Poucas pessoas fora do grunge entendem a real importância de Jerry Cantrell para a música. Além de ser a segunda voz do eterno Layne Staley e atualmente de William DuVall no Alice In Chains, o guitarrista é a mente criativa por trás da banda e trouxe uma mescla de clássicos absolutos da querida “Alice Acorrentada” com músicas da sua carreira solo. Destaque para o consistente “I Want Blood” que acabou de sair do forno e está quentinho ainda.

A previsão do tempo para São Paulo era de um dia nublado e com chuva, quase uma Seattle. Ainda bem que não se concretizou até a hora do show, e a chegada à Audio Club foi bem mais tranquila do que prometia – claro, se você ignorar o rotineiro caos do horário de pico em dia útil.

A casa inclusive vai ser o primeiro assunto da resenha: poucas vezes vi uma casa tão bonita e organizada, com acústica excelente, bares nos dois lados da pista e nos fundos e muito bem iluminada, local aconchegante, perfeito para shows de médio porte. Destaque para o Dj que entre os shows tocou clássicos como Kiss, Whitesnake e Scorpions no PA da casa. Talvez não precisasse repetir por 4 vezes “Holy Diver” do saudoso Dio, mas a gente releva.

Merch da banda – Foto por: Gabriel Furlaneto

E a Terra Nunca Me Pareceu Tão Distante

O show dos paulistas da EATNMPTD (sigla que eles usam nas suas redes sociais para “simplificar” o nome da banda) começou pontualmente às 19:45 e foi um pouco confuso para quem não conhece o trabalho dos músicos Rafael Jonke (bateria), Lucas Theodoro (guitarra e sintetizadores), Luden Viana (guitarra) e Gabriel Arbex (baixo). Um trabalho instrumental não é algo muito simples de ser apreciado, e a sonoridade meio indie, às vezes flertando com o emo, também não empolgou tanto assim os fãs (que no momento ocupavam pouco mais de meia pista). Soma-se ainda ao fato de os membros parecerem um pouco introvertidos, interagindo pouco com a platéia, não criando conexão. Tanto que nem houve a tradicional apresentação de banda que se vê, nem sequer dos nomes das músicas. A banda é extremamente talentosa, mas na minha visão perderam uma boa oportunidade de se promover para um público novo. 

 

Jerry Cantrell

A pontualidade estava extremamente certeira na Audio, e às 21:00 os primeiros acordes de “Psychotic Break”, do bom álbum “Degradation Trip” (2002) agitou a casa, que neste momento já se encontrava lotada. Se não foi um show sold out, certamente chegou perto de ser. De óculos escuros, Jerry veio acompanhado de uma competentíssima banda composta por Zach Throne (guitarra e vocal), Eliot Lorango (baixo), Lola Colette (teclado e violão) e Roy Mayorga (bateria), Jerry mostrou que a voz potente continua a mesma trinta e poucos anos depois.

Foto por: Stephan Solon/30e

Logo na segunda música, o ‘AH’ de “Them Bones” (Dirt, 1992) colocou a casa a baixo pela primeira vez, com todos cantando em uníssono um dos grandes hinos da história do grunge. Aqui começava o show particular de Zach Throne, que cantava o refrão com uma potência impressionante. Jerry, que se acostumou a ser “a sombra vocal” de lendas escolheu a dedo a sua própria “sombra”. Ao final dessa pedrada o nome de Jerry foi urrado, o que foi retribuído pelo vocalista com um “joinha”.

O show permanecia com uma vibe muito boa com a dupla “Velified” e “Off The Rails”, do consistente “I Want Blood”, disco lançado há pouco menos de um mês. A aceitação do público às músicas novas foi muito boa, o que é cada vez mais raro de acontecer com as bandas por aí. Talvez por ser uma carreira solo, haja mais espaço para esse tipo de atitude.

Sobre o álbum novo, vale ainda destacar que foi o que mais teve músicas tocadas no show (6), mais até do que as do Alice in Chains (5).

