Saibam como foi o show do Rotting Christ que aconteceu ontem,  no Carioca Club, em São Paulo, com texto de Guilherme Góes e fotos por Bel Santos, divirtam-se.

Embora não seja reconhecida como uma potência global no heavy metal, a cena da Grécia exerceu uma inegável contribuição no movimento ao longo das últimas décadas. Nomes como Agatus, Thou Art Lord, Suicidal Angels, Septicflesh não apenas produziram obras notáveis, mas também desempenharam um papel crucial na definição da sonoridade do gênero, introduzindo referências marcantes. Destaca-se, em especial, a notável inovação dos conjuntos do país do sudeste europeu ao incorporar de maneira magistral elementos da música clássica e sinfônica em suas composições.

No entanto, nenhum grupo grego teve um impacto tão significativo no cenário do heavy metal como o Rotting Christ. Fundada em 1987 pelos irmãos Sakis e Themis Tolis, a banda trilhou uma trajetória musical marcada por diversas evoluções. Inicialmente explorando uma sonoridade voltada ao grindcore, o conjunto progressivamente começou a incorporar elementos de black metal, gothic metal, heavy metal tradicional e passagens orientais em suas composições. Reconhecidos como pioneiros do black metal da região, o quarteto também se destacou como uma influente presença na cena underground do metal europeu. Desde então, vem se destacando por suas letras líricas profundas, frequentemente explorando temas relacionados à mitologia, filosofia e religião.

Comemorando seus 35 anos de trajetória, Rotting Christ vem percorrendo diversos países da América Latina desde meados de fevereiro. Já na última quinta-feira (29), o renomado Carioca Club foi selecionado como o local para a captação de imagens destinadas a um futuro DVD, marcando com distinção o legado do principal nome helênico na música extrema.

  • Ansiedade e devoção em plena quinta feira

Era previsto que a sétima visita do Rotting Christ a São Paulo atrairia uma multidão significativa, mas a adesão de fãs superou todas as expectativas. Quase uma hora após a abertura das portas do clube ao público em geral, centenas de entusiastas, vestindo camisetas pretas adornadas com estampas de demônios, bruxas e frases blasfemas, tomaram conta dos bares ao longo da Rua Cardeal Arcoverde, chocando os moradores do bairro de Pinheiros. A empolgação era tanta que o ambiente parecia mais um final de semana do que um dia útil comum. Nem mesmo Sakis Tolis, o líder e fundador do Rotting Christ, resistiu ao calor que dominava a noite, sendo visto em estabelecimentos próximos tirando fotos com alguns de seus seguidores.

Sem atração de abertura, o set do Rotting Christ teve início pontualmente às 20h30. Enquanto a base pré-gravada marcava o início de “666” nos alto-falantes do clube, anunciando a entrada dos membros no palco, percebia-se que centenas de fãs ainda passavam pela revista de segurança para entrar na casa. A pista respondeu com um enorme coro de “hey, hey”, indicando que o show prometia intensidade. A empolgação permaneceu evidente sob os blasts beats ferozes de Themis Solis em “P’unchaw kachun- Tuta kachun”.

Sem dar trégua, Sakis e seus companheiros seguiram com “Demonon Vrosis”, uma faixa que literalmente fez o público sair do chão enquanto pulavam ao som do riff de guitarra extremamente cativante. Neste momento, destaque para a excelente interação entre o frontman e o guitarrista Kostis Foukarakis, que se posicionaram à frente do palco, exibindo um virtuosismo avassalador. Em “Apage Santana”, a reação foi generalizada, com a plateia acompanhando a banda na tentativa de cantar em grego (ou, pelo menos, simular os sons das palavras).

Na sequência, durante “In the Name of God” do recente álbum “The Heretics” (2019), Sakis brincou com a plateia ao “jogar” a música para o público cantar. Em seguida, os músicos apresentaram a inédita faixa “Pix Lax Dax”, do próximo disco “Pro Xristou”, previsto para ser lançado em maio deste ano, que acabou sendo muito bem recebida. Para criar um contraste, “King of a Stellar War”, “Archon” e “Non Serviam”, duas faixas marcantes da fase dos anos noventa da banda, exibiram certas influências do heavy metal tradicional, com riffs envolventes, batidas rápidas e refrões cativantes que funcionaram de forma excepcional ao vivo, deixando que todos os integrantes pudessem exibir com mais precisão um profissionalismo absurdo em seus respectivos instrumentos. No entanto, foi em “Societas Satanas” que o público demonstrou uma empolgação particular, iniciando finalmente o primeiro moshpit da noite, que persistiu também em “In Yumen-Xibalba” e “Grandis Spiritus Diavolos”.

Próximo ao encerramento, a efusiva resposta do público manifestou-se no palco por meio de uma bandeira brasileira modificada com o logo da banda, prontamente erguida sobre a bateria. Em seguida, “The Raven”, também presente no álbum “The Heretics”, foi habilmente mesclada à cadência robusta de “Noctis Era”, do disco “Aealo”, marcando o encerramento da intensa primeira parte do set.

Como esperado, as faixas do aclamado álbum “Thy Mighty Contract” (1993) foram reservadas para um final verdadeiramente épico. Concluindo o evento de forma impecável, “The Sign of Evil Existence” e “Fgmenth, Thy Gift” presentearam os fervorosos fãs paulistas, que reuniram suas últimas energias para criar os dois mosh pits mais violentos de todo o show.

Em plena quinta-feira, o público lotou uma das principais casas de São Paulo, entregando-se a mais de uma hora e meia de pura intensidade sonora proporcionada por um grupo que, apesar de ter sua relevância reconhecida, sempre esteve fora dos holofotes midiáticos convencionais – até mesmo dentro da cena metal. Sem dúvidas, o evento foi um poderoso indicativo da resiliência e força do heavy metal no Brasil. Já os gregos proporcionaram uma performance feroz e inovadora, incorporando uma variedade impressionante de influências distintas, em conjunto com um profissionalismo surreal. Certamente, foi um evento  memorável e destinado a permanecer gravado na memória por anos a fio.