Ao anunciar 4 shows em terras brasileiras para 2026, Bryan Adams consolida-se como um dos queridinhos do público tupiniquim. Parte disso deve-se, é verdade, àquelas baladas açucaradas presentes nos filmes românticos das “sessões da tarde” e nas novelas que todos, sem exceção, acompanhávamos nos anos 80.

O que muita gente talvez não tenha se atentado é que o cantor canadense sabe como ninguém fazer bons rocks, que em nada ficam devendo a bandas como Def Leppard e Journey, por exemplo, fato que injustamente o relega a um mero artista pop, num claro sinal de desmerecimento de sua obra perante o estilo que tanto amamos.

Bryan Adams é um cantor estupendo, compositor talentosíssimo, guitarrista base dos bons e que transforma suas emoções em sons, sem necessariamente se prender a baladas românticas. Claro que todos (novamente digo, sem exceção), amamos Heaven, Everything I Do (I Do It For You), entre outras, mas será que podemos ir mais fundo em sua música, a ponto de descobrirmos pérolas esquecidas/desconhecidas de um dos caras mais bem sucedidos da indústria musical?  Nessa matéria, abordarei a obra de estúdio de Bryan com algumas exceções pontuais (caso da coletânea So Far So Good). Vale mencionar seu acústico lançado em 1997 que trouxe mais um single a atingir o primeiro lugar nas paradas americanas, a maravilhosa Back To You.

Bryan já compôs músicas para vários artistas, entre eles o Kiss, para o qual escreveu Rock n’ Roll Hell e War Machine. Por aí já dá pra sentir que quando se trata de fazer hard rock, o cara sabe o caminho. Vamos conhecer a discografia de Bryan Adams e ao ouvir  devemos questionar porque um artista que transita pelo hard rock de maneira totalmente convincente acabou sendo conhecido muito mais no universo pop e nas Fms do mundo do que nas ditas “rádios rock” por aí.

Bryan Adams (1980)

Quando os primeiros acordes de Hidin’ From Love ecoam pela sala logo temos uma idéia do que o Bon Jovi quis fazer de 2000 pra cá: melodia grudenta, letra acessível e instrumental alegrinho, tudo com um verniz pop deliciosamente pretensioso.  Daí por diante, tudo soa meio pop meio rock, com uma tímida amostra do rock de arena que ganharia força num futuro não muito distante naquela mesma década que se iniciava. As baladas aqui possuem um clima totalmente Yacht Rock, como a belíssima Give Me Your Love, que poderia facilmente entrar num disco do Ambrosia. O alicerce estava lançado, e esse é um disco criminosamente ignorado pelo mainstream e lamentavelmente até pelo próprio Bryan.

You Want It You Got It (1981)

Mergulhando cada vez mais no rock, mas sem perder o acento pop, nesse disco temos melodias ainda mais acessíveis, sem, contudo soar enlatado. O clima de descontração é evidente no disco inteiro, como nas canções Lonely Nights, Jealousy com seu piano à la anos 70 e o tributo involuntário ao The Wonders da faixa título.  O caminho parecia estar sendo bem pavimentado para o que viria a seguir.

Cuts Like A Knife (1983)

No início do frisson oitentista causado por bandas como Mötley Crüe e Def Leppard, só pra citar alguns, Bryan pisou fundo no acelerador e apostou no hard com pitadas de pop. O resultado foi positivo: os 3 singles catapultaram o canadense ao estrelato e consolidava Bryan como um dos maiores compositores de power ballads da época com a emotiva Straight From The Heart ( que inclusive foi tema da novela Guerra Dos Sexos, lançada no mesmo ano). Com o mainstream conquistado, era hora de manter o nível ou elevá-lo e foi o que ele fez.

Reckless (1984)

O disco de maior sucesso de Bryan reúne tudo aquilo que nós, amantes dos anos 80 amamos: refrões marcantes como em One Night Love Affair e She’s Only Happy When She’s Dancin’ (com participação de Lou Gramm nos backing vocals), o aor á la Foreigner de Run To You, riffs pulsantes e revigorantes como em Somebody e It’s Only Love (com solo arrasa quarteirão de Keith Scott no início e participação mais que especial da rainha Tina Turner), o rock pretensioso e dançante de Kids Wanna Rock e a força de Summer Of 69. Um álbum perfeito do início ao fim, cheio de predicados. Claro que não poderia deixar de citar a clássica balada Heaven, uma das mais belas canções românticas de todos os tempos, tocada na bateria por ninguém menos que Steve Smith, então baterista do Journey. Pra se ter uma idéia do tamanho da “encrenca”, o disco colocou 6 singles no top 15 da Billboard americana (apenas Michael Jackson com Thriller e Bruce Springsteen com Born In The U.S.A. haviam conseguido tal feito até então), vendeu mais de 12 milhões de cópias e fez com que Bryan se tornasse o primeiro canadense a vender 1 milhão de cópias em seu país. Um discaço de hard rock, diga-se de passagem.

