É preciso saber a hora de acabar com alguma coisa. Ou ao menos dar uma grande pausa, um tempo para respirar. O mais famoso capítulo da bíblia hebraica (e Antigo Testamento para os cristãos) fala mais ou menos isso: “Há tempo de nascer, e tempo de morrer; tempo de plantar, e tempo de colher; Tempo de matar, e tempo de curar; tempo de derrubar, e tempo de edificar; Tempo de chorar, e tempo de rir; tempo de prantear, e tempo de dançar;”. E a forma inusitada que escolhi para iniciar essa resenha condiz muito com o sentimento agridoce que ficou para os fãs cearenses do IRON MAIDEN.

E pausas, tempo para respirar, foram o que Paul Di’Anno pediu muito durante seu “show” desta sexta-feira (não demoro a explicar o motivo das aspas). Infelizmente, o recurso não adiantou. A pausa que Paul Andrews, mais conhecido como Paul Di’Anno (ou, Paulo Baiano, o apelido usado exclusivamente no Brasil) precisa é bem mais longa. E, como em sua carreira já houveram muitas, causadas principalmente pelos problemas de saúde do inglês, pode ser que esta última tenha que ser definitiva. Não é o que queremos, mas, é o que o mínimo de sabedoria nos permite concluir. E esta pausa precisa começar não apenas após o trigésimo-primeiro show de sua anunciada turnê (iniciada no Complexo Armazém, em Fortaleza). Esta pausa precisa começar agora.

Depois do antológico show no extinto Oasis, Paul Di’Anno voltou a Fortaleza para show no Complexo Armazém com a promessa de tocar os álbuns “Iron Maiden” e “Killers” na íntegra. Entretanto, a apresentação, anunciada originalmente para as 21h30, só teve a canção instrumental do assassinato de César soando nos PAs às 23:42. Acompanhado por membros das bandas NOTURNALL e ELECTRIC GYPSY (que o antecederam no palco), o terceiro vocalista do IRON MAIDEN e o primeiro a lançar material gravado (as “Soundhouse Tapes“) entrou aclamado pelo público, apesar do atraso, mas interrompeu “Wrathchild” indicando que não tinha um bom retorno e não ouvia nada. Bem rouco ele disse “vou tentar meu melhor” e recomeçou e terminou “Wrathchild” e “Sanctuary“, sendo que, nesta, foi mais o público que cantou mesmo.

Antes da próxima, a produção interrompeu mais uma vez, pediu dez minutos para resolver os problemas de som ( que estava realmente ruim, desde o show da NOTURNALL. Inusitadamente, no show da primeira banda, ELECTRIC GYPSY, o áudio estava perfeito. Agora, não dava pra ouvir Di’Anno bem, nem a guitarra de Léo Mancini. 10 minutos foram pedidos para resolver o problema. “Ele merece, vocês merecem”, recebeu a acalorada resposta “Di’Anno”, “Di’Anno”, “Di’Anno”.

“Ai, caralho”, em português, balbuciou Di’Anno ao voltar, pedindo desculpas entre outras coisas que eram simplesmente impossíveis de entender (e não era porque ele falava em inglês). Veio “Purgatory“, mas difícil acompanhar. Mesmo assim, o público acompanhava. Paul tomou alguma coisa (eu indicaria um bom “lambedor” – quem é da terra de Iracema vai entender o termo) e prometeu estar melhor no ano que vem e até fazer shows de graça.

“Drifter”, sempre ofuscada na carreira do IRON MAIDEN foi ainda mais ofuscada aqui, “Murders in The Rue Morgue” foi limada do set, mas o começo da linda (e clássica)  “Remember Tomorrow” prometeu um novo começo. E, realmente, não há como não se emocionar com uma canção como essa, mesmo em um show que não deve ser “lembrado” – tem horas que não dá pra evitar os trocadilhos.

“Isto não está bom”, disse o vocalista. “Vocês são todos bem vindos, mas eu tenho que fazer uma pausa. Esses caras vão tocar uma instrumental pra vocês”. Era hora de “Genghis Khan“. Paul retornou brevemente para “Killers“, mas foi só isso mesmo.

