Quem esteve presente no show da troupe lendária de Dave Mustaine ontem, no Espaço Unimed, presenciou um show arrebatador de uma banda entrosada e muito, mas muito feliz de fazer o que faz.
Um setlist seguro e recheado de clássicos, deu ao fã um prato cheio para se deleitar. E olha que tinha fã de todo jeito, de todas as idades: pais segurando seus filhos nos ombros, senhores dizendo que acompanhavam “Musta” desde a época de “Killing Is My Business… And My Business Is Good“, a história da banda contada através da plateia.
Os portões foram abertos às 19:30, como prometido. Perto das 21:10 eu ouvi uma das organizadoras de fila falando espantada: “quase na hora do show e não para de chegar gente!“. Isso mesmo, perto de começar a festa e as pessoas ainda estavam entrando. A casa estava cheia. E olha que não foi “sold out“. Quando eu cheguei ainda tinham ingressos de pista comum sendo vendidos no guichê a R$440,00. Sinceramente não sei onde eles colocariam mais pessoas, porque não tinha como andar direito naquele lugar de tão cheio!
Um detalhe interessante sobre o público: a empolgação era tanta, que até a playlist tocada nos P.A’s foram cantadas. Confesso que Light Up The Sky, do Van Halen, me deu a certeza de que seria um ótimo show. Mas tudo se iluminou com Wasted Years, clássico absoluto do Iron Maiden, cantado a plenos pulmões por todos.
Platéia extasiada, 21:30, o baterista Dirk Verbeuren (ex-Soilwork), é o primeiro a subir, ainda durante a intro e fazer algum tipo de virada nos “tons”, para se arrumar em seu posto. O baixista James LoMenzo (ex-White Lion, Ozzy Osbourne, Ace Frehley) correu para seu lugar, em seguida, para iniciar com a explosiva “The Sick, The Dying… And The Dead”, do último álbum, o homônimo, de 2022, para a tão aguardada entrada de Teemu Mäntysaari (Wintersun, indicado pelo próprio Kiko Loureiro) e da lenda Dave Mustaine.
O palco se iluminou como numa explosão atômica, e lá estava Mustaine, ao centro, emburrado (com a desculpa de ser tímido), franja na cara e sua voz única, cantando os primeiros versos. Celulares para cima e gritos a decibéis tão altos, que eu não sei como os pulmões da plateia aguentaram. Aliás, pra uma pessoa de 1,64m é um desafio enorme assistir a um show hoje em dia, com tantos celulares na frente. Fato é que o público parece achar que esse é o único modo de se guardar uma lembrança, mas se emociona é o que importa. Um garoto ao meu lado filmava tudo e chorava cantando palavra por palavra. Paixão é paixão, não se descreve e nem se entende, apenas se vive!
A banda não estava para muita conversa, mal a abertura acabou, já emendaram Skin O’ My Teeth, que manteve bem a animação do público. “Musta” não estava satisfeito – olhava muito para os lados, em sinal de reprovação – diversas vezes saiu de seu lugar para discutir algum assunto. Ele se queixou que estava sem retorno e, sinceramente, a voz estava bem baixa, sendo coberta pelo público cantando muitas vezes.
Angry Again veio quase emendada também. E o público parecia não perder o pique, afinal, por mais que a formação estivesse a léguas de distância do clássico Nick Menza, David Ellefson e Marty Friedman, a banda fazia seu trabalho muito benfeito e incrivelmente entrosado. Além do mais, a gente sabe que grande parte do público estava lá para presenciar Mustaine emburrado desfilando a história de sua vingança contra seus ex-parceiros do Metallica.
Ao final da terceira música, fomos presenteados com um “boa noite!” apenas.
Wake Up Dead mostra seus primeiros acordes e a plateia se mostra mais acordada que nunca. Cantando verso por verso, e imaginando guitarras fantásticas, muitas crianças nos ombros de seus pais provando que o heavy metal não morre tão cedo. E que embora grande parte das bandas clássicas não existam mais quando essas crianças crescerem e se interessarem por música de forma mais consciente e não apenas por herança, o legado foi passado. E isso fica muito claro com a entrada dos clássicos mais antigos.
