Sábado, 8 de junho de 2024. O dia estava lindo, ensolarado, com o céu sem mostrar riscos de estragar a festa de qualquer um que esteve presente em solo paulista. Essa data já é bem marcante aqui em São Paulo, pois com o falecimento do Maestro Andre Matos, foi decretado o Dia Municipal do Rock. Um dia a mais para cada paulistano comemorar o que já comemoramos diariamente: a cena e o fortalecimento dela.

Coincidentemente, a homenagem a um dos membros mais queridos que já passou pelo Kiss, Eric Carr, marcou ainda mais esse dia que já tinha acordado para ser especial.

Na histórica Woodstock Rock Store (pedra fundamental para a disseminação do rock e heavy metal em todas as suas vertentes) o Eric Carr Day aconteceu. E foi como um encontro gigante de família, com aqueles parentes que vêm de outros estados, aqueles primos que compartilhavam discos, camisetas, pijamas… Aquela tia que traz aquele bolo que só ela faz. Todo mundo na casa do patriarca, do exemplo, do capitão de tudo. E aqui não foi diferente: o exemplo era Walcir Chalas, o homem que mantém a chama acesa desde 1978. Mas não foi ele quem atiçou a brasa que acendeu esse evento, foi aquele primo mais novo, que nem entendia quando os mais velhos falavam de música, o primo mais novo que cresceu e percebeu que existia uma infinidade de pessoas como ele, que não tinha tanto acesso, nem tantos amigos para trocar idéias sobre sua banda favorita. Gabriel Furlaneto, host e fundador do PodKiss. Essa festa foi dele, que cuidou de tudo com tanto cuidado, que dava até gosto de ver.

Muitos membros do Kiss Army aqui no Brasil reclamavam que seus ídolos não eram reconhecidos, nem homenageados o suficiente no país. Tantas celebrações são feitas em outros lugares: Espanha, México, EUA… Por que não por aqui? Eu mesma sempre fiquei indignada de como ninguém se movimentava pra isso. O Kiss veio para o Brasil em junho de 1983 e o barulho que isso causou não teve precedentes. Queen veio antes, Alice Cooper veio antes, Genesis veio antes, Bill Haley veio antes, Peter Frampton veio antes, e nenhum fez o estrondo que foi a vinda dos mascarados pra cá. O então governador de Minas Gerais, Tancredo Neves, teve que autorizar a ida da banda para Belo Horizonte. Grupos e mais grupos religiosos tentaram impedir esses shows, mas eles aconteceram. Eles marcaram, e como marcaram.

Graças a esses shows – que todo “Brazilian Kiss Army” sabe quais são (Maracanã, Mineirão e Morumbi) – que nós tivemos o prazer de ver nascer um dos festivais mais tradicionais e fortes do mundo, o Rock in Rio, em 1985. Graças à força que os mascarados movimentaram, Roberto Medina percebeu o potencial que o rock teria aqui no Brasil. Se não fosse por eles, não teríamos tido Iron Maiden, Ozzy Osbourne, AC/DC, Whitesnake… Pelo menos não naquele momento. Eu, como fã “desesperada” da Donzela, não teria a minha história, não teria meus amigos e meu trabalho. Parece até o “efeito borboleta”, né? Um detalhe que você muda na linha do tempo, acarreta numa mudança gigantesca na história da humanidade.

Imagina uma criança vendo um tanque de guerra entrando no palco. Agora imagina que em cima desse tanque tinha um canhão e uma bateria tão monstruosa que não se via o fim. Conseguiu imaginar? Então coloca uma raposa nessa bateria. Na verdade, uma raposa não, A RAPOSA! Eric Carr, hábil e astuto, o baterista mais pesado que o Kiss já teve. Ele tinha dois martelos nas mãos, o som de uma trovoada em suas músicas e o coração mais gentil que os fãs conheceram. Eric mostrou que você não precisava ser um imbecil para estar onde estava: tinha que ter talento, dedicação e um pouco de sorte também.

