A nossa colaboradora Amanda Basso esteve no complicado show do Dennis Stratton que aconteceu em São Paulo no Teatro Mars e já está notório que o evento foi caótico, entenda pelo texto de nossa colaboradora, o que ela pode nos dizer sobre a problemática noite. TODAS AS OPINIÕES DA COLABORADORA NÃO CORRESPONDEM COM A OPINIÃO DO SITE.
O que você pensa quando sabe que vai ter a oportunidade de assistir ao show de uma pessoa que fez parte da sua vida? Você fica ansioso, imagina como tudo no seu dia será perfeito (o tanto quanto possível). E quando você sabe que terá a oportunidade de tocar com a sua banda no mesmo evento de uma dessas lendas que fez parte da sua vida? É algo alucinante. Por mais que não seja um evento imenso, é algo que se guarda pra sempre. Eu sei, eu já vivi isso.
Mais uma vez o Brasil deu uma demonstração de como não agir na organização e na tratativa com os músicos, com os profissionais de imprensa e com o público.
Ouvi de uma amiga uma vez: “o problema é que no Brasil não se faz produção com paixão, mas só pelo dinheiro“, isso me fez pensar muito e perceber que, se a produção de eventos aqui no Brasil faz o que faz somente pelo dinheiro, algo está muito errado. Porque se queremos ganhar dinheiro com isso, faremos o melhor, porque vamos querer ser referência de qualidade, para que outras empresas nos contratem e a gente ganhe ainda mais dinheiro. Gene Simmons do Kiss age assim. “Muito obrigado por você ter me dado o que eu tenho hoje“, ele diz. Porque cada fã é responsável pela possibilidade que ele tem de dar conforto pra família dele, ou fazer o que ele quiser. Isso pode parecer gratidão, e pode até ser, mas isso também é um jeito dele manter você confortável para comprar seus produtos e mais, desejando pagar o que for por eles, mesmo se for um disco que você já tem, mas que a cor é diferente, ou um show com o mesmo Setlist desde 2001, praticamente, ou até um show holográfico com seus avatares, como é o que parece vir por aí.
Bruce Dickinson fala em suas palestras: “faça seu cliente virar seu fã“, porque assim ele não se importará em consumir apenas o que você indicar ou vender. Vejam onde estão esses homens que vendem suas imagens, seus produtos, seu know how. E onde está André Smirnoff? Essa é a pergunta de um milhão. O cara que deixou as bandas e o próprio contratante na mão. Provavelmente escondido em algum lugar, pra não precisar falar nada. Com medo? Não. Talvez planejando o próximo golpe? Não saberemos. Mas um amigo diz: “o gato sempre volta pra fazer cocô na mesma caixa“, ou seja, ele aparece.
As bandas Living Metal e Dancing Flames, que participariam como abertura do evento, foram tiradas de cena na última hora. Uma sucessão de atrasos e má organização da produção não deu o mínimo de estrutura para que esses garotos fizessem o que fazem de melhor: música!
Esses atrasos e cancelamentos causaram bastante tensão no backstage, correndo risco do próprio Stratton não subir ao palco. Por volta das 19:50, Dennis e a sua banda passaram o som sem o vocalista, que ainda não havia chegado ao local do show. Dennis cantou já com a casa aberta e o público assistindo.
O que era pra ter acontecido?
O portão da casa abre às 16h para os pagantes do Meet & Greet; até às 16:45 credenciamento e distribuição de pulseiras para esse público; às 17h começa o M & G com Dennis Stratton. Às 18h abriria os portões para público e imprensa. Imprensa credenciada e com suas devidas pulseiras, além de alocadas, caso tivesse apenas um lugar pra ficar; público livre para entregar os alimentos dos ingressos solidários ou comprar seu ingresso na porta. Às 18:30 sobe ao palco a primeira banda, que tocaria até às 19:10. Às 19:30 subiria ao palco a segunda banda, que tocaria até às 20:10, mais ou menos. Às 20:30, a banda que acompanha Dennis Stratton sobe ao palco para fazer um aquecimento de 5 músicas, depois disso, show com Dennis de mais ou menos uma hora e meia de duração. Esse era o cronograma que não foi cumprido.
Por causa do adiantado da hora, Leandro Caçoilo, Lennon Harris, Lelly Murray, Ricardo Lima e Piggy começaram o show sem uma abertura. É complicado atrasar demais um evento num domingo, onde no dia seguinte todos acordamos cedo pra uma semana de trabalho. Complicado mesmo. Mas essa jornalista, assim como as bandas Living Metal e Dancing Flames ressaltam que a banda principal nada tem a ver com todo o imbróglio da desorganização do evento. E, na medida do possível, fizeram um show emocionante.
