Em 30 de outubro de 2000, o Helloween lançava The Dark Ride, seu nono álbum de estúdio. Um disco que marcou uma guinada radical na sonoridade e na atmosfera da banda alemã — e que, 25 anos depois, segue como um dos capítulos mais enigmáticos e controversos da sua história.

O momento do Helloween antes do álbum

Nos anos 90, o Helloween vivia uma fase de reconstrução. Após a saída de Michael Kiske e Ingo Schwichtenberg, a entrada do vocalista Andi Deris e do baterista Uli Kusch deu novo fôlego ao grupo.

Discos como Master of the Rings (1994), The Time of the Oath (1996) e Better Than Raw (1998) ajudaram a restabelecer o nome da banda como um dos pilares do power metal, equilibrando peso, melodia e um certo humor característico.

Mas no fim da década, o clima dentro do grupo já não era o mesmo. Havia desgaste criativo e diferenças sobre os rumos que o som deveria seguir. Enquanto Deris e o baixista Markus Grosskopf queriam um Helloween mais leve e acessível, o guitarrista Roland Grapow e o baterista Uli Kusch buscavam algo mais sombrio, moderno e técnico.

Essas visões opostas acabariam definindo o tom de The Dark Ride.

A guinada sombria e o novo som

Gravado em Tenerife, na Espanha, e produzido por Roy Z (conhecido por trabalhos com Bruce Dickinson e Halford) ao lado de Charlie Bauerfeind, o álbum trouxe uma sonoridade muito mais pesada e densa do que o habitual.
As guitarras foram afinadas em tons mais baixos, os riffs ganharam peso e agressividade, e as letras mergulharam em temas obscuros — algo raro na discografia do Helloween até então.

Faixas como “Escalation 666”, “We Damn the Night”, “Mirror, Mirror” e “The Departed (Sun is Going Down)” retratam esse novo espírito: sombrio, introspectivo e melancólico. Até mesmo o visual da banda, com roupas escuras e capas com estética gótica, refletia essa mudança.

Apesar da atmosfera densa, o disco ainda manteve momentos melódicos, como “If I Could Fly”, single de maior sucesso do álbum, que mostrou que o grupo ainda sabia equilibrar peso e sensibilidade.

Impacto e recepção

Lançado no final de 2000, The Dark Ride foi bem recebido pela crítica e por parte dos fãs, que viram nele uma ousadia incomum. Era o Helloween explorando novos territórios sem abandonar sua essência.
Por outro lado, alguns fãs mais puristas estranharam o tom mais “dark” e a ausência da leveza e do humor característicos da banda.

Com o tempo, o disco ganhou status de cult e passou a ser reconhecido como uma das obras mais maduras e sombrias do grupo. O equilíbrio entre peso moderno e melodia clássica o colocou entre os álbuns mais respeitados da discografia dos alemães.

Durante as gravações, o processo criativo se tornou fragmentado. Cada integrante trabalhava de forma mais isolada, e as ideias divergentes se transformaram em atrito. Roy Z teria incentivado um direcionamento mais sombrio — o que dividiu ainda mais o grupo.

Roland Grapow e Uli Kusch defendiam esse novo caminho mais pesado e técnico. Já Andi Deris e o guitarrista Michael Weikath preferiam o estilo mais tradicional e melódico, com refrões otimistas e letras menos densas.

A turnê do álbum foi marcada por esse clima de divisão. Logo após o encerramento da tour, Grapow e Kusch foram demitidos por decisão de Weikath e Deris, que consideravam a dupla pouco comprometida com o futuro da banda.
Pouco depois, os dois ex-integrantes fundaram o Masterplan.

Assim, The Dark Ride acabou simbolizando o fim de uma era: o último registro da formação clássica dos anos 90 e o início de uma nova fase, mais estável, mas também menos ousada musicalmente.

Faixa por faixa do disco

1. Mr. Torture

Abertura explosiva e uma das faixas mais acessíveis do álbum.
Apesar do título polêmico, “Mr. Torture” é uma música com espírito irônico e sarcástico — uma espécie de sátira ao sadomasoquismo e aos estereótipos do metal.
Musicalmente, traz riffs rápidos, refrão cativante e estrutura tradicional do Helloween, servindo de ponte entre o som clássico da banda e o clima mais pesado do álbum.
É uma das poucas faixas em que o humor ainda está presente, mesmo em meio à nova estética obscura.

2. All Over the Nations

Aqui o disco já mergulha em um tom mais sério e épico.
A letra fala sobre guerras, alienação e manipulação em escala global — temas incomuns no repertório do Helloween até então.
Com guitarras galopantes e uma base sólida de baixo e bateria, lembra vagamente a era Keeper, mas com uma sonoridade mais densa e moderna.
O refrão é forte e melódico, mostrando o equilíbrio entre peso e melodia que define The Dark Ride.

3. Escalation 666

Um dos momentos mais sombrios e intensos do álbum.
Com riffs graves, atmosfera quase industrial e vocais agressivos de Andi Deris, a música aborda o avanço do mal e da insanidade na humanidade — uma metáfora sobre corrupção moral e poder.
A produção de Roy Z é marcante aqui: camadas de guitarra e bateria seca criam uma tensão constante.
É a faixa que melhor simboliza o “lado negro” do álbum e uma das preferidas dos fãs da fase mais pesada da banda.

4. Mirror, Mirror

Um ataque direto de heavy/power metal com pegada quase thrash.
A letra reflete sobre o conflito interno e o confronto com o próprio reflexo — “espelho” como metáfora para a dualidade humana.
O vocal de Deris alterna entre melodia e agressividade, e o solo de Grapow é cheio de emoção e técnica.
A canção soa como um desabafo e mostra o talento individual dos músicos no auge técnico, mas também o distanciamento criativo entre eles.