Into The Fire (1987)

Com 6 singles lançados, esse disco apresentou uma produção mais polida, com sonoridade mais voltada ao aor de cantores como Richard Marx. Musicalmente mais maduro, Bryan seguiu a cartilha do rock de arena de forma magistral, com destaque para Heat Of The Night, sexto lugar na Billboard Top 100. Apesar de vender 2 milhões de cópias, o disco aor de Bryan foi considerado um fracasso comercial por causa de inevitável (e injusta) comparação com seu disco anterior. Todos os elementos que fizeram do cantor um sucesso mundial estão aqui, porém de forma mais sofisticada e cristalina, o que provavelmente colaborou para que o mainstream não desse tanta atenção a esse disco quanto ao anterior.

 

Waking Up The Neighbours (1991)

Considerado por muitos (inclusive este que vos escreve) como “irmão” de Reckless, esse disco é mais um marco na carreira de Bryan Adams. O álbum em questão seguiu o costume dos anteriores de promover 6 singles. O maior deles, no entanto atende pelo nome de Everything I Do (I Do It For You), uma balada poderosa com letra exalando romantismo. Tema do filme Robin Hood O Príncipe dos Ladrões, a canção ficou por inacreditáveis 16 semanas consecutivas em primeiro lugar no Reino Unido, vendendo mais de 16 milhões de cópias tornando-se o segundo disco mais vendido de Bryan em toda sua carreira. A sonoridade aor do disco anterior também dá as caras por aqui com Thought I’d Died And Gone To Heaven, um dos singles do disco, incrivelmente desconhecida e ignorada pelo público, ao menos no Brasil. Do I Have To Say The Words? é outro destaque, reforçando o lado romântico do artista.

O álbum gerou polêmica, pois o sistema de conteúdo canadense estabelecia 4 regras para que uma obra fosse considerada como pertencente ao país: (artista canadense, gravada no Canadá, música escrita por canadense, letras escritas por canadense). As regras diziam que para ser considerado canadense, um artista deveria atingir ao menos 2 dos 4 critérios estabelecidos. Como Adams colaborou com não-canadenses (como Robert John “Mutt” Lange) e gravou grande parte fora do Canadá, o álbum enfrentou dificuldades para obter o status de conteúdo canadense, mesmo com Adams sendo uma estrela canadense. O encerramento da polêmica se deu por meio de uma mudança nas regras de conteúdo para acomodar mais parcerias com não-canadenses. Polêmicas a parte, Bryan adentrava os anos 90 com sucesso e pompa.

So Far So Good (1993)

Impossível dissecar a discografia de Bryan Adams sem citar essa coletânea. Do mesmo modo que o disco Crossroads de Bon Jovi, esse álbum de Bryan Adams foi responsável por tornar o artista ainda mais conhecido no Brasil. Quantas pessoas, e eu me incluo nessa, não conheceram Bryan por conta desse disco? Abrangendo os períodos de 1983 (Cuts Like A Knife) à 1991 (Waking Up The Neighbours), e ignorando inexplicavelmente seus 2 primeiros discos, o álbum ainda trouxe uma música que se tornaria uma das preferidas dos fãs: a balada Please Forgive Me. Fora isso, aqui temos quase todos os sucessos, o que torna esse disco uma boa pedida pra quem quer começar a se inserir na obra do artista.

18 Til I Die (1996)

Ser ignorado pela galera do hair metal com seus cabelinhos de poodle fez bem à carreira de Bryan Adams e a prova é esse disco aqui. Seguindo o caminho das trilhas sonoras iniciado com o disco anterior, esse álbum trouxe Have You Ever Really Loved A Woman?, que trazia ninguém menos que a lenda do flamenco mundial Paco De Lucia nos violões. A música em si havia sido lançada 1 ano antes como parte da trilha sonora do filme Don Juan De Marco.

Com o advento do grunge, o período era complicado para o rock de arena, fazendo com que Bryan investisse ainda mais em outras sonoridades, o que gerou críticas por parte da imprensa, que o acusava de “tentar soar pretensamente jovem enquanto aparentemente atravessava uma crise de meia-idade”. Ainda assim, o disco foi um sucesso, vendendo 5 milhões de cópias. Vale destacar também o dueto com Melanie C, das Spice Girls, na música When You’re Gone.

On A Day Like Today (1998)

Enfrentando alguns problemas com sua gravadora (a Interscope, uma gravadora de Rap, comprou os direitos de sua gravadora na época, afetando a divulgação de seu trabalho), o disco em questão até que vendeu bem, se levarmos em conta as circunstâncias: 3 milhões de cópias, platina no Reino Unido e platina duplo no Canadá. A sonoridade seguia uma linha mais brit pop, como se o Oasis soubesse tocar bem. Destaques ficam por conta da faixa título e seus belos violões, C’mon C’mon C’mon e Getaway, que mostram que a capacidade de Bryan de criar belas melodias ainda estava intacta.

