Poderia ter sido uma história de amor? Não poderia. Ela não quis.

Ok, então, vida que segue. É assim que tem que ser.

Não. Já que ela preferiu ficar com outro, vou mandá-la embora da empresa. Tenho certeza de que meus amigos, meus sócios, vão “passar pano” para mim.

Não sei que estorinha foi essa que contei aí em cima, mas bem que poderia ser a de alguma banda de uma região muito, muito distante. Dizem as más línguas, e as boas também, que, depois de cair na real que o fora era irreversível, alguém não aguentou a dor de cotovelo e demitiu a vocalista de sua banda, por quem sempre nutrira um amor platônico. Os colegas de banda simplesmente assentiram, covardes, cafajestes e machistas como o personagem de quem estamos falando. Nenhum deles foi homem o suficiente para levantar a voz em defesa da moça e dizer que isto estava errado. “Não aguenta ela na banda, sai você, fera“. Se isso foi verdade ou não, não vou entrar no mérito nesse trecho. Nem vou dar uma de Chicó, “só sei que foi assim“.

Verdade ou não, o relacionamento entre Tarja Turunen e Marko Hietala ficou estremecido por muitos anos, quase duas décadas. Ele não foi o sujeito da historinha lá em cima (e, pra evitar processo, digamos que ela também não foi), mas teria sido um dos subscritores da famigerada carta que a cantora recebeu após um show vitorioso na capital de seu país, gravado em DVD e com “só abra amanhã” no envelope. Covardia, machismo, misoginia, criancice (com seus 30 e tantos anos na época), irresponsabilidade, ou se ele meramente se deixou levar (ou enganar) pela opinião dos colegas, agora é tarde para fazer voltar a água que passou por essa ponte. E vê-los se perdoar, depois de tanto tempo, é algo para se encantar. E encantamento é uma palavra que bem pode definir o show em que ambos cantaram juntos em Fortaleza, no Ceará, uma produção da Top Link, com produção local de D Music Shows e M2F. Esse encantamento, nem a chuva descomunal que caiu de forma parcelada, ia e voltava, no sábado foi capaz de parar. Confira como foi, com fotos de Victor Rasga.

E ele foi o primeiro artista no palco, junto de seu escudeiro Tuomas Wäinölä. Ao contrário de outras praças, não houve banda de abertura. E, inclusive, com o temporal caindo lá fora, a decisão se provou mais que acertada.

Marko

Nem a chuva torrencial que desabou sobre a capital cearense foi capaz de afastar os vikings da “Terra do Sol” do Complexo Armazém. Era tanta chuva, chuva dentro de chuva, que, ao invés das tradicionais camisas pretas, o que mais se via era o branco translúcido das capas de chuva. A apresentação de Marko e Wäinölä começou com “Stones“, que também abre o álbum “Pyre of The Black Heart”, da carreira solo do baixista. Com sua voz forte e seu carisma, logo o gigante de barba gigante mostrou que, mesmo apenas em duo, e no estilo voz e violão, ele e seu axeman dominavam o palco como se fossem uma banda completa, de cinco integrantes, um octeto até.

– Vamos tocar uma do grande velho homem do Heavy Metal. Preparem suas mãos para Crazy Train“, avisou ele. Eu já sabia que o show mesclaria algumas poucas canções de Marko, com alguns (menos ainda) clássicos do metal. E confesso que estava desgostoso em relação a isso. Queria ouvir mais do disco de Marko, e queria, principalmente, ouvir os sucessos do incrível TAROT (quem não conhece, votou em Floriano Peixoto para presidente). No entanto, mudei de opinião. Foi muito bom ouvir um clássico desses numa voz dessas. E o formato mais intimista valoriza a voz

Marko! Marko!, Marko!, grita a multidão ensopada.

Sempre se comunicando com o público, Marko fala sobre a seguinte (e deixa escapar um pouco das suas crenças): “Agora uma banda em que alguns deles já saíram desse mundo de simulação para o mundo de verdade e devem estar olhando pra ver se fazemos direito”. A canção é “Child of Babylon”. A banda é Whitesnake.

É hora de me corrigir. Intimista vírgula. Ou o nórdico era acompanhado por palmas, ou gritos, ou ambos.

Por oportunidade de “Two Soldiers“, bonita canção que ele estreou nessa turnê, Marko anunciou que estavam, ele e Tuomas (este Tuomas, não o outro) trabalhando num novo álbum que deve sair lá para janeiro ou fevereiro.

E se o público já estava gostando, gritos ensurdecedores receberam a canção “The Islander“, do Nightwish. Agora, segundo ele, obedecendo as leis do metal: com guitarras dobradas. “Children of the Grave“, outro hino Sabatheiro fechou o curto set, com comentários sobre as guerras que estão acontecendo no mundo hoje. Nada de Tarot, mas, quem sabe o Armazém lotado como estava não seja motivo para que o bardo viking volte no futuro e pague essa dívida com os fortalezenses, né?

