Claro que a gente sabe que anteriormente algumas bandas inventaram esse negócio de última turnê e ficaram nessa por 10 anos, scorpiando e kissando, fazendo o acústico da última turnê, o pré-final da última turnê, a última turnê “revisited”, a comemoração do sexto-sesquicentenário da última turnê, a última turnê – o retorno… Mas, vai que os caras do SEPULTURA estão falando a verdade. Com nomes consolidados, cada um deles já garantiu inclusive seu trabalho solo ou projeto paralelo, pra ajudar a matar o verme de tocar quando estiver há muito tempo longe do palco, mas sem ter que, pra isso, fazer uma nova viagem de Magalhães. Então, se tem anúncio de show do SEPULTURA na sua cidade, em uma cidade do seu estado, em uma cidade do estado vizinho, o que o headbanger tem mais que fazer é somente uma coisa: ir. Ou se lamentar por 68 anos.
E foi assim que no sábado, 6 de julho, Fortaleza, mais especificamente a icônica Praça Verde do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, foi palco de um evento inesquecível para os amantes do heavy metal. Três bandas icônicas convidadas pela M2F e D Music, VISCERAL SUFFERING, ANGRA e o já dito SEPULTURA, entregaram performances arrebatadoras que deixaram o público em êxtase. Fortaleza, sem dúvida, foi transformada em um epicentro do metal, e os fãs saíram com a certeza de terem presenciado algo verdadeiramente especial. A seguir, um resumo detalhado das apresentações, com fotos de Rubens Rodrigues.
A noite começou com a banda Visceral Suffering, que trouxe um setlist visceral (claro, não poderíamos deixar de fazer o trocadilho) e técnico. Com Fabrício Machado no baixo, Caio Victor na bateria, Anderson Meneses e Talvanio Santos nas guitarras, e Satoshi Alisson nos vocais, a banda apresentou faixas do álbum “Sons of Evil“. Destaques para “Dissecting“, “Requiem of Death” (que originalmente gravaram com Fernanda Lira, da CRYPTA) e a faixa-título de seu debut, “Sons of Evil“. A banda também surpreendeu com músicas novas como “Hecatomb” e “Catharsis“, mostrando que continuam a evoluir sem perder a brutalidade que os caracteriza. Brutalidade a la Cannibal, diga-se. O baixo de Fabrício, marcando como marteladas, e os solos melodiosos das guitarras foram pontos altos da apresentação. O bom da banda é que aposta na brutalidade, mas não se exime de solos melodiosos. Tem potencial para se tornar um dos grandes nomes do gênero no Brasil.
ANGRA
Em seguida, foi a vez do Angra subir ao palco. E se o evento já era imperdível com a banda brasileira de metal pesado mais conhecida no mundo, com a inclusão da banda brasileira de metal melódico mais conhecida no mundo, a ausência do banger se tornou passível de punição tipo águia de sangue ou touro de bronze. Com Rafael Bittencourt na guitarra e vocais, Felipe Andreoli nos “baixos”, Fabio Lione nos vocais, Bruno Valverde na bateria e Marcelo Barbosa na guitarra solo, a banda entregou um setlist que mesclou clássicos e composições novas, vindas do recentemente lançado “Cycles of Pain”.
O tempo de contar até 3 depois da “música do magaiver” foi o suficiente para que os primeiros sons de selva, de povos originários, deixassem o público em desespero.
Abriram com “Nothing to Say” e “Angels Cry“, ambas cantadas em todas as vozes, não só a do Italiano que tinha acabado de subir ao palco. Já vão pra “Tide of Changes“, a primeira, começando calminha, ainda a ameaça de mudança, a maré ainda muito ao longe. Quando Rafael e Marcelo voltam ao palco (os guitarristas tinham saído) que Leone se deixa derramar bradando “Take another piece of me”.