Há quem diga que o inglês teria passado mal ao chegar a Fortaleza, devido à viagem e ao calor. Há quem diga que ele passara o dia bebendo na praia. Nenhuma dessas afirmativas deve ser tomada como verdade por enquanto, até que haja realmente alguma prova de que alguma delas (ou até mesmo as duas). O que é realmente verdade é que o show foi um fiasco. O público, em quantidade preocupante durante os competentes shows das bandas de abertura, até compareceu em número interessante, dadas as condições da ocasião, mas a performance do artista headliner, do cabeça de cartaz (como dizem os amigos portugueses), deixou muito a desejar. A banda que o acompanhou, entre eles, Xacol, Mancini e Nolas, cometeram seus deslizes também durante o show, errando notas e andamentos. O motivo mais aparente o fato de que não ensaiaram com Paul. E um motivo para não ensaiarem teria sido, não só a distância, mas ao fato de que o vocalista teria, como dizem, ficado ausente desde que chegou. Reafirmo, não sabemos a veracidade disto. Aquelas músicas todos eles estão “carecas” de saber tocar (Léo, literalmente), mas, pelo menos um ensaio seria necessário para fazer pequenas adaptações, correr ou atrasar em pontos específicos. Pela virtuosidade que demonstraram poucas horas antes, fica complicado pensar que algum deles fosse responsável pela falha.

Paul Di’Anno é um monstro do Heavy Metal. No retorno pra casa, quantifiquei sua importância em poucas palavras. Ele é importantíssimo na história do Heavy Metal, muito importante na história do rock e importante na história da música. Se Paul Day, Dennis Wilcock, Bruce Dickinson (este principalmente, óbvio) e Blaze Bayley ajudaram a construir a história da Donzela, dando-lhe voz, foi ele quem cimentou os alicerces da maior banda de Heavy Metal da história. No entanto, agora chega a hora dele parar e cuidar da sua saúde. E cadeira de rodas não é desculpa para shows ruins, vide os seminais shows do POSSESSED (confira uma resenha logo abaixo), dos PARALAMAS DO SUCESSO ou do querido Steve Grimmett (cuja partida recentemente nos entristeceu).

https://whiplash.net/materias/shows/186306-possessed.html

Já entendíamos que seria muito complicado cumprir toda essa extensíssima turnê. 31 shows é hercúleo até para os integrantes da GYPSY, todos na casa dos 20 anos. Imagine para ele, aos 64, recuperando-se de uma cirurgia, fumando e, como disseram, bebendo. Apesar disso, acreditávamos que, por ser o primeiro, não haveria nenhum problema no show de Fortaleza. Bem, meus amigos, se já começou assim…

Acreditamos que a turnê deva ser suspensa. Que voltem e a reiniciem em 2024 ou depois. É triste dizer isso. Mas, a questão é realmente de saúde. Não tivemos várias turnês adiadas nos últimos dois anos? Mais uma não é novidade. Seria a melhor solução para evitar constrangimentos, decepções e mais prejuízos financeiros, tanto para produtores quanto para o público. Durante os anos de pandemia, aguardamos que os shows voltassem a acontecer, perdemos grandes amigos (agora eu já nem sei dizer se gostaria que o grande Sílvio Bezerra estivesse presente nesse show) e nos contentamos com nossos ídolos em áudio e vídeo, mas não ao vivo. Podemos dizer sim que vimos um monstro sagrado da música, meu filho viu um monstro sagrado da música e vai contar isso aos netos dele, mas esse monstro precisa agora de repouso. Não recomendamos nenhum dos próximos trinta shows. Esse tipo de coisa nós jamais fizemos, mas, como dissemos na abertura desta resenha, há tempo para tudo.

Observação:

Esta resenha não terá fotos (nenhum fotógrafo será credenciado em toda a turnê), mas vídeos já começam a pipocar nas redes sociais.

Observação 2:

Oportunamente, este texto será atualizado com a resenha dos shows da ELECTRIC GYPSY e da NOTURNALL. Estes, sim, valeram a pena para os headbangers da terra de José de Alencar.

Agradecimentos:

Ana Paula Romeiro, por toda atenção e gentileza no credenciamento, e à Estética Torta.