Que o evento da M2F seria uma data a se lembrar todo mundo já tinha certeza. Desde o ambicioso cast de 10 (eu disse DEZ) bandas à data escolhida (o Domingo de Páscoa), quase tudo gerava questionamentos. Não a qualidade das bandas, todas muito queridas ou, pelo menos, com potencial para despertar curiosidade, nem a capacidade da produtora, que, sozinha ou em conjunto com outras, já tinha feito grandes eventos na cidade. No entanto, o que mais criava dúvidas era a casa. Qual banger já teria ido na tal “Baladinha“? Isso é nome de casa de show de metal? Parece, eh…, parece sei lá o que, parece… “Carioca”. Parece nome de casa de samba. De forró. De sertanejo. de forró, de funk. De qualquer coisa menos de metal da morte, metal negro ou metal pancada. Então, como é que foi o primeiro Fortaleza Extreme? Fique com a gente que vamos te contar. As fotos boas são do Victor Rasga. As ruins são minha culpa.
O show da Damn Youth começou pouco depois das 14h e, embora tenha sido para um público maior do que o esperado para o horário, não foi mesmo pra muita gente. Afinal, um pouco mais que quase nada ainda é quase nada, não é mesmo. Indiferente a isso, o quarteto formado por Jardel Reis na graveria, Ítalo Rodrigo na violência, Camilo Neto nas distorções e Elton Luiz na visão, tocou como se estivesse tocando no Castelão lotado. E meteu gols. “Senseless Massacre” e “Restitution” teriam transformado o gramado num mosh só. O set, que também teve pedradas como “Your Leader Will Fall” e “Descends into Disorder” foi dedicado a um amigo da turma chamado Jean, que falecera recentemente. Pra terminar, o recado (que me faz gostar cada vez mais da DY): “quem flerta com nazy não precisa comprar o CD da gente não”. E a indefectível indispensável “No Mercy to Nazy Symphathy”. A propósito, quem flerta com nazy ou fascista, também não precisa continuar lendo esse texto. Metal e política se misturam sim.
Quem já tomou absinto deve saber exatamente como é o som da Losna. Formada pelas irmãs Fernanda (baixo/vocal) e Débora Gomes (guitarra), com o reforço de Mateus Michelon na bateria, a banda gaúcha trouxe canções de seu quarto álbum, lançado durante a pandemia, Absinthic Wrangles, mas também singles como “Carmilla”, o mais recente, e dos três álbuns anteriores. “É uma grande honra estar aqui tocando pra vocês. Há muito tempo que queríamos estar aqui”, declarou Débora. Mateus, por sua vez, admirava-se da performance das irmãs, do mesmo jeito que quem estava lá embaixo, no público. “olha o que elas fazem!”. Fecharam o curto set (mais curto do que o desejado) com “Slowness”. Quem já assistiu, curtiu a thrashera das gurias. Tanto que o material que trouxeram “não deu pra quem quis”, acabou rapidamente.
Uma das melhores notícias que a banda de Jairo Alexandre (baixo), Ricardo Bruno (guitarra) e Rafael Necro (vocais) trouxe para o Fortaleza Extreme foi o retorno do animal Rodrigo Falconieri para acarinhar os pratos e peles. O monstro sagrado é coração da banda e seria difícil encontrar alguém que domasse a sua fúria com tanta delicadeza. A Necrofilosophy trouxe seu Death Metal matador pra arrebentar e despejou sons, agora para uma plateia no evento já considerável, de seu excelente Contemplations of the Seven Philosophical Foundations. Com apenas sete faixas no álbum de estreia e também pouco tempo de palco, o show foi curto. E por ter sido tão perfeito, mais curto ainda. Se eu escrever apenas “que som massa da porra” nessa resenha, já podemos nos dar por satisfeitos.
Metal Extremo é quase sinônimo de Death Metal (ok, a gente pode pensar em outras vertentes tão violentas, brutais ou obscuras quanto). Então, continuamos no Death Metal com os “donos da casa”, a Visceral Suffering. A banda que tem nos urros Satoshi Alisson, um dos sócios da M2F, continuou a pancadaria aberta pela Necrofilosophy, mas com um nível ainda além de brutalidade. “Que prazer ver toda essa gente aqui nesse feriado”, declarou Satoshi. E isso é realmente importante ressaltar. O show foi no Domingo de Páscoa. Embora a maioria ali seja contrário ao motivo do feriado, o evento ainda ocorria no final de um feriado, quando as pessoas preferem ficar com suas famílias, descansar para a enorme semana que se avizinhava. Quem encarou a maratona de shows realmente merece aplausos.
