Hoje tenho a honra de presentear vocês com um texto incrível, escrito pela minha amiga Opus Mortis, relatando de forma única e livre como foi a sua primeira Tour Européia, ao lado dos seus companheiros do Paradise In Flames(ou PIF, como vocês lerão no texto dela). Diversos pontos legais e complicados de ser a única mulher nessa tour. Já de antemão à agradeço por produzir esse conteúdo incrível para o Headbangers Brasil. Então, sigam com as palavras da Opus Mortis.

PERCEPÇÕES SOBRE MINHA PRIMEIRA TOUR NA EUROPA

Recentemente estive com minha banda, a Paradise in Flames, em turnê pela Europa e decidi comentar um pouco sobre como foi a experiência, especialmente no que tange os pontos fortes. Desde que decidi entrar definitivamente para a PIF eu sabia que em algum momento iríamos fazer alguma grande turnê e, em meados de 2020, quando entramos pro time da Bloodblast se tornou uma questão de tempo até passar-se o período sombrio de COVID 19 pra gente embarcar numa dessas no Velho Continente.

QUANTIC – Buchareste, Romênia Foto de Humberto “Lapinha”

A enorme e agradável surpresa era saber que tocaríamos com Diabolical e Batushka, bandas das quais eu era fã desde muito tempo e não deixam de ser parte do meu hall de inspirações. Viajamos pra Nuremberg no dia 09/04 para dar início à Peregrinação (nome sugestivo dessa turnê e hoje entendo bem o porquê), passando por 12 países e fazendo 18 shows ao lado desses monstros.

Eu lembro que uma vez conversando com o Sakis Tolis (Rotting Christ) eu disse pra ele que ele era meu ídolo e o cara é tão, mas tão foda, que me ajudou a desconstruir essa crença limitante me dizendo que ele nunca seria ídolo de ninguém porque somos todos humanos iguais. Desde aquela época, 2013 pra ser mais precisa, minha cabeça mudou muito nesse sentido. Mesmo assim num primeiro momento é bastante estranha a sensação de estar tocando com bandas que fizeram parte da minha vida desde que comecei a ouvir metal e dá aquele frio na barriga, afinal, os caras tem muito mais experiência (quilômetros e mais quilômetros de experiência) e, mesmo estando numa banda com profissionais excelentes, a gente vinha do Brasil, país que infelizmente não trata bem seus artistas.

No dia 13/04 foi nosso primeiro show: um misto de expectativas, emoções, medos, alegrias… Tudo junto mesmo. Cluj-Napoca é definitivamente um lugar que eu desejo muito voltar, pois o público nos recebeu extremamente bem. Foi reconfortante para o primeiro show ver a galera gostando do nosso som, afinal, uma das minhas maiores inseguranças era: será que minha voz será bem aceita aqui? No Brasil, infelizmente, já ouvi várias vezes que minha voz estragou a PIF, afinal, uma banda com uma tradição de blastbeat, guturais e death/black com um vocal feminino não é vista com bons olhos pelos mais extremos fãs do gênero. Felizmente lá na Europa a minha voz foi um diferencial na banda que agradou muito aos ouvidos no geral, incluindo a galera das bandas com quem tocamos. Eu não posso dizer que isso não mexeu muito com minha essência, afinal, eu canto desde os 3 anos de idade e tenho uma extensão vocal extremamente ampla (minha voz alcança também volumes ensurdecedores) e eu gosto muito de explorar isso. No final das contas eu já estava cantando, mesmo que da plateia, com as bandas principais e, a partir daí eu ouvi coisas agradáveis de todos eles. Isso foi realmente muito gratificante e me faz ter forças, vontade de continuar, e esperanças que o público brasileiro entenda minha voz como algo extremo como as letras que canto e o peso de nossos instrumentos e demais vocais.

CCO VILLEURBANNE – Lyon, Frença – Foto de Florence Lavarec

Tínhamos pelo menos uma alimentação por dia, extremamente balanceada e eu adorei as comidas de lá. Não que eu não aprecie a culinária brasileira, mas a européia, por onde passei, ganhou de longe o meu paladar. Além disso, os camarins estavam sempre repletos de cerveja, água, frutas variadas e guloseimas. Em todas as casas de show haviam banheiros com chuveiros para que os músicos pudessem tomar banho, afinal, nossa rotina era pesada e de muito trabalho, as distâncias entre shows eram enormes e moramos numa van por quase um mês nessa trajetória toda (e eu faria tudo de novo mil vezes, não tenham dúvidas disso). Terminávamos de tocar, carregávamos a van e viajávamos a noite toda, em distâncias que variavam entre 500 e 1200km, no frio, na chuva, na neve. Alguns camarins eram incríveis mas teve um lugar que nosso “camarim” era um corredor.

