Quantas vezes você já foi desrespeitada na rua? E quantas vezes o seu parceiro recebeu o pedido de desculpas pelo desrespeito ao invés de você? Hoje, esse texto é dedicado a você, que também se sente insultado com a forma com que a mulher é silenciada diariamente.
Esse não é um texto para falar que “homem não presta”, ou “todo homem é um assassino”, ninguém aqui fala de fórmula ou bait; este texto tem a intenção de mostrar que as mulheres (na cena e fora dela) vêm cansando de serem as vítimas, as estatísticas ou os robôs sem vida que muitos querem que continuemos a ser.
Já fui desprotegida aos 5 anos, abusada aos 11 e objetificada aos 18. Para quem acredita em sinais, como eu acredito, a vida foi bastante clara: “a sua caminhada é perigosa, então, proteja-se!”. Toda mulher já foi julgada por um ato que é normal na vida de um homem quando ele pratica, toda mulher é a louca, quando na verdade, apenas está pedindo para ser ouvida, toda mulher é grossa, quando apenas está sendo clara… toda mulher é a “mal comida” (desculpem o termo), quando ela apenas não quer o homem em questão, ou pior: ela é o próximo índice de violência registrado, por conta de um frustrado que não sabe entender um não! Falta de cognição? Falta de discernimento? Não! Total apoio do sistema.
Sou jornalista desde 2018, pelo menos por formação, mas escrevo desde que me entendo por gente. Atuo na cena do rock/metal em várias frentes: divulgadora, incentivadora, vocalista e jornalista – e com base nisso – me perguntaram se a cena é machista: “irmão, o mundo foi feito para os homens! O sistema é criado na premissa de que mulheres devem ‘cuidar da família’, a sociedade é criada em cima disso, logo, qualquer cena, qualquer nicho é um reflexo real de sua sociedade, então a conta é simples”. Não é a cena que é excludente ou minimizante, a sociedade o é. Mulheres em cargo de chefia se masculinizam para ganhar “mais respeito”, e mesmo assim “essa subiu na vida, porque sabe-se lá onde subiu antes”, claro, porque não somos inteligentes, não somos capazes, não somos incríveis no que fazemos, somos apenas “as que abrem as pernas”, ou “as que se deitam por tudo”… Alguém já reparou como somos tratadas? Não é possível que isso passe de forma invisível, mas passa, sempre passou, porque é cômodo não olhar para a dor, é cômodo não ter que lidar com a deficiência, é cômodo não fazer nada! É cômodo até que acontece com você, até que acontece com a sua irmã, namorada, mãe… até que acontece com uma mulher próxima.
Logo que eu entrei no HBr, percebi um lugar seguro, um lugar onde eu não teria medo ou me sentisse menos que qualquer um. Eu era a única mulher na época, e nem faz tanto tempo, pouco mais de um ano. Hoje somos 9, divididas em redatoras, fotógrafas, film maker… quanto orgulho de tudo isso! Uma das minhas primeiras missões por aqui foi escrever o texto especial de dia das mulheres. E que lindo que foi (você encontra ele aqui), que experiência explosiva. Nesse texto, me lembro de uma passagem da Aletea Cosso, excelente baixista do Miasthenia, onde ela conta que um técnico de som de uma casa em que ela tocou, foi querer ensinar pra ela como tocar seu próprio instrumento, como se ela mesma não fosse capaz. Isso me incomodou de uma forma… talvez porque pra mim, me incomode mais alguém que duvide da minha capacidade, que alguém que insulte minha aparência, aí vai de onde o calo da pessoa aperte.

Hoje, um ano e dez meses depois, conto com as mãos de 8 mulheres incríveis, que, assim como eu (e toda mulher deste universo), se obrigou a ser forte, ser potência, para não sucumbir. Com a palavra, Germânia Opus Mortis (redatora e social media HBr): “Quando se fala em violência, ainda hoje as pessoas pensam em ataques físicos e se esquecem dos ataques psicológicos que ferem a alma, a dignidade e a essência da mulher. Passei por esse tipo de violência durante quase 3 anos [dentro da cena em que eu estava inserida], mas num acordo entre homens fui silenciada, inclusive por mulheres, e hoje sou considerada a ‘ex louca’, difícil, implicante. Foi no tempo que brincadeira virou bullying, desrespeito foi normalizado e me desqualificar como ser humano era algo considerado normal. Esse tipo de violência também precisa acabar”. Germânia foi desrespeitada ao extremo, inclusive por uma mulher, que também, infelizmente, é usada como arma de legalização de discurso. Esse é o papel das antifeministas, por exemplo, desacreditar o trabalho real das feministas em prol do machismo e da sustentação do sistema excludente atual. Ainda sobre o tema “não podemos esquecer que infelizmente existem mulheres que pregam o feminismo, a união, mas acabam apagando a história e imagem de outras mulheres, seja por desqualificar a veracidade da história da outra, seja por passar por cima de seu legado como se fosse apenas um adereço de palco. Temos história, temos personalidade. União é respeito pela história das colegas, do que veio antes, do que foi construído. Mulheres que apagam mulheres também estão cometendo violência contra mulheres. Você vai escutar o papo dos seus coleguinhas homens e concordar com eles, até que você seja a próxima vítima.” – completou.
