Ao anunciar um novo trabalho, o Dream Theater faz disso um evento e assim sendo, seus inúmeros fãs se agitam pelo mundo na expectativa do que a banda irá apresentar no material inédito. Finalmente o sucessor de “The Astonishing“, de 2016, que dividiu as opiniões e longe de ser unanimidade para o bem ou o mal, começou a dar as caras no fim de 2018 e a sua bela capa já chamava a atenção, com um crânio segurado por uma mão robótica, o que ilustra a proposta da banda nesta obra. Como de praxe, a banda lançou alguns singles e estes mostraram que a direção havia mudado mais uma vez, trazendo suas influências de volta , além de muito da sua identidade. O Dream Theater apresentava assim, “Distance Over Time“, lançado pela InsideOut Music, o 14° trabalho dos caras, que simplesmente fizeram seu melhor desempenho desde o álbum “Octavarium“.
Antes de falar das músicas, há de se falar da produção do disco. Essa há muito tempo não vista tão bem realizada em um disco dos caras, mesmo tendo sido espetacular no trabalho anterior, aqui as coisas funcionam devidamente, cada uma em seu lugar e com tudo agindo em conjunto. O som é cristalino e prazeroso de ouvir, a produção continua na mão de Petrucci e seu novo engenheiro de som que, como visto num vídeo lançado pela banda, mostra uma competência exímia, microfonando devidamente cada instrumento de forma correta e dando destaque para cada um deles. Só esse fato já merece uma nota máxima facilmente.
Agora sim, indo ao que interessa, o álbum em si. “Distance Over Time” aborda um tema bastante atual e corriqueiro de nosso tempo, a relação homem e tecnologia, as dependências que criamos das mesmas e como nossas frustrações muitas vezes são maquiadas nessas relações.
Pois bem, abrindo o trabalho, temos o primeiro single lançado, “Untethered Angel” começa com um dedilhado calmo, dando um climão de suspense e que certamente arrancará gritos do público nas aberturas dos shows. Logo entra em cena a banda completa, e aí vemos a proposta aqui, soar pesada mais do que nunca, pois se trata até então do seu trabalho mais pesado (inclusive em comparação ao “Train of Through“), carregados de groove e com uma grande atmosfera sombria de base pra tudo. Tentar falar de cada instrumento é chover no molhado, mas não há como passar em branco ao timbre magnífico da guitarra de Petrucci, as passagens de teclado de Rudess logo no primeiro pós-refrão, e duas coisas a serem ressaltadas: Myung dispara notas em seu baixo, dessa vez com a raiva de um jovem fazendo música. O som é grave e estalado, se destacando no meio de tanta coisa. Outro fator é como Mike Mangini vem cada vez mais se familiarizando em estar no posto de baterista. Quarto álbum do moço e o terceiro com suas composições, este se sente bem e já nessa primeira faixa mostra sua criatividade em divinos trabalhos de pratos e chimbal, além de várias passagens de pedal duplo lindas. Ah, e que belo refrão temos aqui, LaBrie já quase na casa dos 60 canta de forma natural e num tom correto, mas gostoso de se ouvir, gruda fácil e a faixa se encerra num bate cabeça estupendo. Das melhores do disco logo de cara!
“Paralyzed“, outro single lançado, o terceiro deles, começa com bastante peso, que remete a bandas mais recentes da nova leva do metal. O som é bem cru e direto, e como tem sido há uns bons anos, é a segunda faixa e de mais fácil assimilação do álbum, o que em nenhum momento a faz menor. É impecável com passagens remetendo ao metal gótico e tem um belo vocal empregado, e se nota a química dos músicos que “andam” de certa forma tão juntinhos pra fazer um som tão bem amarrado. É o Dream Theater sendo mais simples, porém com a mesma qualidade de sempre.
Mais um single aqui e temos “Fall Into the Light“. Aqui temos os caras resgatando suas influências numa música com pegada mais tradicional, associada claro ao que eles fazem de melhor. Vemos uma mistura de Iron Maiden e Metallica em suas passagens associada ao prog do Dream Theater. É rápida, temos um James se impondo no vocal com passagens hora mais agressivas, hora mais calmas e harmoniosas. Sua metade já traz o que esperamos, um solo intrincado e uma passagem acústica bem à cara de algo saído direto do “And Justice For All“. É uma beleza ver os caras trabalhando dessa forma suas raízes, mas logo sr. Mangini em sua caixa chama a coisa de volta pro mundo do prog e um solo de Rudess dá as caras num andamento cheio de pegada. Petrucci encerra a festa disparando notas a toda pelas cordas. Esta faixa é certamente outro destaque do disco.
Quem da seguimento é “Barstool Warrior“, e o faz muito bem. Se trata de uma espécie de balada pesada ao melhor estilo prog do DT. É pesada, de andamento mais lento e com James fazendo o que sabe de melhor nos vocais. É cheia de solos muito bem construídos e uma passagem de piano muito bela no melhor estilo do maestro Rudess acompanhada de outro lindo solo inspirado de Petrucci. O final da canção é mágico e passa uma sensação tão boa de se ouvir. Linda!