E não foi pouca gente não. Àquela hora, o público já estava perto do público total na casa. Já ficava mais difícil chegar perto do palco pra ver o show. Sim, vamos a ele. A banda i é composta por Jhoni Rodrigues (bateria), Anderson Meneses e Mateus Martinez (guitarra), Fabrício Machado, no baixo, além do já mencionado Satoshi. Também com apenas um álbum no bolso (o brutal “Sons of the Evil”), o show poderia até se concentrar nele, mas veio com novidades. “Hecatomb” e “Catharsis”, dois hinos cannibalescos fizeram seu debut ali no festival. Pra fechar o show com ânimos lá em cima, a que já é sucesso “Detoxify” e “Requiem of Death”, em que chamaram um dos nomes femininos mais proeminentes no cenário nacional, a carismática, mas bruta, Haru Cage, representando outra tinhosa, Fernanda Lira, que participou da gravação original da canção. A banda e a CORJA!, da qual Haru é vocalista, estará em turnê nacional em maio e novembro.
Se no meio de um show de Black Metal as luzes se apagarem e tudo ficar às escuras, o que você pensaria? Seria hora de sentar-se no colo do capeta? Seria hora de começar a rezar? Enfim, coincidentemente ou não, tudo ficou escuro na hora que a mineira PARADISE IN FLAMES subiu ao palco do Baladinha. A mistura de Black, Death e Doom, que seria considerada, mais tarde, o melhor show do evento em enquete no grupo Metal Ceará, nem precisou de corpse paint pra criar uma atmosfera maligna. Muito pelo contrário. Apesar de ainda usar elementos teatrais, como caveiras e capas, o culto ao sinistro já é garantido pelas letras de pelo som ora lírico e melodioso, ora brutal de O. Mortis (Germânia Gonçalves) nos vocais, A. Damien (André Luiz) nos vocais e guitarra, Guilherme de Alvarenga nos vocais e teclados, Robert Aender no baixo, e SJ Bernardo na bateria.
Cabe mencionar que embora tenhamos passagens com o típico som “A Bela e a Fera” (lírico feminino/gutural masculino), O. Mortis também manda seus urros infernais. Aqui são três feras, inclusive a bela. Depois de um show que podemos classificar como bonito, os mineiros não esqueceram que foi em Fortaleza o primeiro show que fizeram fora de seu estado natal, num Forcaos em 2005.
Como um avião desgovernado, los hermanos colombianos de Bloody Nightmare pousaram no Fortaleza Extreme pra mostrar do que são capazes. Os garotos de Bogotá botaram o baixão no talo, encheram as guitarras de fúria e botaram todo mundo pra rodar. Alexander Daza (vocal e guitarra), Miguel Angel Real (baixo), Hanner Robles (bateria) e Diego Torres (guitarra) fizeram um set que poderia ter sido bem mais longo, com “Helix”, “Nightriders”, “Possesed by War”, “Full Speed Vegeance”, um solo de guitarra e “Pillars of Chaos”, provando que violência em português e espanhol são a mesma palavra. Cabe também aqui destacar que a iniciativa do evento de trazer a banda foi muito feliz. Conhecemos muito do metal europeu ou norte-americano, mas há um mundo inexplorado por nós nos países de língua hispânica e asiáticos. E estes que hablan o idioma de Cervantes estão logo aqui perto. E o speed destes colombianos, pelo menos, está no mesmo nível dos canadenses de mesmo estilo. E tome roda.
Aviso: não leia este parágrafo se você for um idiota. Quem disse que política e metal não se misturam está do lado errado da história. O metal, como criação humana não pode se furtar a ver o que acontece e tomar uma posição, seja ela de que lado for, agrade ou desagrade quem quer que seja. E se em alguns grupos não se fala de política pra manter o bom convívio com hipócritas e doentes, no Fortaleza Extreme teve sim banda que mantem sua opinião crítica e consciente. Afinal, metal não é só gore, diabinhos e shredding ultra-veloz (o que não quer dizer que não seja isso também, pra dar um descanso do mundo real, onde tem muito mais carnificina e demônios que nas letras de qualquer banda de Black Metal ou Gore Grind). Metal também é luta pela verdade, pra tirar a máscara daquilo que não presta (nem que seja pra pintar com corpse paint depois). E quem não gostar, que vá numa Igreja Neopentecostal rezar. Elas nem ingresso cobram (só os 10% do seu salário).
Respirando tudo isso, a Desamaldo não subiu ao palco pra agradar ninguém. Subiu pra detonar contra o estado fascista e contra a opressão religiosa. E não é que acabou agradando. Bruno Leandro (baixo), Estevam Romera e Marcelo Liam (guitarras), Caio Augusttus (revolta e verdade) e João Limeira (bordoadas) não deixaram barato e meteram sons do “Mass Mental Revolution” e do novo EP, “Inquisition”. Esse é sobre o Estado de Israel, massacrando a Palestina, disse Caio. Prato cheio pra galera que resolveu andar com a Estrela de Davi do lado da Cruz de São Pedro.
