Alguns anos atrás, ex-membros do ANGRA formaram o SHAMAN. Outros anos depois, quando estes primeiros deixaram a banda, os então membros do SHAMAN formaram a NOTURNALL. E nesse “Angraverso”, “multiverso”, “metaverso”, as duas bandas se encotraram para uma turnê conjunta e pousaram no Complexo Armazém, em Fortaleza, para um show no domingo passado, primeiro de maio, numa produção esmerada da D Music Transformação Musical. Eu e o Rubens Rodrigues fomos ao show desses gigantes e contamos aqui como foi.
OMMINOUS
A OMMINOUS foi a representante cearense na abertura da noite. Com um som entre o Power e o progmetal, mostrou-se a banda ideal para representar os alencarinos no evento. Foi o primeiro show com a formação nova (George deixou a banda para se dedicar à advocacia, por exemplo). Passeando por músicas com solos fantásticos,  o monstro Cesário Filho, filhote de Malmsteen, honrou o legado de Yago Sampaio. O guitarrista ainda não é o novo nome  definitivo (por também ter outros compromissos). Tomara que fique. E aproveitem e lancem disco novo com esta formação que é completada por Sérgio Snider no baixo e Jan Ariel na bateria, além de Lenine Matos, o único da MK1 da OMMINOUS. E Lenine fez o que sabe muito bem fazer (e que a gente sabe que ele sabe, desde aquele show em Forquilha, agora num tempo já bem distante, com a Coldness). Com canções que facilmente se destacam, como “Prisoner of a Present Time”, que começou só com baixo e bateria, e a seguinte, Lenine afirma para o público que “só ficou bom porque vocês ajudaram”. Só humildade. Teria ficado bom mesmo que tivéssemos atrapalhado. O vocalista continua brincando ao se dirigir ao guitarrista convidado: “Toque só um pouquinho mais lento. Aqui é Omminous. Não é Malmsteen” . Cesário, “maluvido”, nem cogitou atender a recomendação e continuou shredando como se não ouvesse amanhã em “Master of Disguise”, parando apenas para que Ariel mostrasse também a sua técnica em um solo de bateria cheio de ritmo que acabou se transformando na inconfundível introdução de “Painkiller”, dos deuses do metal. E pra participar desse hino, a Omminous chamou Jerônimo Pires, vocalista da Ashes, que mandou agudos perfeitos. Mas, se Cesário já vinha deixando a galera com queixo no chão, teve gente que teve que ir procurar no fosso do Armazém com o solo com que iniciaram “I Wanna Rock” do Twisted Sister, que, ironicamente, pôs fim à gaiatice dos cearenses.
Setlist
  1. Behind All the Consent
  2. Vile Maxim
  3. Prisoner of A Present Time
  4. Master of Disguise
  5. Into Decay
  6. Overcasting Skies
  7. Painkiller (Judas Priest)
  8. I Wanna Rock (Twisted Sister)
NOTURNALL
A produção foi rápida e eficiente na mudança de palco. E o agora quarteto formado por Thiago Bianchi (voz), Henrique Pucci (bateria), o gringo Mike Orlando (guitarra) e a fera de barba colorida Saulo Xakol (baixo) já subiram ao palco mandando ver com “Cosmic Redemption”. Só então Bianchi questionou o público: “Fortaleza, vocês tão por aí. O tempo é curto. Muita música pouca falação” e a banda continuou descendo a lenha, com Mike Orlando sentindo-se em casa em “Wake Up”, se jogando no sofá, puxando a mesinha de centro e largando os pés em cima, encadeando um solo em outro. E mais outro… E mais outro…
E o mafioso da adrenalina continua arregaçando em “No Turn at All”, enquanto Pucci… Bem, se antes do início dos shows havia três baterias no palco, uma pra cada octopus, ainda parece agora que há pelo menos dois bateristas no palco, tamanho é a barulheira que o ex-Project 46 faz no palco.
“Esta é sobre essa pilantragem chamada industria da fé”, explica Bianchi antes de Fake Healers. Outro ponto a ser comentado é a iluminação, que, como você pode atestar nas fotos de Rubens Rodrigues, estava perfeita.  “A luz está fantástica”, confessara-me o fotógrafo. A cada canção os canhões pintavam-se de uma cor, a que, de alguma forma, combinasse mais ao tema. E aqui ela está rosa.