Esse evento, o Eric Carr Day foi pra isso: celebrar o talento e o coração de uma pessoa que foi tão importante pro fã brasileiro, que fez milhares de garotinhos estragarem as panelas de suas mães, batucando e brincando de tanque de guerra. E como foi bacana ver a união de fãs e músicos em prol de um mesmo objetivo, a ponto de um projeto ser montado unicamente para se apresentar no evento. Estou falando da banda The FoxHeads, que tocou “apenas” 4 músicas. Mas eram AS 4 músicas. Três delas do projeto Rock Heads, um cartoon idealizado pelo próprio Carr, e uma de seu lançamento póstumo, Rockology. Organizado por Paulo Castro (Wicked Killers, Mahabanda) no baixo, ainda contou com o vocal estreante do maestro Daniel Iasbeck (Iasbeck, ex-Secos e Molhados, ex-Exxótica), as guitarras de Bruno Ramos e Lúcio Mendes (Mahabanda) e a bateria do talentoso Antonio Faria.

SET LIST:

Eyes Of Love
Can You Feel It
Too Cool For School
Nasty Boys

Um show rápido e muito marcante, inédito no mundo. O mais próximo que o Kiss Army chegou disso foi um medley de Eyes of Love e Can You Feel It com a banda do guitarrista e ex-integrante do Kiss, Bruce Kulick, numa das edições do Kiss Kruise. Mas nada como aconteceu neste último sábado. Emocionante, visceral. Feito para fã die hard chorar!

O público cantou junto, mostrando que não estava ali à toa. A farda vestida era por mérito e não por moda. Entre uma música e outra, uma conversa entre amigos e curiosidades sobre a carreira da raposa foram contadas, já que Paulo Castro, além de músico, é uma enciclopédia no quesito Kiss. Can You Feel It começa só com a bateria marcando o tempo. A banda puxa o coro. A plateia responde… Naquele momento não existiu lágrimas que parassem nos olhos e nem pêlos que ficassem quietos. “Mais alto, que é pra Raposa escutar!”. Vocês não fazem ideia do que foi ouvir isso, vocês não fazem ideia do peso que tem isso. Eyes of Love, Too Cool For School e Nasty Boys foram curtidas ao extremo, além do aquecimento com o clássico de 1978 do solo de Ace Frehley, Rip It Out.

The FoxHeads – Foto por: Rafael Pertile

A banda agradece e antes de tirar a tradicional foto com a casa cheia, Iasbeck volta ao microfone e diz: “esse show foi dedicado ao meu amigo e parceiro de Kissefoda, Felipe Godoy, que partiu há 10 anos!”. Para quem não conhece, há pouco mais de 10 anos, quando podcasts não eram uma febre, Daniel Iasbeck e Felipe Godoy (o gênio do mundo Kiss) fizeram o “Kissefoda Kiss É Foda” ainda pelo YouTube. Os links ainda estão no ar, para quem quiser ouvir. Foi comovente, porque quase todos os presentes conheciam o programa e o Felipe também. Eu o conhecia. E sei como um evento desses seria especial pra ele. 

Palco desmontado. Gabriel Furlaneto e Walcir Chalas entram em cena para apresentar a segunda atração que prometeu uma viagem de mais de 2 horas por toda a carreira de Carr no Kiss. “Revenge of Kiss Tribute”, tributo aos mascarados, que tocam sem máscara. Isso mesmo, eles não usam todas aquelas roupas e armaduras e maquiagens, mas compensam no setlist e no talento. Que músicos incríveis! Simpáticos, energéticos, felizes… Sabe aquele show que você, sem perceber, assiste sorrindo? Então, é esse. A Revenge conta com o vocal (alto, muito alto) e guitarra de Fernando Muliterno, o baixo (malvado, mas nem tanto) de Rafael de Andrade, os solos de guitarra (impressionantes) de André Satoh e a bateria (alta e felicíssima) de Paulinho Gasparini. A banda toda a postos, quando anunciam a entrada de Paulinho, que estava vestido de Eric Carr. A Woodstock explodiu nesse momento. E sem demora a banda iniciou seu passeio pela história do Fox. Começaram ali em 1981, com o conceitual e controverso The Elder, passando pelo Killers, seguido do queridinho dos brasileiros Creatures of the Night, emendado com Lick It Up, Animalize, Asylum, Crazy Nights, Smashes Trashes & Hits, Hot In The Shade, além de uma extra, presente no álbum Revenge, o cover do Argent, God Gave Rock N Roll To You II (onde Eric gravou backing vocals e participou do clipe). Um bálsamo para os fãs.