Alpes no caminho entre Áustria e Romênia – Foto de Humberto “Lapinha”

Eu era a única mulher entre as bandas e isso me gerou uma enorme pressão de expectativas variadas. Sofri, não vou esconder, e pretendo escrever (talvez um livro ou artigo) sobre isso até pra ajudar outras mulheres no metal. O sofrimento principal é pela incerteza geral, uma vez que aqui no Brasil, de acordo com dados da Central da Mulher – Disque 180,  uma mulher sofre violência a cada 7 minutos. Os caras da minha banda me acolheram de forma muito especial e tentaram de todas as formas me fazer sentir à vontade. Mas eu estava ali convivendo com outros homens que eu não conhecia, de culturas extremamente diversas e diferentes da minha. Posso dizer que passei por duas situações de assédio e, uma delas só não culminou em algo pior porque, ao passo que existem caras escrotos no mundo todo, também existem caras decentes e corretos no mundo todo. Eu estava sozinha num local onde eu deveria estar e me sentir segura e um cara falou coisas extremamente chulas (sobre mim e nosso show), enquanto outro surgiu e me fez sentir segura. Esse cara que falava essas escrotices percebeu que o outro se preocupou e saiu de perto de mim. A outra situação poderia ser considerada uma “brincadeira” mas já passou da hora dos homens entenderem que antes de tocar uma mulher ou quem quer que seja, eles precisam ter certeza de que ela realmente quer isso. Essa situação foi resolvida pois eu o repreendi e ele nunca mais fez coisa parecida. Eu acho que ele realmente não havia entendido que pra mim não era legal, mas enfim, passei a minha vida inteira tendo muitos amigos de gênero masculino e pensei que conseguiria passar por essa tour ilesa. Tive também o imenso apoio do Sverker da Diabolical que se tornou um grande amigo com quem pude contar e que me fez sentir extremamente à vontade por lá, com quem eu conversava por horas. Outro apoio massa foi do nosso motorista, o Adrian, que ama o Brasil, se tornou nosso amigo e é o polonês mais brasileiro que conhecemos. Também preciso falar do apoio e irmandade dos membros “ocultos” da banda, o Lapinha e o Roninho, que hoje considero meus irmãos assim como os meninos da PIF e estiveram o tempo todo fazendo um trabalho impecável conosco. Eu tinha parado de praticar inglês há 10 anos e percebi o quanto isso me fez falta. Então estudem inglês, pratiquem, caso queiram se aventurar por lá também. E aprendam um básico de francês pois na França é preciso.

Nas casas de show já ficavam disponíveis tanto os horários de passagem de som, jantar e entrada no palco do dia, como informações sobre wi-fi e senha e, o melhor, informações sobre o show do dia  seguinte. Com isso não haviam atrasos consideráveis como os que infelizmente temos que conviver aqui. Percebi que o combinado por lá sempre é seguido à risca e sinto muita a falta disso no nosso país. As pessoas infelizmente confundem o “espírito de parceria” que pregam, com certos abusos contra os colegas como atrasos, desrespeito com o trabalho e, algumas vezes, não existe nem uma água disponível ou algum local de descanso, um equipamento de som decente. Se alguém reclama, ainda passa por antipático que não apoia a cena. Mas para criamos uma cena forte de verdade eu penso que ainda há um longo caminho pela frente que precisa passar por respeito e organização de verdade. Eu já toquei em eventos muito bem organizados aqui no Brasil e isso prova que é possível sim trabalhar dessa forma.

Despedida: Paradise in Flames, Diabolical e Batushka – LE CARGO – Caen, França

No final da tour aquele clima de incertezas e “não me toques” passou e deu lugar à muitas amizades e uma saudade que vai demorar a passar. Tivemos uma oportunidade única de aprender com bandas já bastante experientes que nos deram muito apoio e nos auxiliaram em muitas coisas. Tivemos nossa organização muito elogiada e eu penso que colegas brasileiros poderiam replicar: lá tudo funciona no horário e é uma das coisas que mais apreciei.

Fica aqui o meu muito obrigada aos amigos do Diabolical e Batushka por todo apoio e parceria que deu muito certo. Aos meus irmãos de banda, a gente se vê no próximo ensaio pra destruir no próximo show porque vocês são foda. Aos fãs, vocês são os responsáveis por tudo isso, pela força e por nos incentivar a crescer cada vez mais!

Muitíssimo obrigada pelo espaço meu querido amigo Augusto Hunter: a gente se vê em algum show!

Meu recado para as mulheres no metal é: não desistam pois estamos ocupando os espaços que também são nossos. Vamos apoiar umas às outras sempre! Aquelas que já estão na estrada há mais tempo, obrigada por serem nossa inspiração.