Foto por: Stephan Solon/30e

O meio do show foi de tirar o fôlego: começou com “Afterglow” e “I Want Blood” (duas das melhores do último trabalho), emendando com o hino irretocávelMan in the Box”, no qual mais uma vez Zach Throne faz valer o ingresso e passando por “Cut You In”, uma das principais faixas dos solos de Jerry, presente em “Boggy Deport” (1998). Antes dessa última, uma pausa para ajustar um pequeno problema na guitarra de Cantrell, que encarou tudo com bom humor, inclusive mandando um “sound better?” após o refrão. Apenas voltando um pouco, não posso deixar de expressar a emoção que é ouvir “Man in the Box” ao vivo. É simplesmente uma das músicas do que eu chamo de “Santíssima Trindade do Grunge”. É das coisas que ficam pra vida.

Após uma sequência estrondosa, naturalmente o pique caiu um pouco durante as músicas “My Song” e “Held Your Tongue”, que são boas, mas serviram mais para que os fãs presentes pudessem recuperar a energia, já imaginando o que estaria por vir.

Quando Eliot tocou a introdução de baixo da faixa “Would”, o que se viu foi uma verdadeira catarse: braços para o alto bradando “Into the flood again, same old trip it was back then, so I made a big mistake, try to see it once my way” quase que como um grito de socorro foi um dos pontos altíssimos da noite. 

Para mim “Would” deveria ter fechado essa parte do show, com a banda se despedindo e voltando para o Bis, porém isso não aconteceu, o que acarretou em uma pequena injustiça. A faixa que encerrou o show foi “It Comes”, que para mim é simplesmente a melhor faixa do disco “I Want Blood”. Uma balada fortíssima e muito bem executada, mas que após o apocalipse causado por “Would”, ficou apagada, para não dizer praticamente inexistente. Uma pena.

Foto por: Stephan Solon/30e

Voltando para o Bis, a banda veio com “Brighten” do homônimo lançado em 2021, que ajudou a esquentar a platéia novamente para dois super clássicos do Alice In Chains

Enquanto “Sea of Sorrow” do obrigatório “Facelift” (1990) deixou a galera animada, a triste e melancólica “Rooster” (Dirt, 1992) encerrou o show com todos cantando cada verso como se suas vidas dependessem disso

No final, Jerry estava claramente muito feliz com o que recebeu da plateia de São Paulo, enquanto todos nós também saímos mais que satisfeitos com a qualidade do show que presenciamos. 

Em entrevista à revista “Rolling Stone” recentemente, Jerry disse que “em São Paulo fariam um set mais longo do que o que vinham apresentando nos festivais”. Cumpriram a promessa, tocaram até cair e derrubaram todos os presentes em uma Audio Club lotada.

Ao final do show, saindo da casa e dando os primeiros passos rumo à estação Barra Funda, uma surpresa: um clima frio, com uma chuva persistente que incomodava bastante. Por um segundo fiquei desanimado, mas logo entendi. Jerry Cantrell transformou São Paulo em Seatlle por uma noite. E só tem uma coisa que é mais Seatlle que o grunge: a chuva!

 

Texto por: Gabriel Furlaneto

Fotos por: Stephan Solon/30e

Agradecimentos à Trovoa Comunicação pelo credenciamento e apoio.

 

A Banda é:

Jerry Cantrell – Vocal e Guitarra

Zach Throne – Guitarra e Vocal

Eliot Lorango – Baixo

Lola Colette – Teclado e Violão  

Roy Mayorga – Bateria 

 

Setlist

01 Psychotic Break

02 Them Bones (Alice in Chains)

03 Vilified

04 Off the Rails

05 Atone

06 Angel Eyes

07 Siren Song

08 Had to Know

09 Afterglow

10 I Want Blood

11 Man in the Box (Alice in Chains)

12 Cut You In

13 My Song

14 Held Your Tongue

15 Would? (Alice in Chains)

16 It Comes

17 Brighten

18 Sea of Sorrow (Alice in Chains)

19 Rooster (Alice in Chains)

 

 

E A Terra Nunca Pareceu Tão Distante:

A Banda é: 

Rafael Jonke – Bateria

Lucas Theodoro – Guitarra e Sintetizadores

Luden Viana – Guitarra

Gabriel Arbex – Baixo

 

Setlist:

01 Ausente

02 Bruce Willis

03 Pequenas Expectativas, Grandes Decepções

04 Como Aquilo que Não Se Repete

05 Medo de Tentar

06 Medo de Morrer

07 PMR