5. If I Could Fly

Balada poderosa e emocional — e um dos maiores sucessos da banda na fase Deris.
A letra fala sobre libertação interior e autoconhecimento, com um tom de esperança que contrasta com o restante do disco.
A melodia é belíssima, com refrão cativante e arranjos que valorizam o vocal.
É a faixa que mais se aproxima do Helloween “clássico”, e por isso foi escolhida como single. Mesmo em um disco sombrio, ela traz um breve raio de luz.

6. Salvation

Rápida, direta e cheia de energia, lembra os tempos de Better Than Raw.
Fala sobre superação e força espiritual, algo que poderia estar em qualquer disco clássico do grupo.
As guitarras dobradas de Grapow e Weikath brilham aqui — mostrando que, apesar das tensões, a química musical ainda existia.
É um respiro mais “positivo” antes de o álbum voltar à escuridão.

7. The Departed (Sun is Going Down)

Atmosfera densa e melancólica, com uma introdução que mistura riffs lentos e melodia sombria.
A letra fala sobre decadência e fim de ciclos — claramente refletindo o estado interno da banda.
Os vocais de Deris são contidos e introspectivos, e o solo tem uma carga emocional forte.
Uma das faixas mais subestimadas do álbum e que antecipa o clima da faixa-título.

8. I Live for Your Pain

Aqui o Helloween flerta com o metal moderno dos anos 2000.
Guitarras mais baixas, bateria com pegada seca e vocais agressivos.
A letra fala de dependência emocional e autodestruição — temas incomuns para o grupo.
Mostra a influência direta de Uli Kusch e Grapow no direcionamento mais sombrio e técnico do álbum.

9. We Damn the Night

Um dos pontos altos do disco.
Traz uma das performances mais intensas de Andi Deris, com uma letra sobre enfrentar a escuridão interior e resistir à desesperança.
Os riffs são pesados, a estrutura é dinâmica e o refrão é poderoso.
É a síntese perfeita entre o Helloween clássico e o “novo Helloween” de The Dark Ride.

10. Immortal (Stars)

Uma das músicas mais melódicas do álbum, com forte carga emocional.
Fala sobre perda, transcendência e imortalidade espiritual.
Os arranjos são grandiosos, com vocais harmônicos e solos inspirados.
Apesar do peso, há uma sensação de redenção — como se a banda estivesse encontrando luz em meio às sombras.

11. The Dark Ride

A épica faixa-título fecha o álbum de forma magistral.
Com mais de 8 minutos, alterna momentos lentos e sombrios com explosões de fúria e melodia.
A letra fala sobre a jornada através das trevas da alma — um reflexo do próprio momento da banda.
Musicalmente é uma das composições mais complexas de toda a carreira do Helloween, com mudanças de andamento e atmosfera quase cinematográfica.
É o encerramento perfeito de um disco que representa tanto uma catarse quanto um ponto final de uma era.

Tour do The Dark Ride

Logo após o lançamento de The Dark Ride em outubro de 2000, o Helloween iniciou uma extensa turnê mundial que se estendeu por boa parte de 2001, passando pela Europa, Japão e América Latina — incluindo shows no Brasil.

Batizada simplesmente de “The Dark Ride World Tour”, ela foi marcada por uma produção mais sombria e teatral, com cenografia e iluminação que refletiam o clima pesado do álbum.
As performances traziam tons escuros, fumaça, luzes vermelhas e azuis, e uma presença de palco mais agressiva.

Foi a primeira vez que o Helloween apresentou um conceito visual que se distanciava completamente do tradicional ar “divertido e colorido” da banda — e isso surpreendeu o público logo de início.

O setlist variava conforme o país, mas sempre equilibrava clássicos antigos com várias faixas do novo álbum.
As músicas de The Dark Ride tocadas ao vivo com mais frequência foram:

Faixas do álbum executadas ao vivo:

“Mr. Torture” – abridora constante da turnê, animada e direta.

“If I Could Fly” – o grande single, tocada em praticamente todos os shows, sempre com forte resposta do público.

“All Over the Nations” – incluída em vários shows europeus e japoneses, geralmente no meio do set.

“Escalation 666” – um dos momentos mais pesados da noite, com Deris em vocal agressivo e visual teatral.

“The Dark Ride” – executada apenas em alguns shows selecionados (principalmente no Japão e Alemanha), devido à sua longa duração e complexidade.

“Mirror, Mirror” – apareceu em partes da tour europeia, mas depois foi retirada do set.

No total, entre 4 e 6 faixas do álbum apareciam por show — um número alto para os padrões da banda, que normalmente mesclava mais clássicos.

O legado 25 anos depois

Hoje, The Dark Ride é lembrado como um dos trabalhos mais corajosos do Helloween, ele mostrou que uma banda consolidada no Power Metal podia explorar temas obscuros e sonoridades mais pesadas sem perder sua identidade.

É um álbum de transição — e também de ruptura — que dividiu opiniões na época, mas amadureceu com o tempo e ganhou respeito até mesmo entre os fãs mais tradicionais.

Para muitos, é o último registro verdadeiramente experimental da banda, antes de uma fase mais segura e voltada às raízes.

A volta ao Brasil em 2026

E para celebrar esse momento histórico, os fãs brasileiros têm um motivo especial para comemorar: o Helloween confirmou uma nova turnê pelo Brasil em  Setembro de 2026, como parte das comemorações dos 40 anos de carreira da banda. A informação foi confirmada pela Mercury Concerts durante o show do Guns N’ Roses no Allianz Parque, em São Paulo.

E quem sabe, na turnê de 2026, o público brasileiro possa reviver ao vivo essa fase marcante — quando o Helloween mergulhou nas sombras e, de lá, renasceu ainda mais forte.