram com muita energia uma coleção de hits que levou a galera 30+ ao delírio — mesmo em momentos em que alguns problemas técnicos no microfone do vocalista aconteceram.

Em certo momento, enquanto o Allianz bradava o nome da banda em uníssono, Digão se mostrou muito emocionado, chegando a chorar antes de agradecer e dizer que estava vivendo um grande sonho naquele palco.

Um show curto e enérgico, com clássicos do rock nacional como “Esporrei na Manivela”, “Reggae do Maneiro”, “O Pão da Minha Prima”, “Mulher de Fases” e “Eu Quero Ver o Oco”, entre outras.

No fim, uma sensação agradável que deveria ser regra, mas hoje é exceção: os shows de música têm que ser para se ouvir música. Em um país onde cada vez mais a política parece futebol, foi ótimo ver as pessoas conseguindo separar o CPF do CNPJ e respeitar o som que os caras estavam fazendo em cima do palco.

Obs: Em tempo, isso não é sobre política, até porque eu não sou um analista político. Isso é sobre civilidade. Se você concorda ou discorda da opinião pessoal do Digão, do Bolsonaro, do Lula ou da minha, isso pouco importa.

 Se você é uma pessoa minimamente esclarecida que sabe que os políticos que trabalham pra nós e não nós pra eles, muito obrigado por pensar assim.

 Se voce idolatra político de direita, você é um idiota, e se voce idolatra político de esquerda, você tambem é um idiota.

Claro como a água.

Raimundos:
Digão – vocal e guitarra
Marquim – guitarra e backin
Caio Cunha – Bateria e backin
Jean Moura – Baixo e BAckin

 Guns n’ Roses – Voz prejudicada, espírito intacto!

Pontualmente as 20h00m (pontualidade que é rotina desde 2016, bom que se diga) as luzes do Allianz se apagaram e os primeiros acordes de “Welcome to the Jungle” criaram uma verdadeira catarse no estádio. Pessoas pulavam, gritavam, choravam enquanto tentavam identificar cada integrante que estava contribuindo para aquele acontecimento histórico.

Melissa Reese e Dizzy Reed tinham seus teclado e piano respectivamente em cada canto do palco, e entre eles o estreante no Brasil Isaac Carpenter, que substituiu de maneira definitiva Frank Ferrer desde o ano passado.

No canto esquerdo de quem assistia, Richard Fortus empunhava sua guitarra um pouco mais ao fundo, um pouco atrás de Duff com sua conhecida cara mais fechada, mas que teve flagrado pelo telão um tímido e raro sorriso ao se deparar com a multidão de fãs que estavam ali por ele. E no canto direito, de maneira mais desleixada, com seu óculos, cartola e magia: Slash. O guitarrista arrancava suspiros a cada nota apresentada na música inicial.

A banda estava quase toda ali, mas faltava alguém, e poucos segundos depois Axl entra rodopiando com seu pedestal cantando a plenos pulmões.

Óbvio que ninguem aqui vai vender “Illusions” para voce leitor, mas se tem algo a se admirar em Axl Rose é que, se a voz já começa a dar sinais de cansaço a alguns anos, o espírito do vocalista de 64 anos permanece intacto. Axl não precisa mais fazer tour. Ele já tem mais dinheiro do que as próximas gerações dele vão conseguir gastar, já tem seu nome gravado no panteão dos grandes de todos os tempos e sinceramente não precisa mais provar nada pra ninguem.

Porém, quando voce olha no final de “Welcome to The Jungle” e percebe aquela entidade com os braços pra trás encarando os mais de 50 mil fãs, voce entende que ele não está ali porque precisa, ele está porque não há outro lugar melhor no mundo pra ele.

O clima continuou alto com “Bad Obsession”, e se manteve relativamente (e surpreendentemente) alto em “Chinese Democracy”, que vem sendo cada vez mais aceito pelos fãs com o passar dos anos. Inclusive fizemos um Bom ou Bomba especial desse álbum, pra conferir, só clicar AQUI).

O setlist continuou com um desfile de hits dos anos 90, mas deu uma esfriada na sétima música, que se estendeu pelas duas seguintes.

O eterno dilema do fã do Guns de reclamar que não lançam nada e depois reclamar da qualidade do que lançam ficou escancarado quando “The General” entrou em cena. Eu passei anos da minha vida lendo que essa era uma “mistura de “November Rain” e “Estranged”” e quando lançou me deixou extremamente desapontado. O publico se dividiu entre os que não conheciam e os que não se importaram muito, e o mesmo aconteceu com “Perhaps”.

A terceira dessa lista traz outro ponto baixo dos shows recentes do Guns: a quantidade absurda de covers.

Quando “Slither”, do Velvet Revolver, começou a ser executada, houve uma animação um pouco maior, mas a verdade é que a música não encaixa muito no tipo de voz que Axl usa. Talvez uma escolha diferente, como “Fall to Pieces”, fosse mais interessante. Certamente, se fosse uma música do próprio Guns, seria ainda melhor.

Outro cover vem na sequência, mas esse leva o Allianz abaixo: Live and Let Die, cover dos Wings (do lendário Paul McCartney) é um dos clássicos que a banda apropriou para si. Após “Hard Skool”, mais três versões de outros artistas entraram em cena.

Wichita Lineman”, uma balada bonitinha, mas bem descartável. A única função dela pra mim é mostrar que o Axl cantando com a voz mais grave ainda tem um timbre maravilhoso.

Na sequencia veio Absurd, que consegue a proeza de ser um dos melhores vocais de Axl contrastando com ser disparadamente a pior do show em termos de qualidade.