É a onda das mudanças que chegou devastando tudo, levando tudo consigo, mas não deixando a destruição, deixando a coisa mudada, de quem se tirou um pedaço, e outro, e se transformou em algo além, até maior, até mais rico.
Adiante, Lione convida para a que abre o primeiro disco em que ele cantou, a sua “Rebirth“, “Newborn Me“. E pediu ajuda pra cantar “Lisbon“. Essa, claro, o público canta até onde não tem letra. Ta tanananã tanananã… e é assim que transformam Fortaleza em Lisboa, Lisboa em Fortaleza, Olisipo em Fortitudine.
Para a singular “Vida Seca“, o capiroto faz a voz de Lenine. Cabe lembrar que aqui Andreoli ataca com baixo de dois pescoços. “Dead Man on Display“, outra linda do álbum mais recente traz seu riff pra marcar presença.
E, como não poderia faltar, o italiano brinca de Fred Mercury antes que ele e o Capiroto iniciem, num belo acústico, “Rebirth“. Assim é que o homem renasce numa explosão, com a banda inteira no palco. E a canção termina como começou, calminha, levinha, nas cordas mpbísticas do capiroto, este mostrando porque só um brasileiro seria capaz de tanta genialidade.
E continuando no clima de brasilidade, ecos de Carolina, a quarta, trazem do “templo das sombras a estrela da manhã”.  Uma grandíssima falta de educação é a de Andreoli com o baixo de dois pescoços. Baixo de cima de mpb, baixo de baixo de metal. Ou o contrario. Que pedante. Que coisa linda, meu Deus. Está nos deixando mal acostumados
Time“, “Cycles of Pain“, “Ride Into the Storm” conectam passado e presente do ANGRA, todos os seus ciclos.
Agora vocês escolhem se querem cantar em inglês ou português, eu vou cantar em inglês, avisa Fabio, que fala com o mundo a cada canção. Calcinha preta, grita o público gaiato. E eles não se fazem de rogados, acenando entram na brincadeira. Mas é um show do Angra, não da… Black Knickers. Claro que estamos falando de “Bleeding Heart”.
Chega a hora do “olé olé olé angrá angrá”, que é pra eles voltarem pro bis. O encerramento com “Carry On” e “Nova Era” foi apoteótico, deixando um gostinho de quero mais.
SEPULTURA
Os dois shows foram tão cheios de energia que até seriam suficientes para o headbanger voltar pra casa com o sorriso do gato da Alice. Já valeu o valor do ingresso. Mas, não, ainda havia uma banda, a mais esperada, o SEPULTURA DO BRASIL pra tocar. E, se falei do sorriso, por que que de repente bate uma tristeza. Por que eu estou triste? Na iminência de um show massa, por que eu estou triste?
“Polícia”, dos Titãs, no som faz a galera endoidar como se o Frommer tivesse descido do céu pra tocar ali. Era o sinal de que o tio Paulo Jr., Andreas Kisser, Derrick Green e Greyson Nekrutman estavam prontos pra subir ao palco da Praça Verde pra começar a demolição de todo o Dragão do Mar. E foi o que eles fizeram metendo logo três do Chaos A.D de uma vez. A dobradinha “Refuse/Resist-Territory” foi seguida por “Slave New World“, exatamente como no melhor álbum do SEPULTURA (quem quiser pode me xingar, não estou preocupado).
A galera fica sem chão. E logo começa um passeio pela maioria dos álbuns da carreira do SEPULTURA, começando com  “Phantom Self“, do “Machine Messiah“, um dos mais recentes, passando depois pelo aclamadíssimo “Roots“, com “Dusted“, “Attitude” e “Spit“. Esta última voltando aos sets depois de quase dez anos (a última vez que fora tocada foi justamente na turnê que comemorava os 30 anos do SEPA).
“Tenho estória incrível aqui em Fortaleza, muito obrigado viu. Tem muitas músicas pra tocar pra vocês. Vocês tem disco roots (SIC), em português quase perfeito. Note-se que os dois gringos brasileiros por usucapião se esforçaram pra conversar em português com o público.
