A sensação de colocar os fones de ouvido e ouvir a música favorita é uma das melhores coisas do mundo, e quem não gosta de ouvir aquela música que nos traz uma recordação, que traz satisfação ao ouvir ou que seja a favorita. Não importa qual o motivo, ouvir música é sempre algo prazeroso, mas e quando a música toma contornos maiores e se transforma em um alento da alma, quando para se sobreviver nesse mundo caótico ao qual nos encontramos é necessário expurgar alguns demônios interiores que se refletem numa música mais densa, mais tenebrosa e com conteúdos fortes e de grande expressão.
Pois bem, aqui falaremos um pouco sobre essa estética musical, principalmente a dos anos 90. É claro que em outros momentos o rock já havia dado alguns passos com essa forma de música, mas na virada da década, houve um rompimento com a moda aloprada e toda saltitante do hard rock nos 80, para algo mais sombrio, nada feliz e que trazia de forma forte a mensagem carregada de melancolia, tristeza, raiva e demais sentimentos de frustração num mundo que não parecia acolher esses indivíduos.
Dessa forma, Freud explica em “O Mal Estar na Civilização”, que o indivíduo pode se tornar neurótico em não tolerar a frustração que a sociedade lhe impõe a serviço de seu ideal de cultura, e dessas almas surgem o ser inquieto que dá vazão em forma de criatividade e assim entramos no conceito da estética, que como Schopenhauer completa, é a ideia que pretende a revelação, a objetivação da vontade num determinado grau, em seu “O Mundo Como Representação”.
Pois bem, na música rock dos anos 90, para ilustrar totalmente esses conceitos, poderia aqui usar todo o movimento grunge, um dos mais fortes e de maior impacto naquela década, mas por hora, vamos somente à alguns apontamentos. O Alice in Chains poderia ter toda a sua obra revisada nesse sentido, o disco “Dirt” traz toda a aura sombria do ser humano, em letras fortes, como em “Down in a Hole”, “Dentro de um buraco/E eu não sei se eu posso ser salvo/Veja meu coração/Eu o decoro como um túmulo/Você não entende quem eles/Achavam que eu deveria ser/Olhe para mim agora/Sou um homem que não se permite existir”, vemos aqui uma representação da alma atormentada, alguém que vive em uma frustração melancólica de seu próprio ser, o tormento de ser quem é não ver uma solução para estes problemas. E na faixa título podemos acompanhar o desejo de morte e o flerte com o suicídio, “Eu quero provar o gosto sujo, apertando a pistola/Em minha boca, em minha língua/Quero que você me raspe das paredes/E que fique louco como você me fez ficar”.
Em meados dos 90, outro movimento surgiu com bastante força dentro do rock e que ficou conhecido como new metal, iniciado em 94, com o debut do Korn, que trazia composições de andamento tão macabros e densos, letras que retratavam traumas, raiva e também a melancolia, assim como na faixa “Faget”, “Estou de saco cheio das pessoas me tratarem assim todos os dias/Quem se importa? Agora eu tenho algo a dizer/Para todas as pessoas que pensam que eu sou estranho/Que eu deveria estar fora daqui, trancado numa jaula/Você não sabe o que diabos acontece, de qualquer forma”, nesse trecho em questão, vemos como a raiva acaba por explodir e finalmente em forma de música as palavras de um alguém que era atormentado por ser “fora dos padrões” vem à tona com a força da necessidade da expressão. Assim como em “Daddy”, onde um abuso de infância vivido pelo vocalista Jonathan Davis é relatado, “Eu não te toquei ai!/Mamãe disse que não se importava!/Eu não te toquei ai!/Por isso mamãe parou e olhou!/Criancinha, tão doce/Eu estupro sua mente, e sua carne eu agora colho”, e a canção vai ganhando tons mais sombrios no decorrer de seus minutos até em seu final explodir num choro desesperado que incomoda ao ouvinte tamanha dor do que é passado ali. É a música se tornando uma terapia para o indivíduo que consegue expor essa situação, não com menos sofrimento do que numa conversa.
Aliado ao seus conteúdos, ainda tínhamos momentos visuais que corroboram para passar ainda mais a sensação que essas músicas propunham trazer, como no vídeo da banda Stone Temple Pilots da faixa “Creep”, onde o vocalista Scott Weiland é filmado em takes de fotografia preto e branco, agachado em posição desolada ou mais sufocante quando há closes de seus rosto enquadrado bem próximo a câmera numa sensação de enclausuramento. Mesma sensação passada no vídeo de “Man in the Box”, do Alice in Chains, onde Layne Staley está preso atrás de uma cerca e sufocado em cantos do cercado. Ainda há de se falar do vídeo de “Clown”, do Korn, onde um retrato da escola e de como ela pode se tornar um cenários de pesadelo para alguns em torturas no chuveiro, humilhações e alucinações correm durante os minutos.
Poderíamos relatar uma infinidade de bandas, cantores e vídeos aqui, como Soundgarden, Pearl Jam, ainda adjacentes ao movimento grunge, o Dream Theater e seu “Awake”, retratando as tristezas da vida em seu decorrer e o despertar da velhice, o Slipknot e sua estreia cheia de raiva do mundo, o Radiohead e toda a amargura e angustia em “Pablo Honey”, a crítica social ácida de Marilyn Manson em “Antichrist Superstar”, entre outros tantos que encheriam essa lista até ela se tornar algo tão grande como aquela própria década e significância dessas canções. A questão chave aqui é a de que a música quebra barreiras e a sua força da voz aos indivíduos esquecidos e cria um diálogo fervoroso com outros que consomem este produto, criando uma unidade e de uma força que atravessa os anos e reverbera até hoje tamanha sua mensagem e seu impacto.