Você já terminou um trabalho difícil, daqueles que tira você do prumo e chorou por isso? Então, foi exatamente isso que aconteceu! Até o início do show, o que havia sobrado de equipe, se engajou em conseguir amplificadores decentes, o que não aconteceu. Lennon teve problemas sérios com sua caixa, que simplesmente deixou de funcionar depois de algumas músicas. O que me deixa triste é saber que esses caras mereciam algo muito mais digno e agradável do que realmente aconteceu.
Enfim, mas vamos brincar de “De Volta Pro Futuro“? Vamos entrar no nosso DeLorean e voltar para qualquer dia de 1980. Toda aquela agitação da cena heavy metal e toda aquela ignorância juvenil, que chegava a ser ingênua. Vista seus jeans rasgados, sua camisa surrada e sua botinha de sola de pneu e vem comigo ver o que aconteceu em 03 de dezembro, no Teatro Mars.
Um galpão escuro e mal ventilado, com um palco precário e pequeno e um bar sem garçons. O backstage era separado do público por uma toalha. Os pagantes (e não pagantes – sim, depois de um tempo a festa simplesmente foi free) foram se aglomerando perto do pequeno palco, na esperança de ficar mais pertinho de seu ídolo. Não tinha como ficar mais perto que aquilo, só se Dennis aproveitasse o mês do natal e se vestisse de Papai Noel e pegasse um a um no colo. Uma lavação de roupa suja na passagem de som fez parecer que esse show seria inesquecível, talvez não pelos motivos iniciais, mas seria.
Stratton reclamou várias vezes que não se ouvia, coitado, nunca tocou em bar de rock no Brasil mesmo. Gostaria de pedir pra cada membro de qualquer banda que ler esse texto dizer quando foi que se ouviu no palco de qualquer bar desse país. Eu sou campeã de ir no feeling, porque o retorno que deveria ser de palco, geralmente está virado pra platéia… Dennis estava praticamente sem microfone, já que os auxiliares de backing vocal estavam praticamente inaudíveis.
Depois de uma introdução de evento dantesca, o show começa. Os primeiros acordes de Purgatory abrem passagem pro desfile de clássicos jurássicos de uma das bandas mais ouvidas desse país. Leandro Caçoilo fez muito bem seu trabalho sem tentar imitar nenhum vocalista da Donzela, o que é bem interessante. I’ve Got the Fire vem quase emendada, e trocadilhos à parte, acendeu a galera. Esse cover do Montrose foi a única música que não é do Iron Maiden que já foi tocada ao vivo em turnês, então reviver esse momento é sempre uma ida ao Marquee.
Innocent Exile mostrou que, com certeza Lennon Harris tocou essa música mais vezes que o próprio Steve Harris, uma pena o equipamento não ter ajudado, mas a execução foi perfeita. Another Life mostra mais uma vez que o fato do público ser mais velho que o da maioria dos shows recentes do Maiden, os anos 80 gritam. “A Zuleide não larga do meu pé” foi cantada a plenos pulmões pelos die hards. A gente não pode esquecer que o inglês não era acessível pra grande massa. Logo, as letras eram as mais diversificadas possível. Quem aqui não se lembra do refrão de Keep Me Comin’, do lendário Creatures of the Night, do Kiss, de 1982? Quem nunca cantou “o cara que me come“, no lugar de “you gotta keep me comin’“, que atire a primeira pedra!
Women in Uniform começou. Isso dividiu meus sentimentos, porque a gente sabe que o Maiden detesta essa música, sempre foram avessos a esse cover, tanto que eles não tocaram ao vivo. Mas enfim, no fim foi bom. Que fique claro que eu amo a versão deles pra essa música do Skyhooks, me pergunto se ela deveria estar no set apenas por conta de insatisfação da banda, inclusive do próprio Stratton.
Fim do aquecimento. Sobe ao palco a estrela mais esperada da noite: Dennis – o Pimentinha – Stratton. O galpão ficou ainda mais quente, o cheiro de cerveja derramada no chão ficou latente, o público que, infelizmente não era grande, ficou louco. Todos queriam um pouco de seu olhar de seu “olá“. Dennis subiu feliz, simpático, com sua cerveja na mão e um semblante que não era nem de longe o da passagem de som. Cumprimentando a plateia ele se mostra feliz de estar lá, e, apesar de tudo, quem está ali (pagando ou não) merece um bom show. E foi o que ele fez. Foi o que eles fizeram!