Movimentos como red pill e incel, nasceram em contraponto ao crescimento da liberdade feminina. Enquanto o primeiro reforça a beleza da mulher amordaçada que não frusta o alecrim dourado, o segundo significa celibatário involuntário (em inglês, involuntary celibates), onde homens héteros culpam as mulheres por não terem uma vida sexual ativa, já que eles não se sentem capazes de se comunicar com elas. O mais louco é que o termo incel e o primeiro grupo no Reddit foi criado por uma mulher sob o apelido de Alana, ainda no fim dos anos 90, para unir pessoas com deficiência de comunicação, ou seja, extremamente tímidas, para tentar sanar esse problema, que segundo ela, sofria também. Mas o que era pra ser algo saudável saiu de controle. E os “tímidos” criaram um código onde eles se permitiam estuprar mulheres que desejavam, já que eles as culpavam por sua falta de capacidade sexual/romântica. É muito comum, infelizmente, ver a sociedade tentando normalizar esses comportamentos enquanto nada de mais drástico acontece. Laís Gamarra, a namorada de Thiago Schutz, ídolo red pill, que sofreu violência doméstica, ou Tainara Souza Santos, que foi arrastada na Marginal Tietê, em São Paulo, por não querer mais o relacionamento com seu namorado, antes de se tornarem parte do triste número de 3,7 milhões de mulheres brasileiras que sofreram violência em 2025 eram apenas cidadãs invisíveis, que deveriam ter sido protegidas. Laís já havia tido problemas e Tainara, idem, ou não teria terminado seu relacionamento.

Uma experiência que ninguém quer ter em seu currículo, mas assim como essas mulheres, infelizmente Cammy Marino (DJ, redatora HBr) tem seu relato: “fui agredida pelo meu primeiro marido… mas no meio underground, quase apanhei de um cara que eu nem conheço! Fui discotecar numa casa, no aniversário da minha amiga. E como essa casa tinha pole dance, na hora do ‘parabéns’, ela pediu para que todos colocassem um adereço laminado na cabeça e dançassem no pole, ao som de Vitas. Quando deu meia noite comecei o ritual. Todos estavam se divertindo, até que um cara surgiu do nada, com o soco armado na minha direção, me chamando de vagabunda, e dizendo que ali se curtia metal. Eu só soube me agachar pra me proteger, mas um amigo me salvou e botou esse imbecil pra fora da casa!”.
Homens respeitam homens, óbvio que eu não estou generalizando, por isso é tão importante que homens também apoiem a luta por igualdade, e pela vida das mulheres. E não, não somos mais importantes que ninguém, antes que alguém comece a levantar essa lebre, mas, temos morrido muito.

Morremos um pouco mais a cada irmã que se vai, vítima de um “não”, ou de uma roupa curta, ou de um decote num dia de calor… é complicado acordar e querer “ir com tudo”, quando o alvo está sempre nas nossas costas a cada passo, mas sempre encontramos um alívio, um abraço acolhedor, como o de Augusto Hunter (editor chefe HBr): “Sou homem, não sofro nem um-vinte avos do que as mulheres sofrem, pra ser, infelizmente, mais exato, são os homens que fazem esses horrores. Acho que toda essa luta é extremamente necessária. Vejo que a crescente pela luta de direito à vida feminina demorou, até demais, a ter ainda mais luz, como tem tido atualmente. Sendo do Rio de Janeiro, vejo bandas locais e femininas de força, lutando pelo respeito e seu espaço. Desejo que todas vocês continuem crescendo no cenário, não somente nos palcos, mas em todas as áreas da cultura. Que a luta por uma vida digna não passe incólume, mas que marque e seja presente, eternamente, não somente como luta, mas com os direitos adquiridos necessários. Vida longa a todas vocês, mulheres foda!”.
Diariamente colocamos no ar matérias sobre mulheres na cena – seja com as meninas do Crypta, do Nervosa (hoje mesmo a Iza Santa Fé postou uma lindeza de cobertura), Malvada, das divas do Symphonic, e não as medimos por baixo: elas não “cantam bem para uma mulher”, não “tocam bem para uma mulher”, elas são incríveis, e não porque são lindas, mas porque são capazes e talentosas! Lizzy Hale, Emily Armstrong, Emily Barreto são verdadeiras forças da natureza, e eu fico muito feliz em saber que a menina que quiser um espelho para sonhar com a sua banda, terá boas representações.