TARJA

Agora é hora de falar do show principal da noite, o show de Tarja Soile Susanna Turunen-Cabuli. A diva (no sentido que a palavra é mais empregada, não no sentido que a tal carta tentava exprimir) começou o show com “Demons in You“, que, na versão original tem também outra diva, Alissa White-Gluz.

Em português bem claro (e quase sem sotaque), Tarja disse: “Estou muito, muito, muito feliz de estar aqui“. E continuou em inglês, “ver todos vocês apesar da chuva”. “Die Alive” e “Diva“, respostas dela em forma de música, seguem o roteiro.

– Quantos de vocês estão vendo meu show primeira vez?, pergunta ela à multidão. Era a terceira vez dela na cidade (viera em 2008 e 2015 – confira no link abaixo uma resenha do show de 2015).

https://whiplash.net/materias/shows/232609-tarjaturunen.html

“Muitos de vocês. Isso é surpreendente” – o público da vocalista se renova e se renova…

Um teclado é colocado dentro do palco. É hora de “Shadow Play” e Tarja é quem comanda as teclas. O piano não pode ficar lá, então, enquanto a produção o leva embora ao final da canção, a banda aproveita para solar, um dos três quatro cinco trezentos solos. Mas não era para levar o piano embora? O piano já está longe faz tempo. Tem problema não. Continuem que tá bom

Ela, que tinha saído também do palco volta de mãos dadas com Marko. É um momento para lá de emocionante. Os dois, acompanhados dos Asspera*, cantam juntos “Dead to the World“, do NIGHTWISH, e “Dark Star“, da própria Tarja. É um privilégio ver Marko cantando parte da canção. Felizmente, não é um privilégio raro, pois o gigante e a estrela já marcaram vários outros shows juntos em cidades europeias, além de já ter terminado a turnê brasileira, que passou por várias cidades.

*Note-se: boa parte dos músicos que acompanham Tarja há tempos são conterrâneos de seu marido e tocam nessa curiosa banda de metal argentina. Eles são Alex Scholpp e Julian Barret (guitarra), Pit Barret (baixo), Alex Menichini (bateria) e Guillermo de Medio (teclado).

Lançada apenas 4 dias antes, “Left on Mars“, esta de Marko, também marca presença, e com Tuomas Wäinölä em mais uma guitarra. Ele ainda comentou o quanto estava feliz que a canção tem atingido 100.000 views por dia no YouTube.

Entre outras canções dela, como “Dead Promisses” e canções do NIGHTWISH, como “Planet Hell” (“temos um lugar para levar vocês, diz Marko, “vocês vão gostar”) os dois emocionam o público. E teve até quem os shippasse, mas, calma, não rola. O duo já é comprometido, ela com um argentino e ele com uma brasileira. Toda canção é acompanhada do coro da plateia. Todo coro é acompanhado de palmas. Mas a hora que tudo explode mesmo é quando começa “Wish I Had an Angel

“É muito bom estar do lado dessa moça de novo”, confessa Marko, enquanto Tarja devolve puxando o olé, olé, olé, Marko, Marko.

“Obrigado pelo amor, pela paixão. É tão bonito receber essa energia de vocês. Eu agradeço a vocês pessoalmente por tudo o que fazem por mim. Eu canto por causa de vocês”. E agora é o público que manda olé, olé, olé, Tarja, Tarja.

I Walk Alone” (em que ela faz questão de dizer que anda conosco), “Victim of Ritual” (com sua bateria ravelística” e “Until My Last Breath” nos lembram que, apesar da presença ilustre, este ainda é um show de Tarja Turunen. Quando Marko e Wäinölä voltam para encaminhar o show para o final, temos “Over the Hills and Far Away“, de Gary Moore, para a qual o NIGHTWISH também fez a sua versão. “Phantom of the Opera“, que era muito aguardada, ficou de fora, mas o que tivemos já foi uma celebração maior que uma ópera, uma celebração molhada, e uma celebração de perdão. Fazia tempo que Tarja não incorporava tantas canções de sua ex-banda em seus setlists. Por dividir o palco, aviões, vans e hoteis com Marko novamente, ela própria faz um reencontro com seu próprio passado, um passado que nós fazemos questão de não esquecer.

Enfim, a noite de música, emoção e perdão encerrou-se em meio à chuva que não foi capaz de afastar os artistas e seu público. O encantamento de ver Tarja e Marko, mesmo depois de tantos anos, se perdoando no palco, mostrou que a música é capaz de unir até mesmo aqueles que um dia estiveram distantes. Foi uma celebração de perdão e amor pela música, que deixou na memória dos presentes a poderosa energia e paixão transmitida pelos artistas. Um brinde à magia da música e à força do perdão.

Agradecimentos:

Victor Rasga, pelas imagens que ilustram esta matéria. Confira mais fotos na galeria abaixo.

D Music Shows e M2F, pela atenção e credenciamento.