Ao meio do palco, Stratton começa a tocar a intro de Phantom of the Opera e esperando o público responder com um urro ao bom estilo Ruskin. Por 3 vezes ele repete o ritual, até que grita em seu microfone “Prowler” e assim os acordes da primeira música do álbum de estreia do Iron Maiden começa. Muito bom. Em seguida, uma do Killers, Wrathchild, mas que na tour de 80 já era executada. Platéia pulando, músicos pulando no palco, quase um transe coletivo. Stratton fechava os olhos e mostrava que estava gostando também e, como sempre digo: “se desceu pro inferno, abraça o capeta“, ou seja, curte! Todos mereciam aquele transe, todos merecíamos aquele transe. E então a tenebrosa Transylvania entra e Leandro Caçoilo some pro lado mais escuro do palco. Mas quem disse que o público se calou? Gritos de “ô ô ô…” acompanhando toda a música foram ouvidos. Pessoas chacoalhando os cabelos, uma moça quase derrubou o retorno de palco do Leandro… tudo correu como antigamente, quando tudo era instintivo e visceral. Não faço juízo de valor se era melhor ou pior, apenas constato que era diferente. E o que eu vi no domingo me fez procurar pelo meu DeLorean, porque eu voltei no tempo totalmente.
Remember Tomorrow foi antecedida por um discurso de amizade e dedicada a Clive Burr. Emocionante num nível de arrepiar os pêlos. E eles nunca mentem. Stratton solava com os olhos fechados, como se contasse uma história ao próprio amigo homenageado. O público se emocionou bastante. Charlotte the Harlot entrou em seguida e Caçoilo, como tradutor, informou a todos que essa música foi treinada exclusivamente para a tour sul-americana. Sobre esse detalhe, até agora, esse site não recebeu nenhuma informação sobre datas fora do Brasil. Fato é que Charlotte the Harlot não é tocada por Dennis em seus shows em Londres, mas que ele mesmo fez questão de trazer esse presente para o público daqui. Eu não tenho muito o que falar, porque pra mim é sempre maravilhoso ouvir essa música.
Então aconteceu alguma coisa que meu coração não esperava: Strange World. Eu chorei, meus amigos choraram… o próprio Dennis se entregou de uma forma incrível nessa música. Passada a choradeira, começam os primeiros acordes do que é uma das músicas favoritas de muita gente: Phantom of the Opera, mas agora pra valer! Mas Dennis continua querendo aqueles urros do Ruskin, então, novamente eles fazem a introdução 3 vezes antes de realmente começarem a música. O lugar veio a baixo. Foi contagiante. Depois de contar a história do monstro incompreendido, Stratton pergunta: “vocês estão prontos pra cantar Iron Maiden?” Então, depois de muito barulho, Iron Maiden começa. E é sempre bom ouvir esse hino. Hino que faz você lembrar o porquê de estar num lugar como aquele.
Mais uma pausa para uma conversa e Dennis explica que vai dividir a plateia em dois pra que eles façam um duelo na próxima música, e todos deveriam cantar muito alto. Caçoilo ainda faz uma brincadeira, pedindo pra que fique alguém do lado dele, senão Stratton ganharia o duelo de lavada. Running Free começa e o público já escolhe suas marcas. Chega o refrão e “I’m running free, yeah” é gritado com todo o ar dos pulmões. Mas, eis que os anos 80 brotam no meio do galpão, e entre a plateia dividida, dois caras se esmurrando surgem como se fizessem parte de uma encenação. A turma do deixa disso aparece, inclusive Castor, baixista do lendário Torture Squad, já que não tínhamos policiais na casa e o único bombeiro presente estava ajudando a vender cerveja no bar. Se você acha isso insólito, perceba que uma das pessoas que entraram na briga para separar e acabou brigando também, usava muletas. Um verdadeiro freak show.
Avisado da confusão toda, o segurança que estava na rua entrou e levou o brigão embora quase no colo. Quem estava no saguão do Teatro Mars contou que o sujeito ficou reclamando durante quase 20 minutos e ainda disse que voltaria com a polícia para ver imagens da câmera de segurança. Uma verdadeira piada!
Depois dessa demonstração incrível, a banda começou Drifter, que manteve nessa versão a famosa interação “iôô iô iô iô…” que levou o público ao ápice de transe e houve dança, pulos, urros… felicidade. Que no final das contas, tudo deveria se tratar disso: a felicidade de ter entre nós Dennis Stratton, o cara que esteve no Iron Maiden e até hoje se orgulha por isso.
Setlist:
Purgatory
I’ve Got the Fire
Innocent Exile
Another Life
Women in Uniform
Prowler
Wrathchild
Transylvania
Remember Tomorrow
Killers
Sanctuary
Charlotte the Harlot
Strange World
Phantom of the Opera
Iron Maiden
Running Free
Drifter
Local do show: Teatro Mars – Rua João Passalaqua, 80 – Bela Vista.
FOTOS POR AMANDA BASSO