Fazendo nada mais, nada menos do que a sua décima tour pelo país, o Therion já sabe exatamente do que os brasileiros gostam, e assim foi a sua celebração no dia 11/09/2024 no Carioca Club, em Pinheiros.

Vindo para um show único, o septeto capitaneado pelo músico Christofer Johnsson apresentou por mais de duas horas um show que mesclou clássicos com músicas da trilogia Leviathan, que teve sua trinca lançada em 2021 (Leviathan), 2022 (Leviathan II) e 2023 (Leviathan III).

Ao chegar na casa por volta das 18:50, notei uma pequena fila que me assustou um pouco, já que a banda costuma fazer shows com um público considerável aqui no Brasil. Logo me dei conta de que estávamos em plena quarta-feira, e tudo passou a fazer mais sentido.

Já dentro da casa, o primeiro ponto negativo foi a mesa de Merchandising da banda: com apenas duas opções de camisa (130,00) e quatro opções de CD’s (50,00 a 70,00), ficou aquele gostinho de quero mais para ter algo mais barato para levar de lembrança, como os copos que já caíram na graça dos fãs brasileiros há algum tempo. Outro ponto negativo foi o local escolhido para a mesa: era no final da pista, porém em um local escuro, onde abajures iluminavam os produtos, e às vezes as luzes dos celulares dos vendedores ou até mesmo dos fãs, para melhor visão. Para compensar tudo isso, vendedores extremamente gentis estavam fazendo o que podiam para entregar o melhor serviço possível.

Final da pista com iluminação precária, onde instalaram a mesa de merch. Foto por: Gabriel Furlaneto
Modelos de camisetas disponíveis no merch da banda: R$130,00 Foto por: Gabriel Furlaneto
CDs disponíveis no merch, a partir de R$50,00. Foto por: Gabriel Furlaneto.

Conforme a casa ia enchendo, ainda que de forma mais lenta, começavam a se formar grupos. Pessoas de todas as idades, grupos de amigos, casais e pessoas que foram aparentemente sozinhas andavam pela casa esperando pela banda. Encontrei uma família que simbolizou muito bem a questão das idades. Nessa família, dois irmãos trouxeram seus filhos para o show do Therion: de um lado Gilson (pai) e Leonardo (filho) estavam na sua quarta apresentação da banda Sueca, da qual o genitor classificou a trilogia Leviathan como “uma tentativa de volta as origens da banda, porém ciente que a idade chega para todos e que é normal a banda perder potência com o passar dos anos”. Do outro lado, Carlos (pai, e irmão de Gilson) e Davi (filho e consequentemente primo de Leonardo) estreavam em shows da banda, por influência dos parentes, já fãs de longa data. Rolê em família rock n roll em pleno meio de semana!

Lotação longe de ser máxima, me deparei com talvez o problema mais grave da casa: a falta de acessibilidade. Por volta das 20:00 chegou uma moça em cadeira de rodas, que foi colocada em um local que claramente não era propício para a condição dela. Não havia qualquer mudança de altura na pista que a acomodasse, então ela apenas ficou a esquerda do palco sem muita chance de ver o show em condições aceitáveis. A simpática Camila Tamya, fã do Therion há mais de 10 anos e que viajou cerca de 800 quilômetros desde o interior do Paraná para ver seu primeiro show da banda relatou que infelizmente não é novidade nenhuma o que ela passaria naquela noite: “eu luto contra isso todos os dias da minha vida, sou amputada há 13 anos. No Carioca Club é a segunda vez que eu venho, e é a segunda vez que tenho dor de cabeça. Quando vim ao show do Amon Amarth eles falaram que teria uma área PCD elevada na frente do palco, que não tinha. Nos colocaram no mezanino, porem a casa não tem elevador, então meu namorado e meu amigo me carregaram pelos braços enquanto eu precisei ir pulando, enquanto minha amiga, também cadeirante, precisou ser carregada por oito pessoas pela escada, correndo risco de cair e tudo mais, e para descer foi o mesmo tormento” e complementou “vim do Paraná, viajei 800km, paguei um ingresso caro, porque o PCD paga ingresso também, não é nada de presente pra gente, e quando eu mandei mensagem para a casa antes de comprar o ingresso, me foi garantido que haveria uma área destinada ao publico PCD, com promessa de local elevado e boa visão do palco. Cheguei aqui e o lugar não é elevado, estou sentada e estão todos em pé na minha frente, por mais que o palco seja alto, eu não vou conseguir ver direito”.