“Essa é nossa quarta vez em turnê pelo Nordeste. Isso significa muito. O underground é o metal não sobrevive sem vocês”, reconheceu o vocalista antes do chamado “Bloco das Velharias”, entre elas, “Esmague os Fascistas” (quando ele convoca “nas ruas, todo mundo enfrentando os bolsonaristas”), “Manto de Sangue”, fechando, de certa forma positivamente, com “Bridges to a New Dawn”
A música da Escarnium é densa.
Densa.
Densa.
Densa.
O chão de Júpiter perde é feio. Tem nem chão aquela porra.
Mesmo com tempo reduzido, o show de Nestor Carrera (bateria), Gabriel Dantas (baixo) e Victor Elian (guitarra) e mais um guitarrista, David Ferreira, foi muito bom. Não faltaram canções de “Interitus” e do mais recente, Dysthymia, como “Far Beyond Primitive”, “Deluged in Miasma” e “Inglorious Demise”. A banda já veio ao Ceará muito recentemente, ano passado, com a GOATH, e já tem a sua base de fãs no estado, assim como na Europa.
Master
Apesar da demora nesta resenha (festival sempre acaba com os terceira idade como a gente), a lenda Master ainda está tocando pelo Brasil. Além de Fortaleza, a banda se apresentou em várias outras cidades como São Paulo (claro), Teresina, Blumenau e no tradicional festival Abril Pro Rock.
Sem muita conversa, Paul Speckmann só diz “Nós somos o Master” (como se alguém não soubesse) e começa a jogar seu Death Metal sujo old-school, pre-old-school, cru, cruel, orgânico, sem firulas em cima da galera ensandecida. O nome da música, o próprio nome da banda. Esta é seguida das pedradas certeiras “Subdue the Politician” e “Pledge of Allegiance”. E fica o povo gritando: Master! Master! Master! O trio responde com “Terrorizer”.
Mais adiante, o escudeiro Alex Nejezchleba faz solo longo que é pra galera parar de rodar e olhar hipnotizada. O set não é muito grande e, apesar do recente lançamento, “Saints Dispelled”, a turma do Speckmetal investe mesmo é nas velharias (devo dizer, pra alegria da turba). Estão lá “Judgement of the Will” e “Submerged in Sin”, do segundo álbum, “On the Seventh Day God Created… Master” enquanto a galera ou roda ou grita Master! Master! Master! Feliz de todo jeito, igual pinto no lixo. E não esqueçamos de falar da batucada visceral, com blasts, mas não só isso, de Peter Bajci, também feliz de estar ali, com energia e fúria.
“Não sei porque eu perderia meu tempo falando, se vocês não entenderiam”, começa Paul num momento pra dar aos colegas tempo de respirar, “mas uns quarenta anos atrás meu pai procurou uma outra religião querendo encontrar uma nova vida”. E o resto da história é “Funeral Bitch”. E ainda teve “Re-entry and Destruction” (que é cover de uma outra banda, veja, do próprio Paul, DEATH STRIKE), “Pay to Die” e “Mangled Dehumanization” pra terminar de fechar o caixão dos headbangers.
O show do Master foi uma celebração da dedicação e paixão tanto dos músicos quanto dos fãs, com a banda apresentando um repertório especial de forma eletrizante, e Paul Speckmann mostrando que não é só barba, mas também muito metal.