Antes de “Scream for me”, o primeiro single lançado com esta formação, Bianchi declarou “Com todo o carinho que eu tenho pela história dessa banda, eu posso dizer que hoje eu tô feliz”. E mandou um baita de um spoiler, mas daqueles spoilers que todo mundo gosta de saber. “Maurílio [produtor] prometeu. Se fudeu. Vamos voltar com Mike Portnoy”.
“Vocês são como eu lembrei, só que melhor”, continuou o vocalista, em elogio ao público. “Viver no Brasil é muito difícil, principalmente de Heavy Metal. Aqui são novas pessoas e antigas pessoas vivendo do metal junto com vocês”. Era mentira aquele negócio de pouca falação. Mas ninguém estava reclamando.
Ainda mencionando os colegas de banda, Bianchi revelou que “Reset the Game” era desafiadora, mas conseguiram graças a Mike Orlando. Este toca tudo muito rápido. E toca sorrindo comi se estivesse tocando uma nota por minuto. Uma aula de guitarra.
É então que chega um dos pontos mais altos da noite. Dois gigantes da música brasileira participaram (não em presença, mas em voz e espírito). É “O Tempo Não Para”. Com a voz de Ney Matogrosso pré-gravada, Thiago pula e vem de encontro ao público, que enlouquece. Um momento verdadeiramente catartico. Sorte a de quem realmente puder presenciar o duelo entre os dois cantores.
“Fight The System” (a que tem trechos de “Diário de um Detento”, dos RACIONAIS) e “Nocturnal Human Side”, que botou o público pra pular, fecharam a apresentação. “A música é de um amigo desse cara aqui”, aponta Thiago pra Orlando (o amigo é o Russel Allen). Definitivamente, a NOTURNALL terminou o show com o jogo ganho. 
Eu devo admitir que o show menos teatral, mais voltado ao metal, sem artifícios de cena, sem garotas zumbis ou truques davidcoperfieldianos como em outros que vimos da NOTURNALL, teve um efeito melhor junto ao público. E Thiago Bianchi e sua trupe voltam pra casa com mais uns fãs no bolso.
Setlist:
  1. Cosmic Redemption
  2. Wake Up
  3. No Turn at All
  4. Fake Healers
  5. Scream for Me!
  6. Reset the Game
  7. O tempo não para (cover Cazuza, com Ney Matogrosso em áudio)
  8. Fight the System
  9. Nocturnal Human Side
SHAMAN
Um interlúdio instrumental soa nos PAs, enquanto o palco é trocado para a próxima banda. Algo bem na vibe da instrumental que abre “Rescue”. Mas é “Time Is Running Out” que realmente coloca o novo SHAMAN de volta ao palco. É uma linda música pra realmente abrir o show, mas também uma reflexão. Que o tempo está se esgotando todos sabemos, mas quão rápido ele se vai. Teremos tempo para o próximo sorvete? Não sabemos. Assim como não sabíamos que aquele show em novembro de 2018 (resenha aqui https://whiplash.net/materias/shows/293065-shaman.html ) seria a última vez que veríamos a banda no palco capitaneada pelo maestro astro que nos deixaria no ano seguinte. Agora, em seu lugar estava o espetacular e desenvolto Alírio Neto. E a canção era uma das novas, uma das de “Rescue”, álbum recém-lançado com esta formação (Alírio, Confas, Fábio Ribeiro e os irmãos Mariutti).
O público vai ao delírio (e eu ao chão, desde 2019 não tive coragem de ouvir nada que tivesse tido a voz de Andre Matos, nem com ele, nem com ninguém) nas primeiras notas de “Distant Thunder”. O coro é geral. Mas ainda é impossível não lembrar de quem estava presente na última vez que ouvimos essa música ao vivo no Armazém. No palco, tinha estado um dos maiores nomes do metal. As fotos na resenha linkada acima são do mesmo Rubens Rodrigues. As palavras eram minhas. Os olhos, dele. Quem está hoje não emula o maestro, tem sua própria personalidade e construiu a carreira por si mesmo, mas, hoje, nesse primeiro momento, a primeira música do “Shaman antigo” ainda faz suar mais os olhos que mexer os pés.
E além de Andre, tanta falta nos faz o grande Silvio, seu discípulo, seu mentor. Sílvio Bezerra, Sílvio da BEOWULF, levado de nós pela Covid e pelo governo criminoso que nos negou vacinas em tempo hábil.
Hoje estar aqui dividindo essa nova fase do Shaman é um privilégio, diz Alírio, antes de iniciar “For Tomorrow”, outra pra judiar o coração do metaleiro.