A fã Camila Tamya mostra a sua insatisfação ao saber que viajou 800 km para não assistir a nada. Foto por: Gabriel Furlaneto

A foto abaixo foi tirada pela Camila, ela pegou meu celular, colocou exatamente na altura do rosto dela, e tirou a foto para que possamos ter uma noção do seu campo de visão naquele momento, ainda com a casa mais vazia. Fica o registro para que a casa possa se preparar para acolher da melhor forma as pessoas com necessidades especiais.

Visão da fã Camila Tamya no “local diferenciado” reservado aos pcd’s. Foto por: Camila Tamya.

Por volta das 20:10, já próximo do começo do show, a casa simplesmente encheu. A dificuldade de um show em meio de semana certamente pesou muito para as pessoas, que enfrentaram transporte publico cheio para poder chegar em mais em cima da hora.

As 20:30 em ponto as luzes apagam e começam os primeiros acordes de Seven Secrets of Sphinx, levando a plateia ao delírio. Muito sorridentes os três vocalistas da banda, Thomas Vikström, Lori Lewis e Rosalía Sairem mandavam beijos e faziam corações para os presentes no local, enquanto se revezavam cantando com uma potência característica das bandas do estilo. A banda, alem dos três vocalistas e do seu “donoChristofer Johnsson na guitarra, ainda contava com Sami Karppinen na bateria, Christian Vidal na guitarra e Chris Davidsson no baixo. Vale ressaltar que o baixista e a vocalista Rosalía Sairem são músicos de tour do Therion, não sendo considerados “membros oficiais”.

O setlist percorreu nada menos que 11 álbuns da extensa discografia da banda, divididas em 23 canções.

O vocalista Thomas Vikström anunciava que muita coisa ainda estaria por vir, e fez uma analogia um pouco estranha: “It’s gona be like a churrasco!”, arrancando risadas da plateia. O show foi seguindo sempre com o público cantando com toda a força em todas as músicas. 

Quando o vocalista se aproximou e anunciou Uthark Runa, do álbum Lemuria (2004), que não era tocada desde 2005, os presentes deram um gás a mais no vocal, mostrando toda a felicidade em ver essa música sendo tocada pela primeira vez em solo brasileiro, já que entre o lançamento dessa obra e o apoteótico show no extinto Direct TV Music Hall, em agosto de 2004, onde a banda excursionava com o Lemuria, por alguma razão inexplicável, essa música não foi executada.

Outro momento envolveu o álbum Lemuria, esse um pouco mais engraçado, foi quando a vocalista Lori Lewis se aproximou do local para anunciar que tocariam uma música do álbum. Quando a plateia ouviu o “Lemuria”, ficou em polvorosa achando que era hora de um dos maiores clássicos da banda. Com um sorriso e um “ainda não”, Lewis anunciou a pesada Syphon, que cumpriu bem seu papel de agitar todos os presentes na casa. 

Ao tocarem três músicas seguidas da trilogia Leviathan (El Primer Sol, Litany of the Fallen e Eye of Algol) a plateia interagia de forma mais tímida, o que foi brutalmente quebrado em Mark Of Cain, do álbum “Vovin”. Mais duas músicas da trilogia em sequência e a temperatura voltou a cair, para que novamente uma música do álbum clássico de 1998, dessa vez Wine of Alugah, trouxesse a plateia de volta.

Já se encaminhando para a parte final do show, os presentes no local aparentavam um pouco de cansaço, provavelmente vítimas de dias com calor infernal na cidade, somados ao dia útil de meio de semana algumas vezes mencionado neste texto. Quanto a isso inclusive, um elogio ao Carioca Club, que deixou seu ar condicionado e seus ventiladores laterais a todo o vapor para garantir um clima agradabilíssimo dentro da casa. Outro grande elogio tem de ser feito é a qualidade extrema de som mesmo no fundo da pista, pois esse estilo de música pode sair completamente prejudicado se o som não ajudar.

Voltando ao que interessa, após um pequeno solo de bateria, uma sequência de clássicos deixou a plateia ensandecida: Nightside of Eden, Quetzalcoatl, Lemuria (agora sim!) e Sitra Ahra simplesmente levaram a casa abaixo.

Hora do dono da festa se pronunciar. Ao pegar o microfone Christofer lamentou o fato da última tour não ter passado pelo Brasil, e disse que espera ter podido nos compensar nessa noite, o que foi aplaudido pelos presentes. Depois de perguntar se a plateia estava cansada, anunciou To Mega Therion, dizendo que as plateias pela America competiam para ver quem gritava o nome da música mais alto. “Pensem como uma partida de futebol entre Brasil e México, onde fecharemos a tour”, disse. Se ele soubesse o atual estado da nossa paciência com a seleção nacional de futebol, talvez ele usaria alguma outra analogia. Após poucas tentativas, e claramente satisfeito com a interação e entrega dos presentes para “fazer esse gol pro Brasil”, a guitarra marcante de um dos maiores clássicos da banda entrou em cena para, mais uma vez, fazer a plateia ir a loucura, encerrando assim a primeira parte do show.

Na volta para o bis, mais um mini solo de bateria para na sequência começar a música mais celebrada da noite. Quando a épica Rise of Sodom and Gomorrah começou a ecoar pelo Carioca, o que se via era um mar de mãos levantadas cantando em uníssono. A única parte não tão boa nesse momento foi o jogo de luzes escolhido para a execução. Chuvas de luzes brancas iam em direção a pista, o que por vezes dificultava muito para conseguir ver os músicos no palco. Porém, nada que atrapalhasse a execução impecável desse hino do metal sinfônico.

Son of the Slaves of Time encerrou a noite épica em que o amor pelo Therion mais uma vez foi provado em solo brasileiro.

Sob gritos de “ole ole ole ole, Therion, Therion” os músicos passaram algum tempo acenando, jogando palhetas e mandando beijos e corações para a plateia, como se não quisessem ir embora. Após a tradicional foto de fim de show, se despediram uma última vez, certos de que fizeram outro show histórico por aqui.

Em janeiro de 2024, Christofer Johnsson postou um longo texto em seu Instagram onde anunciou que a banda fará uma pausa após a tour para que ele se concentrasse em outros projetos, e que quando voltassem, escolheriam com mais critério os locais em que fariam seus shows, tendo inclusive praticamente descartado shows nos EUA. Ao citar a América do Sul, disse “Para a América Latina e o resto do mundo, espero que seja como sempre foi. Em alguns países sempre tocamos, em outros tocamos ocasionalmente quando a oferta é boa o suficiente. Em outras palavras, se você mora no México, não precisa se preocupar (talvez até façamos mais shows lá do que da última vez), e Chile e Colômbia podem ter certeza de que sempre estaremos por aí também. O restante dependerá das ofertas e das condições gerais.”

Nota-se que o Brasil não foi citado, nem pelo bem, nem pelo mal. Provavelmente se encaixe no “dependerá das ofertas e condições”.

Se depender desse último encontro, com certeza a banda se sentirá muito à vontade para mais alguns “churrascos” aqui no nosso país.

Agradecimentos especiais ao Carioca Club pelo credenciamento e ao Headbangers Brasil, em especial a “Blood Brother” Amanda Basso, pela confiança nessa cobertura.

Therion é:

Thomas Vikström — Vocais
Lori Lewis — Vocais
Rosalía Sairem — Vocais
Christofer Johnsson — Guitarra
Sami Karppinen — Bateria
Christian Vidal — Guitarra
Chris Davidsson — Baixo 

Texto por: Gabriel Furlaneto 

Fotos por: Pri Secco e Gabriel Furlaneto