Antes de finalizar, vamos falar novamente, e agora, tendo visto quase todo o evento, da casa. O Baladinha não nasceu como um espaço pra tocar rock, pra tocar metal. Assim como tampouco o fizeram o Carioca, em Sampa, ou a Toinha, em Brasília. O Grêmio Recreativo do Antônio Bezerra, nosso saudoso GRAB, interditado para o metal pela vontade da vizinhança já viu shows de bandas do porte de Assassin, Onslaught, Krisiun, Iron Angel, entre muitas outras. Quem não tiver boas lembranças do GRAB lotado, das rodas gigantes (sem hífen) no meio do salão, bom metaleiro não é. E não esqueçamos que, depois que perdemos o nobre clube do Antônio Bezerra, já perdemos também (ou deixamos de ganhar) shows de bandas do mesmo porte por, na ocasião, não termos algo apropriado para algo entre o mainstream e o underground. Era Rhapsody ou Primal Fear que viria e não veio? Não importa. Tudo o que tínhamos ou era pequeno demais ou grande (e caro) demais. E até tivemos shows que quase não aconteceram, como o do UDO (aquele do episódio do bicUDO), levado às pressas para um teatro. Um lindo teatro, mas ainda um teatro (sente e se comporte). Pois bem, a nova casa de shows que a M2F descobriu na Maraponga (quase Parangaba) pode até ser uma casa dedicada ao forró, ao funk, ao sertanejo, como bem explícito em seus camarotes, mas é grande o suficiente para receber bandas como Master, Krisiun, com os já ditos camarotes (véio cansa, né? Eu cansei), com espaço bom para muitas bancas de merchandising (aquele domingo foi um domingo de tentações), espaço pra circular, comer e, como dizem os donos do lugar, os forrozeiros, “beber, cair e levantar”. E ainda tem o terminal de ônibus ali pertinho (mais perto que a Estação Faria Lima do Carioca). Em poucos meses, o NAPALM DEATH retorna à cidade, pelas mesmas mãos da M2F com a D Music. Então, é com alegria que podemos dizer: temos um GRAB novamente. Eu repito: temos um GRAB novamente.
Krisiun
Agora vamos falar do Krisiun. Pra ser uma das bandas de Death Metal mais brutais do mundo a banda dos três irmãos Camargo e Kolesne só tinha que fazer uma coisa: existir.
Os três irmãos no palco, Alex Camargo (baixo e vocais), Max Kolesne (bateria) e Moyses Kolesne (guitarra) mostraram mais uma vez a competência e o alto nível de seu som. Alex, cuja voz já é praticamente um gutural, começa com o costumeiro “Boa noite, Fortaleza. O Krisiun está aqui”. Até parece que a gente não sabe. Mas ele também sabia do esforço que os bangers fizeram pra ainda estar ali, depois de uma maratona extenuante de shows. “Obrigado a quem está aqui desde cedo suportando (leia-se dando suporte) às bandas. Vamos tirar força lá de dentro”, disse o monstro antes de Ravenger. Apesar disso, quando ele pergunta se tem alguém cansado, a resposta do público é não. E, sim, ainda tem gente na roda.
“Sword Into Flesh”, do excepcional álbum novo “Mortem Solis”, foi muito bem recebida e faz muito barulho, seguida da que intitula o anterior, “Scourge of the Enthroned”. Cada riff, cada palhetada, cada pancada leva ao público ao delírio plenamente justificado. O KRISIUN não erra.
Apesar de se manter discreto, Alex comentou: “Vocês sabem que a gente tem uma dívida com vocês do Nordeste. Não vamos falar de política aqui, mas vocês sabem do que estamos falando. São coisas como essa que nos fazem ter orgulho de ser brasileiros”. Claro que todo mundo entendeu que ele estava falando daquele que não se fala, daquele que nem deveria ter nascido. Bandas que o apoiaram ou que não se posicionam de forma alguma só merecem mesmo o ostracismo.
E segue o show, mesclando pauladas novas na moleira como “Necronomical”, “Serpent Messiah (ambas também do álbum novo) e “Hatred Inherit”, da virada do século. “Vocês são uma inspiração pra gente continuar nesse caminho”. Uma homenagem a alguém tão feio e tão foda como os gaúchos não poderia faltar. É “Ace of Spades”, que a banda consegue, incrivelmente, deixar ainda melhor (assim como outrora tinha feito com “No Class”, também do MOTORHEAD).
Eles até quiseram terminar o show, mas o público pedia “Black Force Domain”. Então, sem esquecer de mandar um salve para os amigos da OBSKURE (pioneira do Death Metal no Ceará), Amaudson e Jolson Ximenes e Daniel Boyadjian, e para o criador do primeiro fã clube do Krisiun, Carlinhos. E o pedido do público foi atendido. “Black Force Domain” veio pra prometer que o Krisiun logo estará de volta a Fortaleza. E, com certeza, será mais um show irrepreensível.
Como veredicto, o evento Fortaleza Extreme, organizado pela M2F, com as performances intensas e cheias de significado de Damn Youth, Losna, Necrofilosophy, Visceral Suffering, Paradise in Flames, Bloody Nightmare, Desamaldo, Escarnium, Master e Krisiun foi marcante para a cidade, como, talvez, o nascimento de um novo espaço que deve alimentar, revigorar e fazer crescer a comunicade metálica na cidade (e, por que não dizer, no Estado). Vida longa à produtora, às bandas e ao estabelecimento. E que venha o Fortaleza Extreme II.
Agradecimentos:
M2F, pela atenção e credenciamento.
Victor Raaaasga, pelas lindas imagens que ilustram esta matéria (as feias são minhas). Confira mais na galeria abaixo: