Depois de anos de espera e de um cancelamento marcado por acusações absurdas feitas por políticos brasileiros que chegaram ao cúmulo de chamar o Mayhem de banda nazista, finalmente eles voltaram ao Brasil. E essa volta não foi apenas um show: foi uma noite de reparação, de catarse e de história sendo escrita diante dos nossos olhos! Desde os primeiros minutos, antes mesmo da banda pisar no palco, já dava para sentir que algo muito maior que um concerto de metal iria acontecer ali.

O telão começou a exibir imagens raras, fotos antigas, trechos de entrevistas, capas e registros dos anos correspondentes à época de cada álbum. E isso continuou ao longo do show: antes de cada música, o telão se transformava numa espécie de portal temporal, mostrando fragmentos visuais daquele momento da carreira do Mayhem. Foi como viajar pela história da banda, enquanto a própria revisava essa trajetória ao vivo.

O espetáculo seguiu uma proposta ousada e brilhante: tocar músicas de todos os discos, mas indo do presente para o passado, como se descêssemos – degrau por degrau – os níveis mais profundos da escuridão. Essa estrutura deu uma sensação de narrativa, como se a banda estivesse rebobinando sua própria vida diante dos nossos olhos.

O som estava impecável — e cada integrante parecia em estado de transe. Hellhammer destruía tudo com uma precisão absurda, como se tivesse nascido com um metrônomo demoníaco no peito. Teloch e Ghul formaram uma muralha sonora brutal, com riffs cortantes, timbres densos e uma presença de palco hipnotizante. Os dois carregam a essência moderna do Mayhem sem perder a alma mais suja e feroz da banda. E aí vinha Attila Csihar, que simplesmente não pode ser comparado a mais ninguém. Ele mudava corpse paint, figurinos, expressões e gestos conforme cada fase musical surgia — parecia incorporar entidades diferentes. O vocal dele não é apenas um vocal: é um conjunto de espíritos, ruídos, lamentos, invocações e rituais que ninguém consegue reproduzir!

Quando começaram as músicas do Chimera, o público foi à loucura. Àquele peso claustrofóbico, àquela agressividade fria… parecia que a casa inteira estava vibrando com a mesma fúria. Mas o caos físico, mesmo, aconteceu quando entraram as faixas do Grand Declaration of War:  “Crystallized Pain in Deconstruction” e “View from the Nihil”, foram responsáveis por abrir uma roda gigantesca no meio da casa — não uma roda comum, mas um redemoinho de gente, suor, energia e catarse.

E quando a banda entrou na fase Wolf’s Lair Abyss, o ambiente ficou ainda mais raivoso. “Ancient Skin” simplesmente rasgou São Paulo ao meio. Foi uma das execuções mais violentas da noite — parecia que a música saía das caixas de som como lâminas.

A transição para as músicas do De Mysteriis Dom Sathanas trouxe outra atmosfera: a casa inteira mergulhou numa sensação ritualística, quase religiosa; ver Attila interpretando esse disco ao vivo, com toda a intensidade teatral e vocal que ele coloca, é algo que arrepia até o mais cético. É como assistir uma missa profana conduzida por alguém que realmente acredita no que está invocando.

Mas nada se comparou ao momento em que tocaram “Life Eternal”. A participação do ex-vocalista Dead foi profundamente emocionante. Usando trechos de gravações antigas e projeções no telão, a presença dele tomou conta do ambiente. Dead não surgiu apenas como lembrança: ele apareceu como parte da banda, como se estivesse dividindo o palco naquela música. A sensação foi pesada, bonita e triste ao mesmo tempo. Pensar que ele tirou a própria vida em 1991 e, ainda assim, sua energia continua pulsando tão forte na história do Mayhem fez com que muitos ali ficassem imóveis, absorvendo aquele momento com respeito absoluto. Foi um dos ápices emocionais da noite.

No bis, a história tomou forma diante de nós. Necrobutcher, o único membro original ainda na banda, voltou ao palco e anunciou dois convidados lendários: Manheim, baterista da formação inicial, e Messiah, um dos primeiros vocalistas do Mayhem. Quando esses dois apareceram, a casa veio abaixo. Ali não era mais apenas um show — era a materialização do passado primordial da banda.

O bis foi dedicado quase todo ao lendário EP Deathcrush, tocado com a sujeira, a crueldade e a brutalidade com que foi concebido em 1987. Ver aquela formação clássica — Necrobutcher, Manheim, Messiah — tocando ao lado da formação atual foi algo raríssimo. Foi como se duas eras da banda, separadas por décadas, estivessem coexistindo. Para quem conhece a história do black metal, foi como presenciar um milagre profano!

E então veio o gran finale: “Pure Fucking Armageddon”, a primeira demo do Mayhem, lançada em 1986. Attila voltou ao palco e dividiu os vocais com Messiah numa performance avassaladora. Senti que estávamos assistindo ao nascimento do black metal outra vez, ali, na nossa frente. Não foi só um encerramento: foi uma explosão histórica de tudo o que representa o Mayhem — caos, violência, arte, tragédia, espírito e resistência.

Sair daquele show foi como sair de um ritual. Impossível não sentir que tínhamos presenciado algo único, algo que não se repetiria. Ver Manheim, Messiah, Necrobutcher, Attila, Teloch, Ghul e Hellhammer juntos no mesmo palco, revisitando cada era, foi como ver a história inteira do black metal se materializando diante de nós.
Uma noite simplesmente histórica!

Agradecimentos sinceros aos organizadores, que tornaram possível um evento que ficará eternamente na memória de quem estava lá.

 

SETLIST MAYHEM – SP, Brasil

1 – Malum

2 – Bad Blood

3 – MILAB

4 – Psywar

5 – Illuminate Eliminate 

6 – Chimera

7 – My Death

8 – Crystallized Pain in Deconstruction 

9 – View From Nihil 

10 – Ancient Skin

11 – Symbols of Bloodswords 

12 – Freezing Moon 

13 – Life Eternal (participação póstuma dos vocais de Dead)

14 – De Mysteriis Dom Sathanas

15 – Funeral Fog

 

BIS – Deathcrush com convidados históricos 

16 – Silvester Anfang

18 – Deathcrush (Messiah nos vocais e Manheim na bateria)

19 – Necrolust (com Messiah e Manheim)

20 – Pure Fucking Armageddon (com Messiah e Attila nos vocais e Manheim na bateria)

21 – Wired (Manheim)

 

Texto por: Raphael Arizio 

Fotos por: Leandro Cherutti (cedido por Heavy Metal Online)