SET LIST:

The Oath
A World Without Heroes
I’m A Legend Tonight
Creatures Of The Night
I Love It Loud
I Still Love You
War Machine
Danger
Saint And Sinner
Lick It Up
Fits Like A Glove
All Hell’s Breakin’ Loose
Young And Wasted
Thrills In The Night
Tears Are falling
Good Girl Gone Bad
Turn On The he Night
Hell Or High Water
(You Make Me) Rock Hard
Hide Your Heart
Little Caesar
Black Diamond
God Gave Rock’n’Roll To You II
Detroit Rock City
Rock And Roll All Nite***

***(com a participação de Daniel Iasbeck, Paulo Castro e Antonio Faria, do The FoxHeads, Walcir Chalas e Gabriel Furlaneto).

Muitos de vocês devem ter se perguntado o porquê desse evento acontecer. Já que o cenário beijoqueiro anda tão estagnado. Acontece que um grande lançamento deu gás suficiente para essa festa e quantas mais vierem. A Editora Belas Letras trouxe para o Brasil a biografia “ERIC CARR: A História de The Fox, o Baterista do Kiss”, do autor Greg Prato. Ela não é uma bio comum, você não vai encontrar um jornalista falando de toda a história da raposa, com aquele ritmo arrastado e impessoal. São depoimentos e histórias de pessoas que viveram as histórias com Eric, como se você tivesse a oportunidade de papear com todos eles. Legal, né? Não tem forma mais verdadeira de conhecer alguém, se não por família e amigos. Agora banger, eu vou te contar um segredo: se você está lendo essa matéria e é meu seguidor, você pode comprar o livro (e qualquer produto do site da Belas Letras) com 5% de desconto no valor total, basta usar meu código AMANDABASSO na hora de fazer o pagamento e voillá, desconto aplicado!

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Quem ler esse livro vai entender porque eu disse que a raposa estava presente. Vai entender que Eric era o humano mais encantador que o Kiss pôde apresentar a seus fãs. O cara que gostava de ficar com o público, porque entendia o quanto ele já sonhou em estar num palco, quando ele mesmo fazia parte do público. Segundo sua irmã, Loretta CaravelloEric conhecia seus fãs um por um. Chegou a questionar se o menino havia conseguido entrar na faculdade, como tinha contado que tentaria num show anterior”. 

Depois desse momento “vamos falar de coisa boa”, o que foi aquela Rock N’ Roll All Nite? As duas bandas no palco, Walcir e Gabriel juntos, celebrando o sucesso dessa grande festa! Como é bom sair feliz de um lugar. Como é bom sair recarregada, reenergizada e muito satisfeita com tudo. 

Banda Revenge Of Kiss Tribute – Fotos: Reprodução Instagram Fernando Muliterno

Eric Carr esteve com a gente entre 12 de julho de 1950 e 24 de novembro de 1991. E nesses 41 anos, esse ser humano excepcional se tornou o mito que habita no mais alto panteão dos deuses que cultuamos. Um tempo curto demais pra um amor tão grande. Mas as trovoadas são assim: barulhentas e passageiras

Long live Eric Carr! Hail the Fox!

Texto por: Amanda Basso.

Vídeo The FoxHeads gentilmente cedido por Marcos Falcão – Road Rock

Vídeo Revenge of Kiss Tribute gentilmente cedido por Gabriel Furlaneto – PodKiss