Hora de homenagear o Principe das Trevas, e a banda fez isso em dose dupla executando “Sabbath Bloody Sabbath” e “Never Say Die”, finalizadas por um tímido “thank you Ozzy” dito por Axl. No telão, uma foto de Ozzy em preto e branco. Momento muito emocionante.

Foto por Mariana Menezes – @marianamanezes.r

A dobradinha “Estranged/Yesterdays” quase fez inundar o antigo Palestra Itália tamanha comoção. Na primeira Axl cantou de maneira supreendentemente boa. A segunda, que como sabemos só de ouvir exige muito mais da voz do cantor, ficou legal também, mas abaixo da antecessora.

Double Talkin’ Jive” escancarou outro problema que é recorrente desde a volta de parte da formação original: a quantidade enorme de músicas esticadas, com solos que viram jams intermináveis. Eu entendo o amor pelo Slash e por tudo o que ele representa, mas chega uma hora que fica insuportável toda música ter um solo que ocupa mais da metade do tempo da canção.

Em “Rocket Queen” por exemplo, da parte que entra no solo até a volta do vocal, foram praticamente dez minutos de solo de guitarra divididos entre Richard Fortus e Slash.

Eu entendo que o Axl precisa descansar, trocar de roupa e tudo mais, porém dava tempo de ele jantar e cochilar um pouco antes de voltar pra cantar a musica que encerra o lendário Apettite For Destruction.

“Knockin’ on Heaven’s Door”, “You Could Be Mine”, “Sweet Child o’ Mine” (que antes teve mais um solo interminável, mas esse a gente respeita porque é a hora do homem da cartola brilhar), “Civil War” e “November Rain” deixaram todos os fãs com sensação de felicidade plena.

O estádio se misturava em lágrimas, gritos, declarações de amor a banda e uma sensação de que algo histórico estava acontecendo.

O show foi chegando ao final com “This I Love”, que, em pesquisa recente, foi uma das mais pedidas para voltar ao setlist, o que corrobora com o que eu disse sobre a aceitação dos fãs com o último album de inéditas da banda.

Uma escolha polêmica para a sequência: Mais um cover. Todos sabemos que Axl é um grande fã do New York Dools, mas colocar “Human Being” em uma parte tão importante quanto a reta final de um show foi arriscada e o público não comprou. Pior ainda, porque geralmente a antepenúltima musica dos shows é “Patience”, e São Paulo ficou sem ouvir o clássico assovio.

Finalizando o set, as pedradas “Nightrain” e “Paradise City” incendiaram tudo novamente, mas dessa vez com aquela sensação agridoce de saber que estávamos na linha de chegada.

A primeira teve uma falha no retorno de Axl, que passou a cantar com um pouco de atraso em relação ao instrumental. Ele levou numa boa a no momento do solo, saiu sorrindo rodopiando com seu pedestal até o canto do palco, onde fizeram os ajustes necessários e ele voltou, novamente rodopiando, para continuar a música sem maiores dramas.

Paradise teve uma (curta, ufa!) introdução de guitarra de Slash antes de começar o famoso riff que dava fim a mais um espetáculo de Axl Rose e sua trupe.

Ao final, uma banda completamente satisfeita aparece na frente do palco para cumprimentar o público.

Axl esbanjava sorriso e simpatia, como foi desde o primeiro minuto de show. Vale destacar que essa não é uma postura recente e isolada, já que pessoas maldosas viram a frustração e irritação dele no show da Argentina e associaram a algo corriqueiro e até pessoal contra Isaac, o novo baterista da banda. Isso está longe de ser verdade.

Importante inclusive destacar dois pontos vitais que pouco são lembrados.

1 – É impressionante a evolução da qualidade das musicas com Isaac na bateria. Eu fui em 6 shows do Guns com Frank Ferrer na bateria. Nunca entendia muito todo o hate em cima dele, achava um baterista ok. Mas vendo alguém com mais pegada tocando as músicas fez notar o quanto a banda precisava desse respiro.

2 – À primeira vista, Melissa Reese não perece ter muita função na banda, mas o trabalho que ela faz com os backin vocals dá pra Axl um conforto para cantar impressionante. Ela é a coadjuvante perfeita para que o vocalista consiga brilhar.

Quem foi ao show do dia 25/10 saiu realizado. Viu uma banda fazendo um hard rock puro e honesto. Sem firulas, sem invenções mirabolantes, sem truques ou playbacks.

Viu uma banda de apoio excelente, pronta para fazer brilhar um guitarrista lendário, um dos baixistas com mais atitude que o mundo do rock já viu e um vocalista que, se já não alcança mais todas as notas, mostra que vai sempre chegar até onde der pra chegar sem tirar o pé.

O fuck off de “It’s So Easy” já não sai mais com tanta força, mas o dedo do meio permanece em riste e vai permanecer por um bom tempo.

E não há nada que o seu vocalista preferido que canta igual o CD possa fazer para não ser atropelado por um dos maiores frontman de todos os tempos.

Voce queria o Axl fora, mas como o nome da tour deixa claro, “What You Want & What You Get Are Two Completely Different Things”

Agradecimentos especiais à Mercury Concerts, à equipe do Headbangers Brasil que me confiou a missão de resenhar um evento deste tamanho e a você, que chegou até aqui neste texto, que pode até ter sido enorme, mas ainda não foi maior que o solo de “Rocket Queen”.

Guns n Roses
Axl Rose – Vocal
Slash – Guitarra
Duff McKagan – Baixo e Backin
Richard Fortus – Guitarra
Isaac Carpenter – Bateria
Dizzy Reed – Piano
Melissa Reese – Teclado e Backin

TODAS AS FOTOS POR TEAM BRAZIL
TEXTO POR GABRIEL FURLANETO