Room Service (2004)

Os anos 2000 entraram, o bug do milênio não veio e 6 anos após seu último disco, Bryan nos deu um disco confuso e sem inspiração. O maior problema aqui é a qualidade da gravação, especialmente da bateria, que nem parece ter sido tocada de verdade, tornando certas canções uma experiência terrível, como é o caso da abertura com East Side Story, uma das canções mais insuportáveis de todos os tempos. Pois é, até Bryan já deu suas escorregadas.

11 (2008)

Deixando pra trás o equívoco anterior, chegamos ao seu décimo primeiro álbum de estúdio. Um disco bom, diga-se de passagem, com destaque para a maravilhosa Tonight We Have The Stars, a baladinha I Ain’t Lose The Fight e We Found What We Were Looking For, balada tocante com um início que lembra demais o U2.

Tracks Of My Years (2014)

O primeiro disco de covers de Bryan não chega a ser um marco em sua carreira, mas algumas versões merecem destaque. Sua voz rouca casou perfeitamente com a melodia marcante de Kiss And Say Goodbye do Manhattans, e Any Time At All dos Beatles parece ter sido escrita para ele. O disco traz uma faixa inédita, She Knows Me, que não diz muito a que veio. No repertório, releituras interessantes de Bob Dylan e até mesmo um inusitado cover de Jimmy Cliff. Curioso, mas nada que seja indispensável.

Get Up (2015)

Produzido por Jeff Lyne (vocalista do ELO) e contando com seu parceiro de composição de longa data Jim Vallance, o disco possui 9 canções inéditas e 4 versões acústicas, tendo gerado 4 singles. Com letras falando sobre motivação e superação o disco teve recepção discreta e alguns clipes lançados. Destaque para a música Brand New Day, que contou com a participação da atriz britânica Helena Bonham Carter. You Belong To Me é outro destaque, um rockabilly divertidíssimo com clipe em preto e branco.

Shine A Light (2019)

Com a faixa título composta em parceria com Ed Sheeran, o disco traz uma sonoridade moderna, porém atrativa em alguns momentos até mesmo para os fãs mais antigos. O álbum estreou diretamente no primeiro lugar da parada de álbuns canadenses e no ano seguinte faturou o prêmio Juno de melhor álbum adulto contemporâneo. O álbum trouxe ainda uma surpreendente parceria com Jennifer Lopez na música That’s How Strong Our Love Is. Mais do mesmo com um destaque aqui e outro ali, porém sem o brilho de seus clássicos.

Pretty Woman (2022)

Álbum produzido pelo renomado David Foster, foi escrito em parceria com Jim Vallance para o musical Uma Linda Mulher.

So Happy It Hurts (2022)

Lançado após a pandemia de COVID-19, é descrito pelo próprio Bryan como um retorno à vida. Nesse disco, o cantor tocou praticamente todos os instrumentos por causa dos protocolos sanitários adotados na época, o que influiu diretamente na sonoridade um pouco mais introspectiva do disco, ainda que a faixa título tenha um bom clima otimista.

 Roll With The Punches (2025)

Bryan Adams chegou a 2025 sendo produtivo como de costume. E o melhor de tudo, lançando um disco que já inicia mostrando que uma volta às raízes ainda passa pela sua cabeça. A faixa de abertura, a enérgica Roll With The Punches, dá o tom do que está por vir: riff groovado, bateria pesada de modo poucas vezes ouvido em sua carreira, os refrões cantáveis de sempre, solo arrasador de seu fiel escudeiro Keith Scott e um clima meio Def Leppard permeando a canção. Esse clima transparece por todo o álbum, mostrando que ficar à margem do hard rock oitentista o transformou num dos maiores artistas pop do planeta, capaz de agradar o público e ainda assim injetar boas doses de rock n’ roll em nossos ouvidos. Os destaques desse belo disco ficam por conta da já citada faixa título, a agitada Make Up Your Mind, A Little More Understanding com seu riff inicial remetendo ao ZZ Top, a gaita e o clima bluesy de How’s That Workin’ For Ya. Claro que não podiam faltar as baladas e nesse quesito, o cantor sempre teve bom gosto na escolha de timbres, arranjos e soluções harmônicas como visto na belíssima Life Is Beautiful.

Bryan Adams é um artista completo: exímio compositor, vocalista estupendo, arranjador e produtor extremamente competente. Os 4 shows anunciados para 2026 no Brasil prometem uma boa dose de nostalgia, sem abrir mão de olhar para o futuro.

Os shows serão realizados no Rio de Janeiro (06/03, Qualistage), São Paulo (07/03, Vibra São Paulo), Curitiba (09/03, Live Curitiba) e Porto Alegre (11/03, Auditório Araújo Vianna).

Os ingressos já estão à venda pela Eventim e Bilheteria Digital para as datas específicas, divulgando seu novo álbum.