In My Darkest Hour deixou o público vidrado. Não calmo, não apático, mas hipnotizado. Então, as primeiras notas de Countdown to Extinction, e assim como conta essa pérola de 1992, parecia que as pessoas precisavam aproveitar, antes que a contagem se encerrasse e elas fossem condenadas a algum destino muito cruel.
Um filme de horror parece que vai começar: uma intro tenebrosa anuncia Sweating Bullets e todo o diálogo entre as personalidades paranóicas de Dave Mustaine começa. “Olá eu, conheça o verdadeiro eu” – isso é um clássico que Freud e Jung não explicariam. A casa veio a baixo! Fazia tempo que eu não via Dave poder deixar de cantar a parte falada dessa música. O público cantou praticamente tudo. Na entrada do refrão “feeling paranoid…” eram tantos pulos, que o chão parecia tremer. Cena linda!
E então uma surpresa: Dystopia não estava na previsão de setlist da maioria dos sites e eles tinham tocado apenas no Chile, dia 09 de abril. É bastante comum que Mustaine troque algumas músicas dentro do set numa mesma tour. Só nessa perna Latinoamericana, já entraram Mechanix, She-Wolf, Poison Was the Cure, Dawn Patrol, entre outras. O público ficou bastante satisfeito, já que o álbum Dystopia tem a mão do queridinho tesouro, Kiko Loureiro, além de ter tido uma ótima aceitação.
Para a alegria dos fãs mais antigos e dos filhos de Guitar Hero, Hangar 18. Sem comentários, alguns além de cantar os versos, cantavam solos e melodias. Inacreditável!
Trust veio como um hino para ensandecer ainda mais uma galera que estava longe da exaustão, embora o show já caminhasse para seu final, além de incrementar a metralhadora de clássicos absolutos iniciada na música anterior.
Abram espaço para Tornado of Souls, que me fez ver um menino com a metade da minha altura pedir colo para o pai, tirar sua camisa, gritando versos do refrão “but I’m safe in the eye of tornado“. Esse menino chorava e girava sua camisa.
As luzes do palco diminuem. E Teemu Mäntysaari começa a fazer um pequeno improviso bem melódico, até que Mustaine começa uma forma prolongada da introdução de A Tout Le Monde. Uma geração inteira de fãs que aprenderam quatro frases em francês de uma carta de suicídio. Isso é muito forte. Musta canta o primeiro verso, enquanto a plateia se encarrega do resto. Celulares empunhados como espadas para o alto – ninguém queria perder um segundo sequer – se misturavam com pessoas que cantavam verso-a-verso de olhos fechados, sentindo o peso de cada palavra. É a mágica da música agindo.
Devil’s Island chega para chacoalhar as cabeças daqueles fãs que tinham acabado de chorar com a emoção vivida momentos antes, e também para abrir espaço para mais um hit absoluto (outra para os filhos da primeira edição do Guitar Hero) Symphony of Destruction. Nessa hora pulos e mais pulos e o famoso grito “MEGADETH” entre os versos cantados. Foi o único momento em que Dave pareceu mais solto e até esboçou um sorriso.
O show se encerra com o clássico supremo Peace Sells e a galera vem à loucura com a entrada de Vic Rattlehead no palco, interagindo com todos, inclusive Musta. “Peace sells, but who’s buying…” foi repetido à exaustão. Até a banda vir cumprimentar a todos. Dave jogou algumas palhetas e sua munhequeira, com semblante de gratidão. Só assim para ver que a cara de emburrado é realmente timidez. Nesse momento ele “agradeceu a todos que compareceram, e confessou estar muito feliz em poder festejar aquela noite“.
O palco diminui a luz e todos saem. Novamente Dirk Verbeuren é o primeiro a retornar ao seu posto, seguido de LoMenzo e Mäntysaari. Dave entra e eles começam o bis e Holy Wars… The Punishment Due arremata o que foi uma noite perfeita. Ao fim do bis, todos vão ao centro do palco para agradecer ao público. E o tipicamente brasileiro “ole ole Mustaine Mustaine” pareceu deixar essa lenda emburrada bastante feliz e emocionada.
É isso, bangers! Pra variar mais uma banda histórica emocionando e mostrando a todos que ainda tem muito a se fazer. O legado continua e pela quantidade de crianças presentes no show, ele não morre tão cedo.
TEXTO POR AMANDA BASSO
TODAS AS FOTOS POR RICARDO MATSUKAWA