Vinny Almeida (Editor Chefe do Rock Vibrations e parceiro do HBr) conta: “Por vezes tive a oportunidade de estar perto de pessoas incríveis dentro do cenário rock/metal, e dentro de vários aspectos também encontrei um mundo sujo de gigantes autoritários, onde o que importa é o seu ‘legado musical’ e o que já fizeram pelo mainstream e, infelizmente, não foram poucas as vezes que presenciei situações péssimas envolvendo amigas, pessoas conhecidas sendo destratadas por pseudo artistas e até mesmo por quem defende pauta feminista. Certa vez, em um estúdio que trabalhei, a frase ‘ela fez curso, mas não é preparada’ apareceu descaradamente; pessoas pondo em cheque a capacidade de alguém unicamente por incômodo. Já assisti um show de uma grande amiga, em que seu ex-namorado fazia questão de afastar todos por ciúme, nem mesmo cumprimentar era possível. Interferi algumas vezes em situações caóticas para amenizar ou dar apoio a quem precisasse, perdi a conta das vezes em que fui um amigo ouvinte e tentei resolver a situação incoveniente, e mesmo que digam que não passa de uma ‘situação isolada’, a grande verdade é que querem que você se isole enquanto aproveitam para rasgar o verbo e tirarem seus sonhos e talentos. Enquanto os que dizem ser profissionais do nosso cenário não tiverem educação para entender que toda mulher é capaz das mesmas coisas que qualquer homem, jamais teremos uma discussão saudável sobre qualquer ponto. Temos excelentes mulheres que atuam diariamente; prestem atenção em cada mídia, contato, elas sempre estão administrando grandes projetos, fazem tudo de forma leve, constroem caminhos, laços… as musicistas incríveis que aparecem cada vez mais… até porque, você, cara pálida de barriga flácida, precisa entender que não é uma competição, é profissionalismo, então não seja mais um idiota! Mulheres, não acreditem naqueles que vendem um sonho, confie naqueles que possam lhe dar respeito.”
Em vista de toda a movimentação que os últimos casos de feminicídio (e tentativa de) causaram na mídia, o HBr resolveu abrir este espaço para relatos e contextualização de histórias reais, que aconteceram consigo ou com alguém querido. E o que me deixou bastante feliz foi a adesão masculina à causa.

A vontade de falar sobre alguma situação repulsiva vivida por uma mulher especial, é o caso do Raphael Arizio (redator HBr): “A violência contra a mulher continua sendo uma das tragédias mais silenciosas do país — e, muitas vezes, só vem à tona quando quase termina em feminicídio. É o caso da minha mãe, Sônia Aparecida, cuja história decidi tornar pública para alertar e fortalecer outras mulheres que continuam presas ao ciclo do medo. Depois de muitos anos separada, minha mãe finalmente decidiu tentar um novo relacionamento. No começo, parecia perfeito: carinho, atenção, presentes. Aquele homem mostrava tudo o que alguém espera encontrar após uma vida difícil. Mas a fachada durou pouco. O comportamento dele mudou, a bebida aumentou, e as discussões se tornaram frequentes. Os machucados começaram a aparecer. Ela dizia que tinha caído, que tinha escorregado… até eu e meu irmão sabermos, lá no fundo, que aquilo tinha outra origem. O estopim aconteceu durante um churrasco em família: ouvi um barulho vindo da cozinha e quando cheguei lá, ele tinha acabado de dar um tapa na cara da minha mãe. E ainda tentou justificar com um xingamento! Antes mesmo dele terminar a frase, eu o acertei e o expulsamos de casa. A família acreditou que tudo tinha terminado ali, mas horas depois veio o pior: ela ligou dizendo que estava presa na casa dele, sendo agredida, e que ele dizia que ela só sairia de lá morta. Chegando ao local, a cena foi desesperadora – arrombamos a porta e encontramos minha mãe ajoelhada, toda machucada, sangrando, o ferro de passar roupa quebrado ao lado. Ela contou que ele a espancou com o ferro e tentou atacá-la com um estilete. A agressão só terminou quando nós a resgatamos e acionamos a polícia. Ela quase apagou nos meus braços; se demorassem mais um minuto… eu não sei se estaria aqui contando isso. Ao expor essa história, a intenção é clara: alertar, incentivar denúncias e lembrar que a violência não começa no primeiro soco — começa no controle, no medo, no silêncio. Minha mãe sobreviveu, mas muitas não sobrevivem. E ninguém deveria esperar quase morrer para ser ouvida.”
São tantas experiências escancaradas diariamente na nossa cara, que, sinceramente, não consigo entender como a sociedade deixa passar tanta coisa, fazendo esse índice de violência aumentar tanto a cada ano.