Andre, você será para sempre.
Sílvio, você será para sempre.
Sem ambos, não estaríamos aqui. Sem ambos o metal nacional e o metal cearense não seriam o que são hoje.
Lutando para permanecer de pé durante o show, somos levados pela melodia das canções. É uma delícia ouvir o baixo do Luís. Um baixo soando alto como se precisa.
Alírio não apenas canta, mas também passa boa parte do show tocando teclado, como em “The I Inside”, o novo single já bem conhecido. No meio desta, o vocalista/pianista faz um emocionante solo de piano, com até direito ao refrão de “Who Wants to Live Forever”, a canção definitiva sobre eternidade. Tudo na canção é grandioso. O novo Shaman respeita a memória de seu membro mais amado, mas se ele ganhou asas de anjo, a banda continua caminhando sobre seus próprios pés e de garras afiadas.
“Fairy Tale” vem pra maltratar de novo o banger, que baila, que canta junto, que chora… e que chora. Traz também a memória do finado Ceará Music e do DVD definitivo (ou seria VHS) do Heavy Metal nacional. 
Como é bom poder ouvir música.
Oxe, e quem não sabe disso?
Depois de um tempo tão negro, isso precisa ser sempre reforçado.
“Essa a gente fez pro André”, avisa Alirio antes da próxima, “Gone Too Soon”. E luzes de celulares ligadas acompanham a homenagem ao Maestro.
Voltamos ao bom e velho metal puro com a agitada “Turn Away”. Alirio, Alirio, Alirio, grita o público. É mais um jogo ganho. A clássica “Ritual”, mais uma nova, “Brand New Me” e os inconfundíveis teclados em “More” tem todo mundo agora pulando. E em coro. “oooooo oooo oooo”. O show estava sendo bom como uma pancada do baixo de Mariutti. Uma bordoada. “Cês tavam na pilha de cantar ?”. Então Alirio, não apenas vocalista, mas também experiente ator de musicais que é, rege o público (assim como nosso maestro, e também aquele outro ídolo, de codinome de planeta, regia). Ele tem o público nas mãos.
Na volta do Bis, chamam de volta o Thiago Bianchi e eles envelopam a noite com “Here I am” e “Pride”, mas não sem apresentar o resto da banda e a si próprios. Curioso o que falaram sobre alguns: Luís, Jesus do Baixo (“toda vez que eu quero um vinhozinho eu levo uma água pra ele e ele transforma”), o cara que convidou Alirio ao posto central da banda. Hugo, “o cara mais fofo do metal nacional”. Fábio, “um dos mentores intelectuais dessa banda e me deixa atrapalhar os pianos que ele toca pra c…”, disse Alírio. 
Voltar a ouvir conteúdo do Shaman foi um privilégio. Privilégio de estarmos vivos e saudáveis. Privilégio de ouvir tantas músicas marcantes. E mesmo assim, o Armazém não lotou. No entanto, há que se ponderar que, se por aí afora as coisas ainda parecem estar vagarosamente voltando ao normal, no setor de shows elas parecem estar muito mais aceleradas, com diversas confirmações realmente acontecendo, com shows que foram adiados mais de uma vez elas sendo finalmente realizados (embora alguns cancelamentos ainda ocorram). Os produtores, que passaram praticamente dois anos tendo que encontrar outras formas de garantir o sustento de suas famílias, estão, agora, ansiosos por voltar ao trabalho. E no caso deste evento, a forma cuidadosa como a D Music tratou o som, a iluminação e demais aspectos dos três shows só nos fazem crer que, de agora em diante, vamos suavemente, mas em quinta marcha. E o público vai ter que se acostumar com isso. 
Setlist
  1. Tribute
  2. Time Is Running Out
  3. Distant Thunder
  4. For Tomorrow
  5. The “I” Inside
  6. Fairy Tale
  7. Gone Too Soon
  8. Reason
  9. Turn Away
  10. What If?
  11. Time Will Come
  12. Ritual
  13. Brand New Me
  14. More (Systers of Mercy)
bis
  • Here I Am (com Thiago Bianchi)
  • Pride (com Thiago Bianchi)
Agradecimentos
D Music, em especial ao Marílio Fernandes e Denor Souza (muito bom revê-los, camaradas) pela atenção e credenciamento.
Rubens Rodrigues, pelas imagens que ilustram esta matéria.
Este texto é dedicado a Andre Matos e Sílvio Bezerra
Veja abaixo, mais fotos do show.