O som da banda é um trem passando em cima do público. Mas não é depressa. E bem devagarinho. Devagarzinho. Cadenciadamente a experiência do esmagamento é mais prazerosa. Ainda mais quando temos a lindeza “Kayros” e seu solo (curto mas) espetacular como maquinista.
Do último disco, Means to an End importante “Guardians of Earth” (que solo lindo, que lindo ver isso ao vivo), recheadas de “Convicted in Life“. Antes Andreas tinha apresentado o “Seu Creisson”, o novo baterista Greyson Nekrutman, rodiziado do SUICIDAL TENDENCIES (na dança das cadeiras da qual também participou o SLIPKNOT). O moleque já se mostra completamente adaptado ao tamborete que ocupa. E feliz de tocar no cenário lindo que, a despeito de todos os problemas em seu derredor, o Dragão do Mar ainda proporciona. Duvido que ele já tenha tocado em local mais bonito que a Praça Verde Rodeada de Branco e Vermelho Rosado, encimada pela céu do qual Fortaleza tem a escritura. Seus três colegas/chefes/mentores já conheciam a praça, do Ponto.CE de 2018, na turnê do à frente do seu tempo Machine Messiah. Ele não.
No passeio pelos 40 anos de trajetória, alguns discos ficaram de fora. É o caso do ultraviolento com leite A-Lex, de “The Mediator Between Head and Hands Must Be the Heart” (ambos ainda não apareceram na turnê) e “Nation“, que vez ou outra emplaca o hino “Sepulnation”. Outros, como o “Kayros” aqui já mencionados, forneceram ao setlist uma ou duas músicas. “Mind Wars“, do “Roorback“, “False” e a já citada “Convicted…”, do “Dante XXI“, “Choke“, do “Against“, a schizothrash “Scape to the Void“. Que passeio. Que maratona.
Voltamos a 94, hora do almoço, e só 30 anos depois descobri que “Kayowas” se pronúncia ‘caiouá’. E ela vem linda, o canto dos povos originários do SEPULTURA do BRASIL-Kayowá vem maior, e com uns amigos (que não foram apresentados) tocando outros tambores. Quem viu. Viu.
Depois do respiro, continua a maratona com o clássico “Dead Embrionic Cells“, colada a “Biotech is Godzilla“. Agora diria o velho Max que a IA é Godzilla?
É inacreditável que tenham resolvido colocar a linda, complicada e anticlimática “Agony of Defeat“. E não há como funcionar melhor em mais uma pausa estratégica pra rodas comerem de esmola novamente em “Troops of Doom“, “Inner Self” (a preferida do herdeiro) e, claro, “Arise“. Até Wall of Death teve. Pequena por causa das divisões do público em três pistas. Parecia briga de família. Mas teve.
Pra não perder o costume (e esperamos não perder MESMO o costume) a “pipoca” garagem favela de “Ratamahatta” e o hino de nossas raízes sangrentas “Roots Bloody Roots”.

E assim, com um show que foi uma verdadeira celebração de sua carreira, o Sepultura se despediu de Fortaleza. Se esta realmente for a última turnê, os fãs cearenses podem se considerar privilegiados por terem testemunhado um dos capítulos finais de uma das bandas mais icônicas do metal mundial. A energia, a paixão e a entrega de cada membro da banda foram palpáveis, deixando uma marca indelével na memória de todos os presentes. Se você ainda tem a chance de ver o Sepultura ao vivo, não perca. Porque, se for mesmo o fim, será uma despedida à altura de sua grandiosa trajetória. É peso. É história. É Sepultura do Brasil -sil -sil.

Agradecimentos:
M2F e D Music pela atenção e credenciamento.

Rubens Rodrigues, pelas imagens que ilustram esta matéria. Confira mais na galeria abaixo.