“Room 137” começa pesada, groovada e cheia de cadência, lembrando algo dos primórdios do som do Korn, principalmente pela linha do baixo e logo vai para um arsenal de mudanças de tempo e notas fuzilando os ouvidos. O solo é de se fazer viajar acompanhado em perfeita sincronia da cozinha, com destaque para o baixo mais uma vez, atacando a mil em sua presença. Faixa perfeita para o bate cabeça e das mais pesadas aqui.
Myung soca a mão no baixo na introdução de “S2N” no melhor estilo Geddy Lee, e quando a banda o acompanha começa a quebradeira. Mangini espanca sua bateria em tempos quebrados e mostra sua competência absurda em passagens que dão nó na mente. Juntos, Petrucci e Rudess incendeiam tudo com seus acordes. Mais uma vez LaBrie se impõe no vocal e vemos algo que há tempos não se via, uma dobra de vocais como de outrora e seu solo é dos belos momentos criativos da banda, como já não se via há um bom tempo. Muito bom ver esses caras na fome de compor e impressionar novamente. Mais um belo refrão para se cantar a toda, maravilhoso e que final, que final!
O começo de “At Wit’s End” já é uma obra prima por si só. Não há o que falar das passagens carregadas de notas, peso e agressividade de tudo aqui. Se trata da faixa mais longa do disco, com seus quase 10 minutos e com toda certeza das melhores. Tudo soa simplesmente perfeito! A música vagueia em mudanças de ritmo a todo momento e tem um refrão bastante sombrio. Aqui, a produção do disco há de ser ressaltada mais uma vez. Notem como se ouve cada batida empregada por Mangini e é possível ver a baqueta no chimbal, devido o som tão cristalino, nada passa despercebido. Tem um final maravilhoso, carregado por um belo solo de Petrucci, daqueles que ele emprega todo seu feeling e põe em notas seu gosto verdadeiro pelo que faz. Em seu final, temos uma espécie de background da gravação da faixa que é bastante interessante de se ouvir.
“Out of Reach” é a balada assumida da vez e, se uma coisa é incontestável na carreira do Dream Theater, é que eles sabem fazer isso e muito bem. Desde “Another Day“, eles sempre trouxeram belas canções quando se enveredam nesse caminho. A música é calma e cheia de inspiração, cheia de nuances dramáticas e soa muito bem ao ouvinte. Conforme há seu crescendo, a canção nos toma conta e envolve em sua áurea e nos leva a uma bela viagem sonora que fazem da música uma terapia de paz e relaxamento.
Perto já de seu fim, “Pale Blue Dot” começa toda misteriosa, nos convidando a adentrar ao que vem em seguida. Logo Mangini chega fuzilando chimbal, caixa e pedais. Em seguida, Petrucci e Myung surgem para acompanhá-lo e a música se torna uma locomotiva sem controle e cai num embalo carregado pelo clima dos teclados de Rudess. Seu início parece uma trilha de filme de suspense e assim se segue em seus primeiros momentos nos levando pra uma atmosfera de pesadelo. As mudanças no andamento se fazem de forma natural, e que mudanças. Seus acordes no refrão são carregados e a voz de LaBrie parece comandar essa opera trágica de forma divina. A quebradeira do solo destrói os ouvidos e nos tira de órbita, nos levando pra um tempo caótico. É o Dream Theater na sua megalomania que todos esperam ouvir. Que espetacular!!! A faixa de maior destaque do álbum todo, impecável!
Há ainda de ressaltar a faixa bônus, “Viper King” tem seu início com cara de Deep Purple pela chamada dos teclados e logo descamba numa levada cheia de cadência. James surge mostrando a todos sua potência vocal e reina, é o seu momento e brilha demais. O peso continua permeando tudo por aqui e dá-lhe música boa. Belo refrão, no melhor estilo do rock clássico, com sua dose de metal e uma pitada de blues. Que delícia de faixa, até uma levada à rockabilly é notada aqui devido à sua rítmica meio dançante no refrão. É um belo encerramento num alto astral, numa vibe de festa!
Há quanto tempo Dream Theater não soava com esse frescor, com essa inspiração toda e com essa fome de criar! “Distance Over Time” é criativo, pesado, inspirado e até divertido de se ouvir. Se afirma como um dos melhores trabalhos dos caras e de fato o melhor em muitos e muitos anos. Que coisa mais linda temos aqui. Mais contido talvez o que não o diminui em momento algum e mostra que a banda aprendeu que menos é mais.
NOTA: 5/5
Faixas:
01. Untethered Angel
02. Paralyzed
03. Fall Into the Light
04. Barstool Warrior
05. Room 137
06. S2N
07. At Wit’s End
08. Out of Reach
09. Pale Blue Dot
Faixa bônus:
10. Viper King (ausente na edição nacional)
Formação:
James LaBrie (vocal);
John Petrucci (guitarra, violão, vocal);
John Myung (baixo);
Mike Mangini (bateria);
Jordan Rudess (teclados, sintetizadores)