O texto abaixo foi publicado originalmente no Whiplash, por ocasião do fatídico 8 de junho, quando, sem que ninguém esperasse, as notícias começaram a correr e, infelizmente, não eram fake news. Quem dera fossem fake news. Andre Matos não viu esse ano terrível. Não viu os, agora, quase 40 mil mortos no país onde nasceu e uma situação sem precedentes nas gerações de praticamente todos os que estamos vivos. Ele foi embora antes. E deixou uma saudade enorme. Confira o desabafo que fiz naquele dia. E, hoje, ainda mais que naquele tempo, se puder, se não tiver que sair de casa para isso, ame alguém, abrace seu amor, tome sorvete. A vida é um sopro.


Sempre muito a fazer.

Temos nosso trabalho oficial.
Além dele, às vezes, nos envolvemos com outras atividades que demandam atenção. Esse ano, resolvi ser síndico do condomínio onde moro.

E, mais importante, que tudo isso, tem a família. Eu tenho um molequinho que precisa de mim, para que eu possa continuar lhe guiando. Tenho minha esposa, que precisa do amor que só eu posso dar e só ela pode de mim receber. Tenho meus irmãos e irmãs e tanta gente cujos traços sanguíneos semelhantes vão aparecer em quase uma centena de pessoas.

E, na busca desesperada por dias de 48h, as atividades só se acumulam.

Só aqui para o Whiplash [nota: veículo onde este texto foi originalmente publicado, em 6/08/2019], terminei hoje a resenha de um show, tenho algumas dezenas de discos na fila por uma resenha, há tanto que eu gostaria de falar. Há trechos ainda não publicados de entrevistas. Há uma entrevista inteira com um grande nome do punk rock a publicar. Há entrevistas a pautar, ideias na cabeça que ainda não chegam a pelo menos àquelas oito perguntas de prache.

Na primeira vez que entrevistei ANDRE MATOS, fui muito além das oito perguntas. Eram mais de vinte. E, como me comprometi, nessas vinte nem havia uma sequer sobre o ANGRA. E ele respondeu tudo, bicho. Eu e o Denor Sousa, que acho que estava na assessoria de imprensa do show à época, ficamos surpresos. “O destino nos leva onde temos de estar”, disse Andre, na entrevista (link abaixo).

Andre Matos – “O destino nos leva onde temos de estar”

Nossos caminhos se cruzaram outras vezes. Foram alguns shows do VIPER (uma das bandas que, junto a GUNS N’ ROSES, LEGIAO URBANA, SLAYER, PARALAMAS DO SUCESSO, KING DIAMOND e MERCYFUL FATE, compunham o primeiro carrocel de nomes que pontuou meu gosto musical de adolescente), do próprio ANDRE MATOS e do SHAMAN, como na entrevista abaixo, pelo DETECTOR DE METAL.

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Nesse dia, ele também falou sobre os elogios de Tobias Sammet, do AVANTASIA. “Ao ouvir as canções, ao ouvir aquela canção “Carry On”, eu pensei: Jesus Cristo! Este é o som da música que eu quero ouvir.”. Foi o que me disse Tobias, com quem, coincidentemente, ANDRE dividiu o palco nesse último domingo em São Paulo, em sua última apresentação ao vivo.

Avantasia – Andre Matos devolve os elogios de Tobias Sammet

Uma das minhas próximas entrevistas também seria com ele. Já tinha recebido o convite da assessoria do SANA, evento realizado em Fortaleza e focado em cultura japonesa, pois ele seria uma das principais atrações musicais esse ano. Estava juntando as perguntas ainda na cabeça.

É uma entrevista que eu jamais vou fazer.

O momento atual de Andre Matos não vai mais existir.

A vida é um sopro.

A dele se foi.

A nossa pode ir a qualquer momento.

A vida dele se foi como a de Mário Linhares. Ele tinha me enviado o seu último disco, sua obra prima, “The Beloved Bones: Hell“. Consegui fazer a resenha e já tinha incluído na minha materia anual de melhores álbuns lançados naquele ano (já era novembro, eu acho). Mas ainda não tinha publicado a matéria. E nem tinha conseguido fazer a entrevista que queria fazer. De repente, ele estava num hospital. De repente, ele já tinha falecido.

A vida dele se foi como a de Nacho Belgrande, na verdade Cristiano Gonçalves (a grafia correta eu não sei agora), um dos jornalistas que mais contribuiu para o Whiplash. Amado por muitos, odiado por tantos outros, Nacho era a cara do Whiplash. E o Whiplash era a cara de Nacho. Poucos o conheciam. Alguns até duvidavam que ele existisse de verdade (e, de certa forma, tinham razão, uma vez que ele sempre se manteve discreto atrás do apelido que ganhara nos Estados Unidos, quando trabalhara por lá). Nacho morava em Fortaleza. Nos encontramos poucas vezes, mas conversávamos muito. Ele tinha planos. Ele tinha muitos planos. Queria montar uma empresa disso, ganhar a vida com aquilo. Tudo relacionado à música. E eu, que a certa altura tinha perdido o emprego, até cogitava entrar num desses planos. Chegamos até a falar sobre trazer o UFO pra tocar em Fortaleza. Mas não deu tempo. Nem mesmo a cerveja que tomaríamos ficou pra nunca mais. Nacho morreu de repente. Só nos veio a notícia.

ANDRE MATOS fundou o VIPER, fundou o ANGRA, fundou o SHAMAN, teve uma exitosa carreira solo e participações em vários outros projetos e até quase entrou no IRON MAIDEN. ANDRE MATOS é um dos nomes de músicos brasileiros mais conhecidos no munto inteiro.

Agora, ANDRE MATOS se foi. A sua obra fica. Mas fica agora também a sua estranha ausência.

Tanta coisa que ele ainda poderia fazer.

Tanta melodia bonita naquela cabeça privilegiada que não chegará mais aos nossos ouvidos.

A vida é um sopro.

Quanta coisa ele deixará de fazer?

Egoistamente pensamos nisso. Não há como evitar diante da surpresa do fato que o brilho de uma estrela parou de brilhar. Pensamos no brilho. Pensamos na estrela. E se nos vemos como a própria estrela, pensamos em tudo o que ainda não fizemos. Tudo o que está na nossa todo list.

Quanta coisa nós próprios podemos deixamos de fazer por acreditar em um 9 de junho que talvez nunca chegue, ou o 10, ou o 11, ou o mês que vem?

A vida é um sopro.

Ame alguém. Abrace seu amor. Tome sorvete.

Faça isso hoje. Faça isso amanhã também.

A vida é um sopro.

Por enquanto, é o que dá pra dizer. Nem tínhamos intenção de dizer algo maior ou mais elaborado. Só tínhamos que dizer. E não deixar mais nada pra depois.

A vida é um sopro. É o que dá pra dizer.