Mas, quando a gente acha que pode estar a salvo em outro país, Cíntia Seidel (redatora e Team leader do HBr Team Europa) manda aquele balde de água gelada: “A mulher brasileira — e, de forma mais ampla, a mulher latina — enfrenta um tipo particular de vulnerabilidade quando vive fora do país. Não basta lidar com a solidão do deslocamento, as barreiras culturais e linguísticas, a distância da família e a necessidade de recomeçar: muitas de nós carregamos também o peso de uma imagem sexualizada, construída por estereótipos persistentes, que frequentemente nos reduz a um corpo antes de reconhecer nossa competência, profissionalismo e humanidade. Essa hiperssexualização atravessa ambientes de trabalho, interações sociais e até espaços supostamente seguros, gerando constrangimentos que muitas vezes ficam invisíveis — mas que moldam, silenciosamente, a experiência de ser uma mulher latina expatriada. Durante a pandemia, trabalhando em um hospital, vestida com camadas de proteção necessárias para salvar vidas, vivi uma dessas situações que marcam. Na frente de uma paciente — que também ficou desconfortável — ouvi de um colega que era ‘uma pena’ eu estar com tanto equipamento, porque meu ‘traseiro brasileiro’, segundo ele, sempre foi ‘uma visão tão agradável quanto o sol’. Ali, em meio ao caos sanitário, onde cada gesto deveria ser guiado por empatia e responsabilidade, fui lembrada de que, para alguns, minha nacionalidade e meu corpo falavam mais alto do que meu trabalho. Em outro episódio, durante a cobertura de um evento de metal, fui entrevistar um artista visivelmente alcoolizado que repetiu diversas vezes a pergunta se eu ‘não era também uma groupie’ e se não queria encontrá-lo ‘depois’, justificando que ‘toda brasileira que ele conhecia era um furacão na cama’. Eu estava ali em total profissionalismo — microfone na mão, acreditando no jornalismo — e me vi reduzida a um estereótipo sexual ofensivo, quase abandonando a entrevista no meio pela sensação de invasão e impotência. Essas situações não são exceções isoladas: são sintomas de um problema estrutural. E não deveriam fazer parte da vida de nenhuma mulher, muito menos de quem já enfrenta o desafio de construir um lar longe do seu. Ser expatriada já é, por si só, um exercício diário de coragem — entre saudade, adaptação e resiliência. Acrescentar a isso o peso do assédio, da fetichização e da desumanização é exigir demais. É urgente reconhecer que essas experiências existem, nomeá-las e combatê-las. Porque dignidade, respeito e segurança não são privilégios: são direitos — e deveriam acompanhar cada mulher, independente do país onde ela decide ou precisa viver.”
Hoje, banger, eu trouxe uma pincelada da história de cada irmão e irmã que está por perto, criando e encorajando. Essa é uma pílula do cotidiano de qualquer mulher que você conhece. Todas nós somos julgadas, condenadas, às vezes absolvidas e, muitas vezes, trancafiadas pela nossa própria mente que sucumbe ao gaslighting. Mas, dentro deste cenário, aparentemente, catastrófico, ainda há luz. Estamos cada vez mais inseridas nos mais diversos mercado de trabalho, em cargos que vão de motoristas de ônibus a juíza do STF. Nós podemos tudo! Não somos mais (só) a groupie que vai esperar o astro do rock para ter sua noite, somos a guitarrista que vai esmerilhar num solo perfeito, como Nita “hurricane” Strauss, somos a baterista que vai impor seu ritmo tão forte quanto seu coração, como Linda McDonald, somos Wanda Ortiz, Aletea Cosso, Patricia Morrison, Fernanda Lira no baixo pulsante; somos Prika Amaral nos desafiando a cantar, Angela Gossow, que mesmo sendo um monstro nos mics, resolveu agenciar e caçar talentos… somos divas com vozes angelicais, como Juliana Rossi, Sharon Den Adel, Liv Kristine, Vibeke Stene; somos também potências ancestrais, como Doro Pesch e Leather Leone. Somos imparáveis como o vento, radicais como o fogo, densas como a água e fortes como a terra, somos natureza, somos mulheres – mães, filhas, avós, dignas, somos berço, somos colo, somos lar, mesmo que de nós mesmas.
Mulheres do HBr
Legenda (da esq. pra dir.):
Amanda Basso, Nayara Sabino, Tathy Gianotti, Iza Santa Fé, Cynthia Lembke, Germânia Opus Mortis, Cintia Seidel, Cammy Marino e Edi Fortini.
Texto por: Amanda Basso
Fotos: Arquivo Pessoal
Relatos por: Germânia Opus Mortis, Cammy Marino, Vinny Almeida, Raphael Arizio e Cintia Seidel
Apoio: Augusto Hunter
EM SINAL DE QUALQUER PERIGO, LIGUE: 181









